20 de novembro de 2024
Judô paulista se despede de Takeshi Nitsuma, uma lenda na arbitragem nacional
Formado no dojô da Associação de Judô Vila Sônia, do alto dos seus 85 anos o árbitro FIJ B ainda atuava esbanjando segurança e ensinava estreantes
Por Paulo Pinto / Global Sports
19 de novembro de 2022 / Curitiba (PR)
No último domingo (13) o judô paulista amanheceu triste e de luto pela perda de Takeshi Nitsuma, professor kodansha hachi-dan (8º dan) e árbitro FIJ B, um de seus expoentes, quiçá o último judoca da velha guarda em atividade no Estado. Sua distinção não residia na conquista de medalhas ou na formação de medalhistas olímpicos, mas na humildade e simplicidade típicas dos velhos e verdadeiros professores. Para muitos era mais um sensei austero e reservado, mas invariavelmente acenava e respondia a todos sorrindo indiscriminadamente.
Nascido em 20 de abril de 1937 em Ilha Solteira (SP), ainda jovem Takeshi e seu irmão Tsutomo Nitsuma, professor kodansha kyuu-dan (9º dan), começaram a praticar judô no renomado dojô da Associação de Judô Vila Sônia, e o mentor de ambos foi o extraordinário professor kodansha juu-dan (10º dan) Massao Shinohara que, naquela época, ainda fazia a transmissão do conhecimento de forma tradicional e bastante rígida.
Carismático e solícito, sensei Nitsuma vivia para a arbitragem e mesmo aos 85 anos esbanjava segurança quando atuava. Com paciência e firmeza ainda ensinava os que estavam começando na arbitragem. Regularmente atuava nos certames ao lado de amigos contemporâneos como Antônio Honorato de Jesus e Belmiro Boaventura da Silva, com os quais brincava muito e pegava carona para atuar nas competições em vários pontos do Estado.
Federado na Federação Paulista de Judô (FPJudô) em 9 de abril de 1958, começou na arbitragem em 1969 e atuou até este ano, ou seja, dedicou-se de corpo e alma ao seu trabalho por longos 53 anos. Em 15 de janeiro de 2002 foi agraciado com o hachi-dan (8º dan), graduação que perdurou até sua morte.
Sensei Nitsuma deixa um legado gigantesco para todos os judocas que vestem judogis com base na essência do caminho e do Budô, principalmente em toda a pureza da filosofia criada por Jigoro Kano. Nos últimos anos confessou aos amigos próximos que não saberia o que fazer, caso não pudesse mais atuar nas competições. Último esteio de quem viveu mais de 70 anos dedicados ao judô.
Amigos já sentem saudades
O professor kodansha Takeshi Yokoti, árbitro FIJ A e coordenador estadual de arbitragem, lamentou o passamento de um dos ícones da modalidade no Brasil. “Infelizmente a arbitragem paulista e nacional perdeu um dos seus maiores expoentes. Sensei Takeshi Nitsuma era um dos últimos árbitros remanescentes da velha guarda em atividade no País.”
Yokoti lembrou que Nitsuma pertencia à geração de monstros sagrados da arbitragem brasileira, professores extremamente talentosos como os irmãos Shigueto e Shigueru Yamazaki, os irmãos Carlos e Luiz Catallano e Dante Kanayama, entre tantos outros. “Indubitavelmente, sensei Takeshi e o irmão Tsutomu Nitsuma foram importantes referências na arbitragem e formaram várias gerações de árbitros.”
Como lembrou o professor Yokoti, a maior autoridade da arbitragem no Brasil foi o professor kodansha shichi-dan (7º dan) Carlos Catallano Caleja, que mesmo tendo falecido precocemente aos 52 anos, em 15 de novembro de 1994, chegou a ocupar por vários anos o maior cargo da arbitragem mundial. Extremamente inteligente e falando vários idiomas, tornou-se diretor de arbitragem da Federação Internacional de Judô (FIJ), quando criou várias regras e normas utilizadas até hoje pela entidade mundial.
