15 de novembro de 2024
Judô brasileiro dá adeus a Satoru Ebihara, o grande samurai da Baixada Santista
Professor kodansha shichi-dan (7º dan) nascido no Japão, Satoru edificou sua vida sobre os princípios criados por Jigoro Kano e deixou um legado técnico, moral e ético em vários Estados
Memória
11 de março de 2021
Por PAULO PINTO
Curitiba (PR)
No dia 1º de abril a comunidade da 11ª DRJ Litoral foi impactada pela triste notícia do falecimento de um professor que foi exemplo de perseverança e determinação para os milhares de judocas que o conheceram e acompanharam a forma corajosa e digna como enfrentou as adversidades da vida.
Nascido em 26 de fevereiro de 1951 em Kagoshima, capital da província de mesmo nome, no sul da ilha de Kyushu, uma das mais antigas cidades japonesas, Satoru Ebihara deu os primeiros passos nos tatamis ao lado do pai, Hiro Ebihara, na academia de seu tio, um competente capitão do Exército do Japão.
O dojô só oferecia aulas de judô e karatê a adultos, mas com apenas 3 anos Satoru pediu ao pai para acompanhá-lo. No início, ficou com receio do que viu, mas não desistiu. “Eu era uma criança rodeada por vários judocas adultos. Aquilo me impressionou. Fiquei com um pouco de medo, entretanto, continuei. Esta experiência foi muito valiosa em minha vida”, relembrou o mestre numa de suas entrevistas.
Em 1958, o casal Zenji e Hiro Ebihara decidiram tentar a vida em outro país, e em poucos meses partiu rumo ao desconhecido numa viagem de navio que durou 47 dias. Satoru era uma criança de apenas 7 anos quando os pais vieram para o Brasil e o começo não foi fácil. A única certeza que ele trazia, mesmo sendo ainda muito pequeno, era que iria continuar os treinos de judô.
A família desembarcou na cidade de Santos, no litoral de São Paulo, em 1959, e Hiro Ebihara começou a procurar para seu filho escolas que oferecessem aulas do Caminho Suave. Nesta busca, encontrou a academia Kurachi, fundada pelo bravo e lendário Hikari Kurachi, pioneiro do judô na Baixada Santista que, em 1956, fora campeão pan-americano dos pesos meio-médios em Havana (Cuba), fazendo todas as lutas com os ligamentos do braço esquerdo rompidos.
Sensei Kurachi adorou conhecer aquele menino cheio de sonhos e de amor à modalidade, recém-chegado do Japão. “O sensei gostou muito de ver alguém falando japonês em Santos. Foi uma forma de relembrar sua terra natal”, contava Satoru. Todavia, soube que alguns praticantes estavam indo treinar em São Paulo e quis fazer o mesmo. Numa sexta-feira à noite, sem o pai saber, conseguiu carona para subir a serra e conhecer o local.
Era a Associação de Judô Budokan, no bairro da Liberdade, reduto da maior colônia japonesa do País. Neste espaço, Satoru Ebihara afiou suas técnicas com o sensei Ryuzo Ogawa, pioneiro e fundador da maior escola de judô do Brasil, falecido em 24 de abril de 1975 e até hoje reverenciado pelo seu gigantesco legado.
Em 1968, aos 15 anos, Satoru Ebihara foi convidado pelo diretor de esportes, César Natali, a ministrar aulas. Menor de idade, teve de pedir permissão ao pai, a quem sempre respeitou e reverenciou seguindo os tradicionais padrões de educação do Japão.
Em 1982, seguiu a trabalho para Porto Alegre (RS), representando a Confederação Brasileira de Judô (CBJ), presidida na época por Sérgio Adib Bahi. Sensei Satoru organizou tecnicamente as federações gaúcha , catarinense e paranaense, permanecendo na região por 24 anos.
De volta a Santos, lecionou por lá e em várias cidades de São Paulo. Estima-se que ele tenha transmitido os valores judoístas a mais de 20 mil alunos.
