11 de novembro de 2024
Judô brasileiro perde seu maior representante
Professor com o maior número de medalhas olímpicas, um dos maiores incentivadores do estudo do kata e o judoca com a maior graduação nas Américas, Massao Shinohara deixa um legado de perseverança, humildade e retidão para o Brasil
Memória
5 de dezembro de 2020
Por PAULO PINTO I Fotos BUDOPRESS
São Paulo – SP
O início do século passado foi marcado pelo enorme volume de japoneses que migraram para o Brasil, e na terceira leva de imigrantes que desembarcaram no porto de Santos estava o casal Naboiti e Matsu Shinohara e a filha Fugie, todos originários da cidade de Yamaguti-ken. No Brasil nasceram mais 11 filhos, dos quais cinco homens se tornaram praticantes do judô: Sakae (primeiro kyo), Massao (ju-dan 10º dan), Ernesto (ni-dan 2º dan), Jorge (sho-dan 1º dan) e Francisco (roku-dan 6º dan).
Após a habitual passagem pelo interior, onde trabalhou em fazendas de café, a família Shinohara retornou ao principal centro do Estado de São Paulo e Massao iniciou o treinamento de judô. Sua forma de lutar chamou a atenção do sensei Ryuzo Ogawa, um dos grandes mestres de judô do Brasil e o maior disseminador da modalidade no País, com quem passou a treinar em São Paulo até se tornar professor.
Na década de 1950 sensei Massao montou seu primeiro dojô, no bairro da Ressaca, no Embu, onde treinavam também seus irmãos Ernesto, Jorge, Francisco e Sakae. Depois se mudou para o Valo Velho, em Itapecerica da Serra, onde continuou com as aulas de judô, mas trabalhando na lavoura. Preparava cerca de 30 alunos e nesse período conseguiu formar cinco faixas-pretas.
Em 1956 mudou-se para a Vila Sônia e, disposto a mudar de vida, largou o judô e a lavoura e foi trabalhar na Cooperativa Agrícola de Cotia, no transporte de cargas, não raro atravessando o dia e a noite sem parar. No fim desse mesmo ano alguns pais descobriram que ele era professor de judô e foram pedir que Shinohara ensinasse os seus filhos. Diante da insistência – e também porque já sentia saudade da arte –, recomeçou com dez alunos numa casa que comprou na Rua João Walter Seng, num dojô que construiu com as próprias mãos.
Aos poucos a escola foi fazendo campeões e a Associação de Judô Vila Sônia tornou-se uma das principais escolas de judô de São Paulo e do Brasil.
Entre os judocas que se destacaram nesses quase 70 anos de história estão Jorge Tatsume, Tetsuo Fugissaka, Issao Assanuma, Luiz Yamati, Luis Onmura, Nélson Moura, Cecília Sato, Rodolfo Yamaiosi e Aurélio Miguel. Em 1986 sensei Massao resolveu construir um novo dojô na Rua Manoel Jacinto, na Vila Sônia.
No novo dojô foi forjada mais uma nova leva de faixas-pretas e campeões que fizeram história, entre os quais destacamos os irmãos Carlos e Flávio Honorato, Cláudio Salem, Milton e Gabriela Miyazaki, Elton Quadros Fiebig, Gerson Okuyama, Daniel Quadros, Daniel Dell’Aquila, Cristhiane Parmegiano, Priscila Mayakawa, Lilian Canassa. Rodrigo Montovani, Thiago Watanabe e Tadaiti Osato, entre outros.
Por questão de merecimento e justiça, é preciso lembrar que em todo este o período, na lavoura ou nos tatamis, sensei Massao contou com o apoio e a ajuda da esposa, Yukiko Shinohara, que o conheceu no bairro de Ressaca, quando tinha 6 anos e ele 13. Casaram-se em 23 de abril de 1949 e tiveram cinco filhos: Terezinha, Marina, Luiz, Francisca e Meiry.
Entre as principais recordações sensei Shinohara destacava sempre a Olimpíada de Los Angeles (1984), quando, sob sua orientação, a seleção brasileira de judô obteve seu resultado mais expressivo até então, conquistando três medalhas: uma de prata (Douglas Vieira) e duas de bronze (Luiz Onmura e Walter Carmona).
Professor com maior número de medalhas olímpicas
Entre seus principais feitos estão os quatro pódios olímpicos conquistados por seus alunos Aurélio Miguel, ouro em Seul (1988) e bronze em Atlanta (1996); Carlos Honorato, prata nos Jogos de Sidney (2000); e Luiz Onmura, bronze em Los Angeles (1984).