Outro detalhe lembrado por Yokoti foi que sensei Takeshi Nitsuma era muito, mas muito mesmo, querido pelos companheiros. “Mesmo vindo de uma escola rigorosa, a Budokan, e formado sob todo o rigor da disciplina trazida da cultura japonesa, ele era uma pessoa muito querida e respeitada na arbitragem de São Paulo e do Brasil. Mas o respeito dado a ele não se devia à longevidade, mas ao comprometimento com o judô, dentro e fora do shiai-jô. Era um dos árbitros FIJ B mais antigos do Brasil e poderia ter conquistado a graduação de FIJ A, mas dentro da sua caminhada não apareceu a oportunidade.”
Segundo Takeshi, ele não apenas gostava de arbitrar, ele amava atuar no shiai-jô. “Mesmo debilitado, atuou na Copa São Paulo 2022 e outros eventos menores desta temporada. Há mais de meio século colaborava em todos os setores da Federação Paulista de Judô. Passou pelas áreas técnica e de arbitragem dando a mesma ênfase e importância. Ele e o irmão sempre fizeram parte das comissões estaduais de arbitragem e participavam assiduamente dos exames nacionais e estaduais. Lamentavelmente perdemos uma grande referência e um grande amigo”, finalizou o árbitro FIJ A.
Atuando no comando da arbitragem paulista ao lado de Takeshi Yokoti, a professora kodansha shichi-dan (7º dan) e árbitra FIJ A Marilaine Ferranti Antonialli, bastante triste e emocionada, falou do amigo querido.
“O conhecia há décadas, mas confesso que nos últimos anos nosso relacionamento era mais cristalino e bonito, devido à aproximação e ao carinho que sentia por ele na medida que os anos foram passando. Sensei era uma pessoa muito doce, mais parecia um avô querido que se preocupava com todos.”
“Ele gostava muito de arbitrar e de contar as situações, engraçadas ou não, vividas nos tatamis. Mas sempre que falava de arbitragem, o fazia de uma forma intensa e vibrava muito, seus olhos brilhavam e ele parecia voltar a adolescência.”
Marilaine destacou que mal acabava uma competição e ele já perguntava quando seria o próximo evento. Principalmente, quando se tratava de Jogos Regionais e Abertos. “Ele sempre dizia que não saberia o que fazer da vida caso não pudesse mais arbitrar. Sabia as regras na ponta da língua e sempre foi muito envolvido e participativo. Vai deixar muita saudade porque foi muito querido por mim e sempre será uma lembrança muito carinhosa”, disse Marilaine.
Belmiro Boaventura da Silva professor kodansha hachi-dan (8º dan) e árbitro FIJ C, era um dos principais amigos do professor Takeshi Nitsuma.
“Falar do Nitsuma é muito fácil: ele era um amigo para todas as horas e sempre foi um grande parceiro. Trabalhamos juntos por quase 50 anos e sempre nos demos muito bem, apesar de que, no início, fosse meio marrudo, mas no fim se tornou um amigão para tudo e para todos. Vai deixar grande lacuna na arbitragem, pois, além de excelente professor, se empenhava muito em ajudar todos à sua volta. Mesmo quase completando 86 anos ele queria porque queria trabalhar. Vivia resmungando quando não o convocavam. Ele foi um grade amigo e fará muita falta”, disse Belmiro emocionado.
Outro professor kodansha e árbitro FIJ B muito amigo de Nitsuma é o sensei Antônio Honorato de Jesus, pai de Carlos Eduardo Honorato, o então peso médio vice-campeão olímpico em Sidney 2000. Junto com Belmiro, Nitsuma e outros, cerrou fileiras por décadas na arbitragem paulista.
“Conheci o Nitsuma há mais de 30 anos. Tínhamos grande amizade e viajávamos muito por todo o Estado atendendo as demandas da arbitragem. Formávamos uma turminha que por décadas trabalhou pelo Estado. No início ele era muito exigente e nervoso, mas, depois que formamos uma equipe, fizemos com que ele mudasse e se tornasse a pessoa querida que todos conheciam. A fórmula para esta mudança foi o sensei Belmiro, uma pessoa que faz com que todos fiquem alegres e ele perturbava tanto o Takeshi que ele acabou se transformando e nunca mais ficou nervoso com a turma.”
“O conheci nos campeonatos da Budokan e ele sempre foi uma pessoa extremamente exigente, mas sempre teve um coração enorme. Era uma pessoa muito boa que sempre ajudava os colegas. Perdemos um grande amigo e um grande colega da arbitragem.”