O professor kodansha nipo-brasileiro, entretanto, não enfrentou suas maiores e mais duras lutas dentro dos tatamis, mas nem quatro acidentes vasculares cerebrais e a paralisação do braço direito o impediram de continuar a batalha pela vida e sua saga no judô.
Em 18 de agosto de 2003, aos 54 anos, Satoru sofreu um AVC hemorrágico que acabou evoluindo para hemiplegia direita aguda – paralisia cerebral que atinge um lado completo do corpo, impossibilitando os seus movimentos – e distúrbios de linguagem.
Como um samurai, após o longo período de convalescença e fisioterapia na luta pela sua recuperação, Satoru Ebihara retomou a vida, aprendendo a escrever e a executar todos os afazeres do dia a dia com a mão esquerda, e o fez com maestria.
Posteriormente, o professor Satoru Ebihara voltou a dar aulas no dojô do Estrela de Ouro Futebol Clube, o mais antigo e tradicional clube de judô da Baixada Santista.
Recentemente, em 2017, o professor Ebihara reafirmou suas convicções. “Tudo em nossas vidas é um eterno aprendizado. Aos 66 anos, continuo atuando na academia, oferecendo apoio técnico e psicológico aos praticantes. O judô é o meu combustível. É uma modalidade esportiva que não trabalha somente o físico, mas o intelecto e o comportamento humano. É uma filosofia que me mantém com o mesmo espírito jovial. Cada queda que sofri me fez ver a vida sob um novo ângulo”, disse o professor kodansha shichi-dan.
Dirigentes comentam legado de Ebihara
Alberto Silva Bittencourt, delegado regional da 11ª DRJ Litoral, lamentou o passamento do professor que por mais de meio século transmitiu o judô fundamentado naquilo que apendeu na escola japonesa.
“O falecimento do sensei Satoru Ebihara representa uma grande perda para o judô da Baixada Santista e de todo Estado de São Paulo. Quando o professor João era o delegado no Litoral, trouxe o professor Ebihara para ensinar judô nas escolas da Praia Grande. Era um professor genuinamente japonês que ensinava e praticava o judô e transmitia todo o seu conhecimento mantendo as tradições do Japão. Periodicamente ele fazia palestras para os nossos alunos nas escolas. Foi um professor muito atuante durante quase 60 anos”, disse Bittencourt.
Alessandro Panitz Puglia, presidente da Federação Paulista de Judô, também lamentou o falecimento de um professor com enorme conhecimento técnico e extremamente focado no ensino e na transmissão do judô tradicional
“Acho que conheci o professor Ebihara quando eu tinha 12 anos, em Santos, porque minha família sempre passava as férias no Litoral. Ele era uma pessoa de porte extremamente atlético, forte, e sempre o via correndo na praia. Mas só o conheci de forma mais próxima no Rio Grande do Sul, onde fazia um importante trabalho, e desde então criamos uma grande amizade”, disse o dirigente.
“Nutri sempre respeito e admiração por ele, pelo fato de verdadeiramente ter dedicado toda a sua vida à transmissão dos princípios filosóficos e dos fundamentos técnicos criados pelo professor Jigoro Kano. Foi um grande amante do judô que contribuiu expressivamente para o desenvolvimento do judô em vários Estados e principalmente no litoral de São Paulo. Acredito que ele tenha realizado tudo aquilo que projetou como amante do judô. Sem dúvida alguma, sentiremos grande falta dele e ele estará sempre em nossa lembrança como um dos maiores exemplos de comprometimento, dedicação e perseverança. O professor kodansha shichi-dan Satoru Ebihara foi um judoca na acepção da palavra”, disse Alessandro Puglia.
O professor Satoru Ebihara deixa a esposa Ana Lúcia Favaro, o filho Jonathan Favaro Ebihara e as irmãs Mineko Ebihara, Akiko Ebihara, Yukiko Ebihara e Marina Sati Ebihara, a única que vive no Japão.