Jigoro Kano e seu desejo de um espírito olímpico mais amplo

Neste texto, Brian Watson mostra o comprometimento do fundador do judô com o movimento olímpico

Dia Mundial do Judô
28 de outubro de 2020
Por BRIAN N. WATSON I Fotos ARQUIVO
Curitiba – PR

O dia 28 de outubro de 2020 marca o 160º aniversário do nascimento do professor Jigoro Kano, nascido em 1860. É o dia de reflexão sobre seus ensinamentos, especialmente seus conselhos sobre a importância da educação no enfrentamento das dificuldades e adversidades da vida.

Cem anos atrás, sensei Kano chefiou a equipe olímpica japonesa que foi a Antuérpia, na Bélgica, para competir na 7ª Olimpíada, de 14 de agosto a 12 de setembro de 1920. Os jogos daquele ano foram disputados em Antuérpia para reverenciar o sofrimento infligido ao povo belga durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Professor Kano com parte da equipe japonesa que disputou os Jogos de Antuérpia (1920)

Houve uma série de importantes inovações nesses Jogos. A bandeira olímpica foi hasteada pela primeira vez. Desenhada em 1913 por Pierre de Coubertin, exibia os cinco anéis que representavam a união dos cinco continentes e, portanto, a universalidade dos Jogos Olímpicos. O juramento olímpico foi feito pela primeira vez por um atleta em nome de todos os competidores, e simbolizando a paz centenas de pombas foram soltas.

Como sensei Kano era o presidente da Associação Atlética Amadora do Japão, ele se envolveu fortemente nos preparativos que levaram à participação do Japão em Antuérpia.

Após uma demonstração desanimadora de sua equipe de dois membros – o velocista Yahiko Mishima (1886-1954) e o corredor de maratona Shizo Kanakuri (1891-1983) – em sua estreia olímpica nos Jogos de 1912 em Estocolmo, o Japão tinha planos de maior envolvimento de seus atletas nas Olimpíadas de 1916, programadas para Berlim, Alemanha. No entanto esses jogos foram cancelados devido à Primeira Guerra Mundial, que começou em 28 de julho de 1914 e terminou em 11 de novembro de 1918, deixando cerca de 40 milhões de vítimas militares e civis, mortos ou feridos, num dos conflitos mais mortais da história humana. Além de tudo, a pandemia de gripe espanhola assolou o mundo de fevereiro de 1918 a abril de 1920, infectando 500 milhões de pessoas, um terço da população global.

Shihan Jigoro Kano com a sua esposa Sumako e filhos. Seu segundo filho, Risei Kano, foi o terceiro presidente do Instituto Kodokan, de 1946 a 1980, e presidente da Federação Internacional de Judô, de 1952 a 1965. Foi substituído pelo britânico Charles Palmer no congresso da FIJ realizado no Campeonato Mundial do Rio de Janeiro.

Apesar dessas tragédias, as maiores calamidades da época, as Olimpíadas de 1920 prosseguiram. Para que seus atletas ganhassem experiência em competições internacionais, o Japão participou dos Jogos do Extremo Oriente em Manila (1913), Xangai (1915), Tóquio (1917) e novamente Manila (1919).

Em agosto de 1920, portanto, o Japão conseguiu formar uma equipe bastante experiente de 15 homens. Mesmo assim, a maioria de seus corredores e nadadores não conseguiu passar das eliminatórias. Mas o Japão se saiu consideravelmente bem no tênis, ao garantir duas medalhas, as primeiras em Olimpíadas. Esse sucesso que marcou a estreia do país nesse esporte deveu-se a Ichiya Kumagae (1890–1968), que conquistou a prata individual masculina, e Seiichiro Kashio (1892–1962) que completou a dupla que levou a segunda prata.

Jigoro Kano com Ichiro Hatta

Jigoro Kano elogiou o movimento olímpico por sua promoção da excelência, seu foco no desenvolvimento físico dos atletas e seu incentivo à cortesia, moralidade e patriotismo ardente. Por outro lado, ele não estava totalmente satisfeito com o espírito das Olimpíadas porque seus conceitos baseavam-se exclusivamente na filosofia europeia. Ele acreditava que isso poderia ser aperfeiçoado se a visão oriental fosse incluída: portanto, desejava incorporar a filosofia oriental, como a que rege o judô, a fim de aperfeiçoar o espírito olímpico.

Naoki Murata (1949-2020), grande autoridade em judô, disse o seguinte de Jigoro Kano: “As políticas educacionais do professor Kano refletiam sua deferência profundamente enraizada por seu país e suas tradições. O judô foi desenvolvido por ele como um veículo para as pessoas consolidarem suas mentes e corpos, tornando-se assim cidadãos robustos, capazes de desempenhar um papel positivo na melhoria da sociedade. Kano foi um educador com visão de futuro do mais alto calibre. O judô é praticado em todo o mundo como um esporte popular, mas os princípios de ensino superior promovidos por Kano não devem ser ignorados na busca de medalhas.”

Jigoro Kano chega ao Havaí em 1932

A julgar pelos comentários de Naoki Murata, precocemente falecido no início deste ano, parece claro que Kano desejava que os judocas se tornassem seres letrados, bem como habilidosos na execução das técnicas de judô e seus fundamentos.

Nossos agradecimentos especiais ao sensei ni-dan Jerry Paulo dos Santos, da Associação Força e Honra de Judô e Jiu-Jitsu, que gentilmente nos enviou este importante registro histórico produzido por Brian N. Watson, publicado no Judo Forward, e ao professor Rafael Borges, que forneceu algumas fotos e dados que enriqueceram este registro.

Kano shihan aos 75 anos, em novembro de 1936, na apresentação pública de sua estátua na Universidade de Educação de Tóquio, atual Universidade Tsukuba