Ainda como técnico o professor Massao Shinohara amealhou dezenas de medalhas em campeonatos mundiais e nos jogos pan-americanos, o que faz dele o professor de judô com o maior número de medalhas conquistadas no alto rendimento.
Fazendo história
Após quase 80 anos nos tatamis, o mestre Massao Shinohara entrou para a história do judô pan-americano e mundial como o primeiro professor ocidental a receber do Instituto Kodokan, de Tóquio, o ju-dan (10º dan), a maior graduação do judô.
Em cerimônia que reuniu as maiores autoridades do judô verde e amarelo, o professor Massao Shinohara recebeu a faixa vermelha 10º dan na noite do dia 17 de novembro de 2017, na sua Associação de Judô Vila Sônia, em São Paulo, diante de seus principais alunos, familiares e amigos, mas nada mudou na vida e na rotina de um professor que em 1939 deu os primeiros passos nos tatamis e dedicou toda a vida ao desenvolvimento da arte criada em 1882 pelo shihan Jigoro Kano.
Nascido em 17 de dezembro de 1924 e prestes a comemorar 96 anos, Massao Shinohara ainda acompanhava os treinos dos alunos do dojô, assim como os treinos de kata que tradicionalmente ocorrem toda a sexta-feira e são acompanhados por grandes nomes do judô paulistano.
Legado de honestidade e humildade
Títulos, medalhas e conquistas expressivas jamais tiraram o foco de um homem que dedicou verdadeiramente sua vida ao próximo e à sua família.
Simples, alegre, sincero e objetivo são apenas alguns adjetivos que marcam a trajetória de um brasileiro com alma japonesa, que de forma humilde conquistou os principais títulos do judô mundial, porém jamais perdeu a essência daquilo que o levou a ser um judoca na acepção da palavra.
Massao Shinohara viveu cercado pela família gigantesca que formou dentro e fora dos tatamis e dedicou sua vida ao próximo praticando o jita-kyoei por meio do judô.
Sua morte eterniza o legado de um dos poucos judocas brasileiros que verdadeiramente entenderam o conteúdo filosófico e seguiram os princípios de uma arte criada há dois séculos pelo professor Jigoro Kano.
Dirigentes comentam legado
Alessandro Puglia, vice-presidente da FPJudô, lamentou a perda do grande amigo e um dos maiores senseis do judô brasileiro. “O professor Massao Shinohara edificou uma história importantíssima para o judô do Estado de São Paulo e do Brasil. Como grande mestre, cumpriu todas as fases necessárias para seu desenvolvimento, dando enorme contribuição ao progresso do judô paulista e para a Federação Paulista de Judô propriamente dita. Ocupou cargos estratégicos e formou várias gerações de praticantes, preparou muitos professores e formou grandes campeões.”
Por muitos anos o professor Massao deu aula no Centro de Alto Rendimento (CAT) da federação, às segundas-feiras, exibindo sempre grande didática, carisma e paciência com a garotada. “Certamente fará muita falta, pois era uma das maiores referências para o judô brasileiro”, acrescentou Puglia. “Acho que a melhor forma de homenageá-lo é seguindo seus passos e exemplos de comprometimento e dedicação ao judô e ao próximo.”
Francisco de Carvalho, presidente da FPJudô, destacou a capacidade pedagógica do professor Massao Shinohara. “Muito se fala dos atletas que o sensei Massao formou, mas pouco se fala de uma de suas maiores conquistas no campo didático: seu filho, Jun Shinohara. O Jun foi um dos maiores judocas do Brasil em sua época. Ele bateu em todo mundo e era temido dentro e fora do Brasil. Foi um dos melhores alunos do seu pai”, disse o dirigente.
“O pai do sensei Massao era praticante de sumô e seu mentor no judô, Ryuzo Ogawa, foi o fundador da Associação Brasileira de Judô Budokan, a maior escola de judô do Brasil. O Massao viveu muitos anos na Budokan, ele não saía de lá e absorveu muito conhecimento do professor Ogawa, que veio do Japão com idade bastante avançada e de lá trouxe enorme conhecimento técnico.”
O dirigente paulista lembrou a dedicação do sensei Shinohara. “A vida do professor Massao foi fundamentada na prática e no ensino do judô. Ninguém precisava marcar horário para falar com ele, pois ou ele estava na dojô ensinando seus alunos, ou estava com a família em casa, ao lado do dojô. Ele foi um grande pai, um grande irmão, um excelente professor e árbitro também. Será sempre lembrado com muito carinho. O mesmo amor e carinho que dedicou sempre ao judô e a todos nós”, concluiu Chico do Judô.