20 de fevereiro de 2025
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Em pleno século XXI, o judô de Rondônia vive uma realidade assustadora: indivíduos condenados por estupro de vulnerável, sentenciados a mais de 46 anos de prisão, permanecem nos tatamis atuando como professores e árbitros, ameaçando sonhos e desrespeitando os princípios filosóficos legados por Jigoro Kano.
Com a conivência irresponsável de Antônio Carlos Tenório, presidente da Federação de Judô de Rondônia (FEJUR), e de Seloí Totti, vice-presidente da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), que antecedeu seu então marido na presidência da FEJUR e que, juntos, há mais de três décadas, detêm o controle absoluto da modalidade no estado, crianças inocentes têm sido entregues à tutela de psicopatas. Uma situação que expõe não apenas a omissão dos dirigentes, mas a falência ética de uma gestão que ignora deliberadamente as decisões judiciais e os alertas emitidos por autoridades competentes.
Com uma postura omissa e corporativista, os membros da família Totti estão destruindo os valores pregados pelo judô e implodindo a ética, a filosofia e o respeito que formam os pilares da modalidade. Ao se omitirem diante de crimes tão graves, os dirigentes responsáveis pela modalidade em Rondônia demonstram que seu verdadeiro interesse não é a preservação do judô como um esporte que forma cidadãos, mas a perpetuação de um sistema podre que visa apenas a manter suas cadeiras no poder.
Antônio Carlos Tenório, presidente da Federação de Judô de Rondônia (FEJUR) © Divulgação
O judô, que deveria ser um ambiente de aprendizado e formação para crianças e jovens, tem sido distorcido por aqueles que deveriam zelar por sua integridade. A conivência com criminosos condenados não é um erro administrativo, mas um crime moral e institucional contra a comunidade do judô e contra praticantes e atletas que depositam total confiança nesse esporte.
O episódio mais lamentável e drástico foi protagonizado pelo pseudoprofissional de Educação Física e professor de judô Paulo Guilherme dos Santos Mendes que, quando foi preso, já acumulava vários mandados de prisão devido a crimes cometidos contra seus alunos do dojô.
O criminoso só foi detido graças a denúncia de um garoto de 10 anos. O jovem abusado vinha sofrendo em silêncio. Após perceberem a mudança no comportamento do filho, os pais o pressionaram para saber o que estava realmente acontecendo. Foi quando ele achou por bem revelar que estava sendo estuprado sistematicamente pelo seu professor de judô.
Algemado, Paulo Guilherme dos Santos Mendes é conduzido ao distrito policial por policiais civis de Porto Velho © Divulgação
As autoridades foram informadas e passaram a investigar o maníaco que já tinha dois mandados de prisão. Um policial viu o professor e acionou uma viatura de imediato. O delegado deu voz de prisão e o estuprador foi preso em flagrante na academia em que dava aula. De acordo com a reportagem do Cidade Alerta, sete crianças teriam sido abusadas pelo maníaco.
Ao todo, o pretenso professor de judô sofreu três condenações por abusar sexualmente de crianças e adolescentes. Sendo assim, Paulo Guilherme dos Santos Mendes foi condenado em dois processos por crime de atentado violento ao pudor pelo juiz Álvaro Kalix Ferro, titular da Vara de Delitos de Trânsito e de Crimes contra Crianças e Adolescentes da Comarca de Porto Velho, capital de Rondônia. No primeiro processo ele foi condenado a sete anos de reclusão e no segundo, a pena foi de oito anos e nove meses de reclusão,
No terceiro processo, classificado também como crime hediondo, descrito como estupro de vulnerável, Paulo Guilherme recebeu a condenação de 30 anos, dois meses e 20 dias, totalizando a condenação de detenção em regime fechado de 46 anos, um mês e 20 dias.
No primeiro caso, o faixa preta go-dan (5º dan) teria se aproveitado da inocência de uma criança que trabalhava vendendo picolé, levando-a para um matagal onde praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal, tudo mediante emprego de violência e grave ameaça.
No segundo caso, o dito professor teria cometido crime idêntico, desta vez, entretanto, o fato teria ocorrido na sua academia de artes marciais, tendo como vítima uma criança de apenas 10 anos de idade, que era seu aluno.
Segundo Ministério Público de Rondônia, o terceiro processo abrangeu crimes como atentado violento ao pudor contra vítima menor de 10 anos, estupro presumido, fotografar ou publicar cenas de sexo explícito e pornografia envolvendo crianças ou adolescente; e ainda venda, fornecimento gratuito, aplicação ou entrega à criança ou adolescente de drogas que possam causar dependência física e psíquica, entre outros crimes.
