18 de novembro de 2024
Georges Mehdi e Rudolf Hermanny, uma história que transcende o tempo e os tatamis
Nascidos nas décadas de 1920 e 1930, os professores kodanshas radicados no Rio de Janeiro são uns dos maiores judocas do Brasil
Bushidô
11/07/2018
Por PAULO PINTO I Fotos EDUARDO PIRES e ARQUIVO
Curitiba – PR
Observando a foto onde os professores Georges Kastridget Mehdi e Rudolf Hermanny aparecem caminhando lado a lado, o professor kodansha (7º dan) Oswaldo Cupertino Simões Filho escreveu o texto transcrito abaixo.
Usando toda a sensibilidade que lhe é peculiar, o sensei baiano radicado no Rio de Janeiro descreve subliminarmente ensinamentos e marcas indeléveis que o judô imprimi naqueles que se tornam verdadeiramente judocas ao adotarem os ensinamentos deixados por Jigoro Kano como princípios de vida.
Esse é o judô
Senseis Rudolf Hermanny e George Mehdi de mãos dadas passeando em Ipanema. Tanto se fala, mas pouco se sente.
Estes dois sentem e demonstram o que é o verdadeiro judô: união e companheirismo. Eles nos ensinam sempre. Na verdade, são grandes exemplos para todos nós.
As mãos não são apenas para fazer um bom kumi-kata e os braços não servem apenas para projetar um bom kuzushi, mas sim para apoiar um ao outro de forma irmanada no mais alto exemplo de ji-ta-kyo-ei (amizade e prosperidade mútua).
Linda foto para quem gosta de judô e para quem admira, gosta, preza e reverencia estes dois grandes senseis, assim como eu.
No final, o que importa é a amizade e o respeito que os dois edificaram e souberam manter por várias décadas. A juventude passa, os títulos, as medalhas e os cargos passam, mas a amizade e o respeito perpetuam. Esse é o judô de verdade.
Reverenciando a origem
Mesmo tendo sido aluno dos senseis Kazuo Yoshida e Lhofei Shiozawa, quando ainda era jovem e morava na Bahia, Oswaldo Simões fez uma análise simples do lance capturado por Eduardo Pires, aluno do sensei Mehdi, quando os dois professores kodanshas iam tomar café, repetindo o trajeto que percorrem juntos e quase abraçados, diariamente, rumo a uma padaria de Ipanema.
Além de reverenciar os judocas veteranos, neste pequeno texto, Oswaldo Simões mostra o carinho e gratidão que sente por tudo que os professores octogenários produziram de bom para o judô do Brasil, seja conquistando medalhas, ensinado judô ou fazendo a transmissão do conhecimento que adquiriram com seus senseis, em meados do século passado.
Treinar com o sensei Mehdi é como treinar com a própria sombra
Nascido em 21 de dezembro de 1927, na França, Georges Kastridget Mehdi costuma dizer que o judô é uma escola de disciplina e que o judô é superação da fadiga, da fome, da falta de velocidade e de si mesmo.
Frases como estas, repetidas incansavelmente para seus alunos, traduziram a essência e a preocupação do professor Mehdi em permanecer sempre fiel ao verdadeiro espírito do esporte criado por Jigoro Kano.
Ao escrever a biografia deste mestre Budoka, o professor Stanlei Virgílio destacou que Mehdi sempre expressou que existe algo além da prática, como professor de judô mundialmente conhecido, este nosso mestre entende que é seu dever principal colaborar para formar verdadeiros homens, pessoas que procedam corretamente em seu cotidiano e que sejam reconhecidos como judocas onde quer que estejam, significando isso o uso da gentileza, do respeito para com os seus semelhantes, da honestidade e da integridade, ou seja, civilidade.
Coerente com a sua busca de ensinamentos para aplicá-los em sua própria vida e no ensino de seus alunos, sensei Mehdi passou vários anos no Japão aperfeiçoando-se com o lendário professor Matsumoto, trazendo uma bagagem riquíssima de conhecimento que adaptou ao seu estilo pessoal, a ponto de receber exclamações como a do professor Takemori, vice-presidente da Confederação Americana de Judô: “em meus sessenta anos de judô, nunca aprendi tanto quanto em um seminário com o sensei Mehdi em Boston em 1960”. O professor Matsumora do New York Athletic Clube e da YMCA, quando esteve treinando no Rio de Janeiro, declarou várias vezes: “treinar com o sensei Mehdi é como treinar com a própria sombra”.
Discípulo dos mestres Ryuzo Ogawa e Augusto Cordeiro
Nascido em 16 de agosto de 1931, em São Paulo (SP), ainda jovem Rudolf Hermanny migrou com sua família para o Estado da Guanabara, que hoje é o Rio de Janeiro.
Segundo o historiador Stanlei Virgílio, o professor Hermanny iniciou seu judô com o professor Augusto Cordeiro em 1952, a quem esteve ligado até sua morte em 1987. Cordeiro foi o grande batalhador na preparação, organização e solidificação da Federação Guanabarina de Judô e Confederação Brasileira de Judô, e Hermanny, como seu aluno, teve participação decisiva na consolidação das duas entidades.
Augusto Cordeiro pertencia à Budokan, até hoje considerada a maior escola de judô do Brasil com filiais em muitos Estados. Era, portanto, discípulo direto do mestre japonês Ryuzo Ogawa. Das suas recordações, Hermanny fala sobre a impressão que causou a primeira competição do Instituto Budokan de São Paulo, na qual esteve presente.
“Estávamos no ginásio do Pacaembu, em São Paulo, quando ainda iniciava meus conhecimentos sobre o judô. Como os espectadores eram na proporção de 95% japoneses, o ambiente era nitidamente oriental. Respirava-se o modismo e as tradições japonesas, e não havia o costumeiro barulho das torcidas em dias de jogos, não havia conversas em tom mais alto, ninguém gritava ou se exaltava e os cumprimentos eram cerimoniosos. Havia respeito. Respeito entre todos. Entre atletas, árbitros, plateia e dirigentes”, explicou Hermanny.
Outro fato marcante e muito significativo para o professor Rudolf Hermanny são os treinos que efetuou no hombu dojô da Budokan, do professor Ryuzo Ogawa em São Paulo, onde, além dos conhecimentos adquiridos, do aprimoramento técnico, teve ainda o privilégio e a felicidade de participar de um ensino diferenciado, em um ambiente pequeno, mas onde se faziam presentes o companheirismo, a humildade, a dedicação e outras tantas qualidades exigidas com rigor pelo mestre Ogawa.
“São lembranças que não esqueço e não quero esquecer, pois hoje, para nós, é diferente, são estranhas as coisas antigas. Foi uma experiência muito válida para quem só podia permanecer lá por dois ou três dias no máximo”, lembrou Hermanny.
Parabenizamos a diretoria da Associação de Judô Veteranos do Estado do Rio de Janeiro que, neste fim de semana, realizará o seminário “Os Pioneiros”, no qual os senseis Georges Mehdi e Rudolf Hermanny serão palestrantes.
Além de unir judocas de várias gerações, esta iniciativa premiará grandes ícones do judô fluminense, resgatando o trabalho e a história protagonizada por alguns dos maiores judocas do Brasil e de todos os tempos.