22 de dezembro de 2024
“Judô importação”: apostas de ouro do Brasil pedem feijão… com sotaque japonês
Filhos de brasileiros, Steffanie Koyama, 21 anos, campeã dos Grand Slams de Baku e Tibilisi, e Eduardo Yudi, 22, ouro no Aberto de Roma, arranham português no sonho verde-amarelo por Tóquio 2020
O bom e velho feijão já se tornou uma paixão e está sempre à mesa com aquele cheirinho arrebatador. O mergulho na praia, seja em Santos, Guarujá ou Ipanema, virou lei. O português ainda sai arranhado no sotaque oriental, mas o ouro é brasileiro. O mesmo judô capaz de produzir fenômenos de sobrenome Silva com o suor e sangue de Rafaela, a campeã olímpica na Rio 2016 saída da favela, também carrega antepassados dos bons e velhos samurais. Ainda que tenha sido por obra do acaso, o “judô importação” aportou por aqui e mostra bons resultados com dois jovens cheios de vontade e talento. Steffanie Arissa Koyama, 21 anos , e Eduardo Yudi Brito Santos, 22, tornaram-se as apostas da vez.
Nascidos no Japão e filhos de imigrantes brasileiros, conquistaram resultados importantes no início da temporada de 2017. Na categoria meio-médio (81kg), Yudi faturou em fevereiro o Aberto Europeu de Roma, na Itália. Em março, foi a vez de Koyama, no peso-ligeiro (48kg), levar o Grand Slam de Baku, no Azerbaijão – este fim de semana a judoca participará do Grand Prix de Tbilisi, na Geórgia. Mesmo sem o português ainda afiado, os dois atletas do Pinheiros, de São Paulo, começam a se ambientar: em comum, o gosto pela comida brasileira e pelo mar. No momento largando o vício pelo guaraná (o refrigerante mesmo), o judoca se liga também na diversidade da música brasileira. Vai do sertanejo universitário ao funk. E já namora há um ano, adivinhem… uma judoca e professora no tatame. A dona do coração é Renata Pati, da Hebraica, categoria meio-leve (52kg).
– Eu evito falar com ela sobre judô. Estamos namorando há um ano. No carnaval fomos à praia, no Guarujá. Pro Rio eu não fui com ela, fui pelo Exército, num programa que ajuda o atleta. Adoro praia. E gosto de música brasileira. Meu gosto vai de Luan Santana a MC Kekel, é um funk mais pesado… – afirmou às risadas Yudi, um corintiano sem muito entusiasmo para assistir aos jogos mas que quase trocou o judô pelo futebol ainda nos tempos de Japão.
– Eu gosto muito do mar! De vez em quando vou nadar em Santos. Adoro feijão e como também coxinha de galinha e bolo de chocolate. E não assisto a futebol, não… Gosto mesmo é de judô!!! – disse Steffanie, por e-mail, do Japão, onde cursa a faculdade de Educação Física até o início do ano que vem, quando arrumará de vez as malas para o Brasil.
Os dois são esperança de bons resultados e renovação rumo aos Jogos de Tóquio. Gestor de Alto Rendimento da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), Ney Wilson mostra otimismo com os dois, mas adota cautela no discurso.
– O Eduardo Yudi Santos e a Steffanie Arissa Koyama estão entre os novos nomes do judô brasileiro em que a CBJ está investindo neste ciclo olímpico. Tivemos 13 calouros passando pela primeira etapa da Seletiva Tóquio 2020, a grande maioria com menos de 23 anos. Os resultados recentes são animadores, mas ainda há muito trabalho pela frente até 2020.
“Sempre adorei arroz com feijão, mas o bife à parmegiana é a melhor coisa que tem. Adoro também o guaraná, o pessoal até fica me zoando. Mas dei uma diminuída.” (Eduardo Yudi)
Yudi: trazer o ouro e os pais
Diferenças à parte, o sonho dos dois é o mesmo: trazer o ouro olímpico em 2020 para o Brasil. E para isso os dois traçaram caminhos diferentes para chegar à seleção brasileira. Nascido em Shimotsuma-shi, cidade situada na província de Ibaraki, em 25 de outubro de 1994, Yudi apaixonou-se cedo pelo judô. Chegou a desistir quando pensava ser atacante de futebol, mas era considerado fominha. Já com o quimono de volta, foi descoberto quando a Associação Marcos Mercadante de Judô, de Araras, disputou uma competição no Japão em 2013. A equipe viu no garoto um talento. Surgiu o convite para vir ao Brasil quando houvesse competição. Amarrado pela lei japonesa que impede atleta de dupla nacionalidade representar o país antes dos 20 anos, o judoca não teve dúvidas pela opção.