É importante citar que, na época, o criminoso era presidente da Federação de Desporto Escolar de Rondônia que, em 2004, venceu uma licitação para organizar os eventos esportivos da Secretaria Estadual de Educação (Seduc). Lá, entre os projetos que foram tocados pelo professor, estão os JOER, competição que agrega mais de 10 mil estudantes do Estado. O criminoso, proprietário da Academia Esporte.com, localizada no bairro Jardim das Mangueiras, é formado em Educação Física e dava aulas em escolas e colégios tradicionais da capital rondoniense.
O silêncio fortalece os culpados, e permitir que esses dirigentes continuem acobertando a gravidade desses fatos é compactuar com a destruição de tudo o que o judô representa.
Além de estuprador de menores, Paulo Guilherme aparece na ação cível pública movida pelo Ministério Público contra pessoas, empresas e federações acusadas de desviar R$ 2,4 milhões da Seduc. Ele foi denunciado juntamente com o ex-secretário estadual de Educação, César Licório; a ex-coordenadora geral da Seduc, Marli Fernandes de Oliveira Cahulla, esposa do ex-vice-governador de Rondônia, João Cahulla; e Salomão da Silveira e Oscarino Mário da Costa, homens fortes das licitações de toda a administração do ex-governador Ivo Cassol.
Por fim, Paulo Guilherme cumpriu pena no presídio Urso Branco até 23 de junho de 2022, quando passou a cumprir os 23 anos remanescentes da sua pena em regime aberto. Reassumiu o comando de seus negócios, voltou a dar aula de judô para crianças e a Federação de Judô de Rondônia passou a dar a ele o mesmo tratamento oferecido aos demais professores e dirigentes das agremiações filiadas. Para Antônio Carlos Tenório, ele cumpriu sua pena e está apto para reassumir suas funções pedagógicas e ensinar judô para crianças e adolescentes.
Ou seja, para a família que comanda o judô em Rondônia há mais de 30 anos, um maníaco que passou 23 anos enjaulado por abusar e estuprar violentamente sete crianças, seis das quais alunos de judô com idade média de 10 anos, está recuperado e apto a educar e orientar crianças inocentes confiadas a ele por seus pais. Assim como todas que ele estuprou no início do século.
Outro professor de judô condenado pela Justiça é o pseudosensei Antônio Marques Nunes Vieira, condenado pelo Ministério Público de Rondônia a um ano e oito meses de prisão por assediar uma aluna de judô com apenas 10 anos de idade, na escola Agostinho Góes, em Cacoal. Após o acontecimento a vítima perdeu o interesse em praticar outra atividade esportiva e passou a apresentar comportamento retraído e de medo.
A acusação fundamentou-se no artigo 216-A do Código Penal Brasileiro, que trata do crime de assédio sexual. O § 2º desse artigo estabelece que a pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 anos.
Antônio Marques Nunes Vieira, condenado a um ano e oito meses de prisão por assediar uma aluna de judô de apenas 10 anos © Divulgação
Após os desdobramentos jurídicos, em 23 de agosto de 2023, o juiz de direito Ivens dos Reis Fernandes condenou Antônio Marques Nunes Vieira a um ano e quatro meses de prisão em regime aberto. Segundo apuramos, em nenhum momento Antônio Carlos Tenório, presidente da FEJUR, ou sua antecessora e atual vice-presidente da CBJ afastaram o pedófilo de suas funções.
Profissional de Educação Física, Antônio Vieira já atuou como monitor do programa Mais Educação, foi técnico de seleção de judô de Rondônia das classes sub 15 e sub 13. É técnico de iniciação esportiva nas modalidades de judô, futsal, futebol de campo e voleibol e coordenador técnico do Judô Nunes Associação Esportiva de Cacoal, além de árbitro internacional de judô e faixa preta go-dan (5º dan).
Outro caso de pedofilia que foi a julgamento e resultou em condenação aconteceu no município de Ariquemes, envolvendo outro pseudoprofessor de judô: Jeferson Sokolowski Costa, faixa preta san-dan (3º dan), que foi julgado e condenado na 2ª vara criminal do município.
No relatório da situação processual executória, o Ministério Público de Rondônia o denunciou por infringir o Artigo 241 – B do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e mais este caso trágico envolveu uma aluna de 15 anos.
Jeferson Sokolowski Costa, condenado a um ano, oito meses e dez dias de reclusão por infringir o Artigo 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente © Divulgação
Após os desdobramentos jurídicos, em 3 de novembro de 2022 a juíza de direito Michiely Aparecida Cabrera Valezi Benedeti proferiu a sentença condenando Jeferson Costa a um ano, oito meses e dez dias de reclusão. Em consonância com o dispositivo do artigo 33, § 2º do Código Penal, fixou o regime aberto para cumprimento da pena. Os direitos políticos do réu também foram suspensos pelo tempo da condenação.
Diante de cenário tão alarmante, a inação não pode ser uma opção. A responsabilidade de mudar essa realidade não é apenas dos órgãos públicos e da Justiça, mas de toda a comunidade do judô, que deve levantar-se contra a negligência e exigir um ambiente seguro e digno para todos. O silêncio fortalece os culpados, e permitir que esses dirigentes continuem acobertando a gravidade desses fatos é compactuar com a destruição de tudo o que o judô representa.
