Ju Yoku Go o Seisu

O conceito de eficiência máxima com o mínimo esforço significa que devemos tentar usar nossos recursos físicos e mentais de maneira cada vez mais eficaz © Getty Images

A arte do judô é dominar com virtuosidade os princípios da física, usando racionalidade e recursos técnicos com maestria, sempre em busca do arremesso como se fosse uma obra-prima

Por Professor Mestre Odair Borges
18 de abril de 2022 / Curitiba (PR)

Segundo Naoki Murata*, o significado de Ju Yoku Go o Seisu em tradução livre no inglês é “a suavidade controla a rigidez”. O Ju, traduzido rapidamente por flexibilidade ou suavidade, simboliza uma atitude e a aptidão que o complementa.  É também uma habilidade, um princípio técnico que proporciona eficiência motora comprovado por séculos de reflexão e experiência.

No Oriente, a comparação que explica o princípio, como sabemos, é a do salgueiro e a neve, a árvore que personifica o compromisso perfeito entre rigidez e flexibilidade. No Ocidente, interpretamos como o uso racional da atividade física e mental. Descobrir e aprender o potencial proprioceptivo nos permitirá alcançar o domínio de sequências complexas das técnicas de projeção do judô, realizadas sempre em movimento e primordialmente em oposição.

O conceito de eficiência máxima com o mínimo esforço – sey-ryoku-zen-yo – significa que devemos tentar usar nossos recursos físicos e mentais de maneira cada vez mais eficaz, o que não está fundamentalmente longe do que esclarecem os acadêmicos ocidentais sobre o aprendizado motor no esporte.

É um princípio orientador, um condutor para o trabalho altamente técnico, eficiente e abrangente. Indica em que direção o desenvolvimento e o aperfeiçoamento devem ser feitos. Não basta ser mais forte, mas explorar racionalmente cada vez melhor a importante força específica e funcional.

A competição, a disputa, é um teste essencial, mas não um fim em si. O ser campeão e a medalha são o resultado simbólico, figurativo, representativo da prática, dedicação, treinamento, aperfeiçoamento e sacrifício físico e mental. Evidentemente, não deixam de ter seu mérito.

A arte do judô não é simplesmente a arte de aprender e executar truques, golpes e artimanhas. É a arte de dominar com virtuosidade os princípios da física, usando racionalidade e recursos técnicos com maestria, sempre em busca do arremesso como se fosse uma obra-prima.  O simples do judô.

É por meio dessa busca complexa e exigente do indivíduo e do grupo que a evolução mais rica deverá prosperar. São conquistas de ordem física, mental, moral e até espiritual.

O conceito do sem-no-sen (iniciativa sobre iniciativa) é prever um determinado ataque e antecipar-se no contra-ataque. Para isso é necessária uma grande sensibilidade, um excelente senso do que chamamos de timing.

Yukio Mishima*, famoso escritor japonês e praticante de kendô (7°dan), em seu último livro, Sol e Aço (1970), cita e corrobora o conceito do sem-no-sen.

Como pode um golpe ser bem-sucedido?

O sucesso ocorre quando tanto o tempo quanto a colocação do golpe chegam no momento exato. Mais que isso, acontece quando a escolha de tempo e alvo, em nosso discernimento, consegue surpreender o adversário em situação vulnerável. É quando se tem essa percepção intuitiva do momento, uma fração de segundo antes de ser percebido pelos sentidos. Essa apreensão é uma qualidade que nem nosso Eu pode calcular e que só se adquire por meio de um longo, exaustivo, austero e diligente treinamento.

A experiência comum deixa claro que não há técnica de ação que se torne efetiva até que seja repetida pela prática e incorporada pelas áreas inconscientes da mente.

Nessa qualificação, chegamos ao princípio do judô, colocando em evidência que a diferença de peso entre os adversários não é, ou pode não ser, decisiva.

Assim, o judô pode ser definido como a arte de enfrentar a adversidade com suavidade e leniência, entendendo que são consideráveis as implicações físicas, cognitivas e psicológicas, de um valor inestimável na sua prática.

É evidente, portanto, que atua sobremaneira em vários níveis da coexistência humana.

SOBRE OS AUTORES CITADOS

* Murata, Naoki 8° dan (1949 – 2020) – professor e curador da Biblioteca e Museu do Instituto Kodokan. Formado pela Universidade de Educação de Tóquio, obteve o grau de mestre em Aptidão Física em 1973 e foi diretor da Academia Japonesa de Budô

* Mishima Yukio (1925-1970) (pseudônimo de Kimitake Hiraoka) – escritor japonês, autor de vário romances e peças para teatro. Era 7° dan em kendô e praticava karatê. Cometeu sepuku (harakiri) em 1970. Mishima cometeu o suicídio conforme ritual da classe samurai, abrindo seu ventre. Ele defendia a integridade de uma cultura e denunciava a ocidentalização e a decadência dos códigos de honra tradicionais no Japão.

O professor mestre de judô e jiu-jitsu Odair Antônio Borges é professor kodansha 8° dan pela CBJ e 7°dan no Instituto Kodokan, graduado em educação física, com mestrado em educação física pela USP, é professor universitário USP/PUC Campinas e ex-atleta da seleção brasileira de judô entre 1965 e 1975.

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