Chegou e venceu sem saber sequer qual torneio disputava – as seletivas nacionais de juniores. Ficou em São Paulo bancado pelo pai até no ano seguinte receber convite do Pinheiros, que passou a remunerá-lo, além de oferecer melhor estrutura. Convocado depois de bons resultados em várias competições nacionais, foi bronze nos Abertos de Tallin e de Glasgow em 2016, pós-Olimpíada do Rio. Com a segunda colocação na primeira etapa da Seletiva Tóquio 2020, garantiu vaga na seleção em 2017.
“Fiquei feliz por ter ‘ficado’ campeão. Eu nunca lutei para ficar em segundo.” (Eduardo Yudi)
Agora, começou a colher os frutos com o melhor resultado surgido este ano. Antes de ter sido eliminado no recente Grand Slam de Baku, disputado em março, disputou medalha no Grand Slam de Paris, sem sucesso. Mas a vitória surgiu no Aberto de Roma num duelo pelo ouro com dobradinha brasileira. Explicou, no português ainda arranhado, a sensação da primeira grande conquista. Mas com os pés no chão.
– Fiquei feliz por ter “ficado” campeão. Eu nunca lutei para ficar em segundo. Sempre entro para ser campeão. Quando cheguei à final do Aberto em Roma com outro brasileiro, o Rafael Macedo, meu técnico já havia considerado o resultado bom. Não tive a pressão de ter de ganhar, isso ajudou. Mas então… Sinto que estou evoluindo, só que não posso falar que estou no meu melhor momento. Tem dia que estou bem, tem dia que estou mal, como foi em Baku. Precisa ter paciência – afirmou Yudi, que venceu Rafael Macedo, campeão mundial junior em 2014, por waza-ari depois de ter batido, pela ordem, Rufat Ismayilov (Azerbaijão), Robin Gutsche (Alemanha), Jakub Kubieniec (Polônia) e Etienne Briand (Canadá) até chegar à final.
A vida de Yudi, agora em 32º no ranking da FIJ, começou a ser traçada quando seus pais, Jeremias e Leila, foram para o Japão como dekasseguis (trabalhadores estrangeiros residentes no Japão). A avó materna do garoto, japonesa, já morava lá. O pai arrumou trabalho numa fábrica de papelão, a mãe foi mudando de emprego – hoje, o judoca, que os vê apenas uma vez por ano quando vêm ao Brasil, não sabe nem onde ela trabalha atualmente. Mas o desejo de trazê-los de volta tem data certa para se concretizar.
– Eles se acostumaram com o Japão, a vida aqui estava difícil. Foram lá para procurar algo diferente, o emprego é bom, estável. Engraçado porque eles foram ver minha avó, e minha avó já voltou. Eles pretendem voltar, e tenho um sonho. Eles vão ficar lá até 2020 para me apoiarem nos Jogos do Japão. Dando tudo certo, a gente volta junto. É uma motivação para mim.
O judoca tem duas irmãs morando no Brasil (Gabrielle e Thuanny), uma no Rio, outra em São Paulo. A adaptação ao português agora começou a fluir melhor. Yudi, que divide apartamento com os judocas Phelipe Pelim e Adriano Santos, já começa a se familiarizar com as gírias. A comida brasileira conheceu cedo, lá mesmo em solo oriental.
– Quando eu convivia muito com meus pais eu só falava português. A ligação mais forte era com a comida brasileira. Sempre adorei arroz com feijão, mas o bife à parmegiana é a melhor coisa que tem. Adoro também o guaraná, refrigerante, o pessoal até fica me zoando. Mas agora, como estou mais focado no judô, dei uma diminuída. Quando cheguei aqui não falava quase nada, nem gíria, eu convivia mais com japoneses, porque quando fui para a faculdade parei com o português. Quando voltei a conviver com os brasileiros, voltei a falar mais. De vez em quando eu dou uma enrolada com o “L” e o “R”, mas é quando eu falo mais rápido. O pessoal parou de zoar porque eu não me sinto confortável quando sou zoado.
