Guilheiro usa estudos matemáticos de mestrado em ferramenta que auxilia medalhistas olímpicos

De cima para baixo, Guilheiro, Contini, Zóio, Baldijão, Bia, Willian, Altman e Larissa © Arquivo Pessoal

Técnico do Pinheiros – clube em que treinam Bia Souza, Willian Lima e Larissa Pimenta, os três medalhistas individuais dos tatamis em Paris 2024 – desenvolve software para estudar adversários.

Fonte Guilherme Costa e Marcelo Barone / ge
9 de outubro de 2024 / São Paulo, SP

Uma equipe multidisciplinar está por trás da preparação de campeões olímpicos. Fisiologia, nutrição, psicologia, fisioterapia, entre outras áreas, dialogam em prol do atleta, que deposita suas forças na parte técnica e tática da modalidade. No Esporte Clube Pinheiros, no entanto, o treinador principal do judô, Leandro Guilheiro, colocou sua experiência nos tatamis ao lado do seu conhecimento como mestrando em Métodos Matemáticos. A soma destes fatores deu resultado, uma fórmula nada secreta, que uniu a ciência do cálculo à luta.

A combinação entre judô e matemática levou Leandro Guilheiro, bronze em Atenas 2004 e Pequim 2008 – a conceber – ainda que de forma incipiente – um software para auxiliar em suas leituras de luta. Com a ajuda de Lucas Lima, programador e também judoca do Pinheiros, criou a ferramenta que virou sua “arma” para municiar Bia Souza (ouro), Willian Lima (prata) e Larissa Pimenta (bronze) nos Jogos Olímpicos de Paris.

Em entrevista ao programa “Globo Esporte”, Leandro Guilheiro conta que experimentou o software em 2023 e, ainda que fosse algo embrionário, demonstrou utilidade para facilitar seus estudos sobre possíveis adversários de seus pupilos.

“Eu tinha a ideia de envolver e coletar dados, mas o Pinheiros tinha mais urgências. Virei coordenador do alto rendimento, reestruturei muita coisa e, em 2023, com as coisas organizadas, pensei nesse aspecto, nem que fosse um projeto piloto. Para fazer mestrado em Matemática tem que saber programar. Fiz um rascunho de um software e falei com o Lucas, que programa em python. E ele desenvolveu de forma melhor e mais completa. É um software de scout, de coletar informações de uma luta de judô. Isso chega em um arquivo CSV, uma planilha, e dali posso trabalhar os dados da forma que quiser.

“Testamos no Mundial de Doha, em 2023, com o Eric Takabatake, um dos voluntários a fazer esse trabalho. Fomos coletando dados, veio com uma série de erros, de coisas para melhorar, mas mostrou o potencial da coisa. Vimos que poderíamos reunir dados interessantes e extrair informações. Esse primeiro passo foi criar um programa de scout, entrada de golpes, pegada, tempo, dados brutos. Ele armazena na planilha todas as informações, eu pego a planilha e chamo em uma linguagem de programação. Ali eu faço análises brutas do que me interessa. Fui usando métodos estatísticos, coisas que vou observando w fui fazendo contas.”

Sem um setor de scout na equipe multidisciplinar do Pinheiros, Leandro Guilheiro fez o duplo papel de treinador e estatístico. Cuidou da parte técnica, tática e estudou os possíveis adversários de Bia, William e Larissa em Paris. O trio estava entregue aos profissionais do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), mas em contato constante com o mestre.

“Usei métodos estatísticos baseado nas observações, com os dados coletados em Mundiais, ao longo da temporada e fui fazendo contas. Foi embrionário, mas útil nas Olimpíadas, corroborando com as nossas visões. Estava seguro com a informação para passar ao atleta porque, além do olhar, a estatística me disse. O software não é nada bonito, comercial, digamos assim. Na semifinal da Bia contra a Romane Dicko, eu passei muitas horas estudando as lutas da francesa e, visualmente, notei que ela perdia ímpeto ao longo da luta. Quando vi as que ela perdeu, que não foram muitas, percebi que foram combates longos. Reuni os dados da Dicko, rodei um modelo e inferi a probabilidade estimada da vitória da Dicko levando em consideração o tempo”, explicou Guilheiro.

“À medida que o tempo ia passando, ia caindo até chegar em 50%, que é metade para cada lado. A estatística corroborou. Não cheguei com gráficos para a Bia. Eu simplesmente disse: “Bia, você vai prolongar a luta contra a Dicko. Ela cai conforme o tempo passa, você será treinada para todas as situações de pegada e para aguentar o maior tempo possível”. Aumentamos a extensão de treino da Bia para dar tempo suficiente de vencê-la.”

Gráfico mostra o aproveitamento de Dicko no início das lutas © Reprodução

Bia Souza, segundo Guilheiro, também ficou atenta às pegadas de Dicko em seu kimono. Ela costumava arrancar a mão das adversárias no tranco – o que não aconteceu com a brasileira.

“Conversei com a Bia sobre a Dicko. A francesa tentou arrancar a mão da Bia, que estava no kimono ela não conseguiu. A Bia disse que viu no olhar dela o pavor, o susto. Tem o lado mental, ela viu que não era a brasileira que ela estava habituada a lutar. A Bia percebeu isso. O gráfico mostra que quase 86% dos ataques da francesa são pra frente e para a diagonal direita. Ela faz muito o harai-goshi. E 9,5% que é pra direita, porém, para trás. Treinamos situações com a Bia, em que começava dominada e protegia o lado direito todo, que é de onde viriam os ataques.”

Após os resultados em Paris 2024, Leandro Guilheiro espera que o judô do Pinheiros consiga, em um futuro próximo, contratar um profissional dedicado à esta área de scout.

“O próximo passo é aperfeiçoar o programa e fazer uma segunda versão. Estamos nesse processo. Queremos uma equipe fixa de scout, pedimos ao ECP, oficialmente, para termos uma equipe fixa. O vôlei tem o estatístico, a natação tem o biomecânico, então, nada mais merecido do que o judô ter um profissional de acordo com sua particularidade. É prioritário, pessoas destacadas com esse objetivo. O terceiro lado é a pesquisa, entender o que estamos medindo, modelos que vão surtir efeito. Precisamos pegar coisas que mostrem o que é relevante, que descreva com qualidade a luta de judô e extrairmos as informações.”

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