Não é a primeira vez que casos idênticos acontecem no cenário judoísta e são acobertados por dirigentes que deveriam atuar em defesa daqueles que alicerçam a modalidade, ou seja, praticantes, atletas, familiares, senseis, árbitros e todos aqueles que lutam diuturnamente pelo desenvolvimento estrutural, técnico e profissional da modalidade que mais medalhas olímpicas conquistou para o Brasil.
Comprovando o envolvimento e o comprometimento de Antônio Tenório e Seloí Totti com os professores mencionados, em 2024, o professor Antônio Marques Nunes Vieira foi promovido pela CBJ a yon-dan (4º dan). Também foi solicitada a promoção de Paulo Guilherme dos Santos Mendes a professor kodansha roku-dan (6º dan).
Mesmo após ser condenado a 46 anos de prisão por estuprar seus próprios alunos, a Federação de Judô de Rondônia (FEJUR) solicitou a promoção do referido indivíduo a roku-dan (6º dan). Embora ele não tenha sido inocentado dos crimes cometidos, o regime de sua pena foi alterado; em 4 de julho de 2022, ele passou a cumprir a sentença em regime aberto.
Este é, certamente, um caso inédito e sem precedentes no judô mundial. Desde 1882, ano da fundação do Judô Kodokan, nunca se teve notícia de um professor sendo promovido de graduação enquanto cumpre pena por crimes hediondos contra seus próprios alunos. Este episódio escancara o total desprezo dos dirigentes rondonienses pela ética, pela justiça e pelos princípios fundamentais do judô.
A promoção de indivíduos condenados por crimes graves, especialmente aqueles que envolvem vulneráveis, contraria os princípios éticos e morais que fundamentam as artes marciais. Além disso, iniciativas legislativas, como o Projeto de Lei nº 3.649/2020, buscam regulamentar o exercício da profissão de professor de artes marciais, estabelecendo que condenações por crimes dolosos em sentença definitiva podem resultar na suspensão ou cancelamento da certificação profissional.
Portanto, a ação da FEJUR ao solicitar a promoção de graduação para um indivíduo condenado por tais crimes não apenas desrespeita os valores intrínsecos do judô, mas também ignora diretrizes legais e éticas estabelecidas para a prática e ensino das artes marciais no Brasil.
Qual será a narrativa criada pela dupla de dirigentes rondonienses para justificar a promoção de Antônio Vieira a roku-dan? Que justificativa apresentarão para a tentativa de conceder o título de kodansha a um sujeito condenado a 46 anos de prisão por estuprar seus alunos?
Até onde sabemos, um professor kodansha não é apenas um judoca de alta graduação, mas um mestre que deve personificar princípios éticos fundamentais do judô, como:
Jita-Kyoei – O verdadeiro judoca busca o desenvolvimento próprio e o crescimento dos outros, promovendo um ambiente de aprendizado seguro e respeitoso.
Seiryoku Zenyo – O conhecimento e a técnica devem ser usados de forma inteligente, não apenas para vencer combates, mas para ensinar e inspirar.
Honestidade e Integridade – Um professor kodansha deve ser um exemplo moral, agindo com ética e justiça, protegendo seus alunos e guiando-os pelo caminho correto.
Respeito e Humildade – Deve tratar todos com respeito, independentemente de graduação ou experiência, mantendo sempre a humildade diante do conhecimento e da tradição do judô.
Proteção e Responsabilidade – A segurança e o bem-estar dos alunos devem ser prioridades absolutas. Qualquer desvio desses princípios compromete a essência do judô, tornando o candidato a kodansha absolutamente despreparado e indigno da graduação.
A título de informação, a FEJUR foi fundada em 1996 e, desde então, apenas os dois membros da família Totti estiveram à frente da entidade. Em breve, publicaremos o sistema perverso criado por essa família de gestores para impedir que qualquer outro professor ouse comandar o judô no estado de Rondônia, um verdadeiro feudo da família da vice-presidente da CBJ.
Seloí Totti e Antônio Tenório em assembleia da CBJ, ao lado de Sílvio Acácio Borges, presidente da entidade, Paulo Wanderley Teixeira, ex-presidente do COB, e presidentes de diversas federações estaduais © Instagram
Órgão máximo do judô nacional, a Confederação Brasileira de Judô deveria agir prontamente banindo criminosos e toda sorte de maníacos do quadro de professores formadores, mas tradicionalmente nada faz em prol daqueles que deveria proteger e acolher. Interesses políticos e financeiros fazem com que a CBJ feche os olhos e vire as costas para crianças traumatizadas e marcadas por mentes doentias e dirigentes inaptos a ocupar seus cargos.
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