Steffanie: Dificuldade “graaaande” com português
As dificuldades com o português são mais um traço em comum entre Eduardo Yudi e Steffanie Koyama. Até porque a judoca ainda vive no Japão, em Tóquio, onde cursa o último ano de Educação Física, na Faculdade Teikyo. Aos 21 anos, nascida em 30 de junho de 1995, é fruto também da imigração brasileira para o Japão. Os pais foram lá ganhar a vida na província de Gunma, a 45 minutos da capital japonesa. O pai, Ricardo Takeshi Koyama, paulista da capital, é engenheiro civil e trabalha numa construtora. A mãe, Sanlay Rose Koyama, nascida em Santos, é professora de inglês. Irmã do meio – Thiago é o mais velho, e Isabelle, a mais nova -, viu a paixão pelo judô começar aos 5 anos de idade.
– Fui selecionada para competir pelo Japão no Campeonato do Leste Asiático. Mas sempre estive muito ligada ao Brasil, meus pais são brasileiros. Dificuldade com o português? Graaande… Tem muitas palavras que eu ainda não entendo! – confessou.
“É muito difícil descrever em palavras por que decidi lutar pelo nosso país… Tenho um sentimento dentro de mim, verdadeiro e puro, de querer representar bem o Brasil” (Steffanie Koyama)
A ligação com o judô brasileiro começou no fim de 2015. Durante os treinos para o Grand Slam de Tóquio, Steffanie aproveitou para procurar a comissão técnica da Confederação Brasileira de Judô. Mostrou interesse em defender o Brasil. Soube que precisaria estar filiada a um clube e ter, obviamente, bons resultados. No ano seguinte, as conversas se aprofundaram e ficou acertada sua participação na primeira etapa da Seletiva Tóquio 2020.
O Pinheiros fez um convite, prontamente aceito. Em janeiro deste ano, lutou e venceu a Seletiva na categoria 48kg – a mesma em que Sarah Menezes se sagrou campeã olímpica em 2012. Convocada para o Aberto Europeu de Praga, perdeu logo na primeira luta. Na semana seguinte, o ouro surgiu no Grand Slam de Baku. Bateu, na sequência, Aisha Gurbanli (AZE), Maryna Cherniak (UCR) e Taciana Lima (Guiné Bissau) por ippon. Na decisão, venceu Milica Nicolic (SER) por dois waza-aris. Hoje 18ª colocada na ranking mundial, não considerou a luta final a mais difícil.
– Foi com a segunda adversária (Maryna Cherniak). Era bem alta e ficou dificil manter a postura durante a luta. Estou muito, muito feliz com esse ouro. Mas muito mais que a vitória, tenho a sensação de que lutar cada competição com dedicação e a atenção devida é o mais importante. É muito difícil descrever em palavras por que decidi lutar pelo nosso país… Tenho um sentimento dentro de mim, verdadeiro e puro, de querer representar bem o Brasil.
“Com relação ao assunto de ‘brasileiros importados’… rsrsrssss… Somos brasileiros!!!” (Steffanie Koyama)
Steffanie, que já esteve cinco vezes no Brasil, pretende se mudar para São Paulo assim que se formar, no começo de 2018. Vai se reencontrar com o amigo Eduardo Yudi, que já lhe deu várias dicas e tem aprendido muito no Pinheiros com os ídolos Leandro Guilheiro e Tiago Camilo, ambos na lista de medalhistas olímpicos do Brasil. Os dois veem diferenças entre o judô japonês e o brasileiro. Fã de Matsumoto Kaori (judoca japonesa campeã olímpica e duas vezes campeã mundial da categoria 57kg – a mesma de Rafaela Silva), a judoca acredita que a adaptação ao país será tranquila. E deu de ombros quando o assunto foi o “judô importação”.
– É muito divertido poder se reunir na casa dos amigos para comer churrasco e conversar. É muito fácil se entrosar como os brasileiros porque estão sempre de bem. São muito amáveis e simpáticos. Com relação ao assunto de “brasileiros importados”… rsrsrssss… Somos brasileiros!!!
Steffanie volta a defender o Brasil nesta sexta-feira, no primeiro dia de disputas do Grand Prix de Tbilisi, na Geórgia. O país será representado por 15 atletas, e a competição vai de sexta a domingo. As eliminatórias serão disputadas a partir das 3h (horário de Brasília), e as finais acontecem às 10h.