Judô: uma força de resistência contra a violação dos princípios éticos, morais e espirituais

Precisamos tornarmo-nos exemplos vivos dos princípios que regem essa nobre arte que chamamos de judô © Pinterest

O código moral do judô – apontando cortesia, coragem, honestidade, honra, modéstia, respeito e autocontrole – deve tornar-se referência para a conduta de todos os praticantes em sua vida diária dentro e fora dos tatamis.

Por Pascoal Ângelo Pegoraro
5 de janeiro de 2024 / Campinas (SP)

Nesta época de muita turbulência e de desequilíbrios da reta razão, em que os valores e princípios éticos, morais e espirituais estão sendo, de forma bastante ostensiva, violados, adulterados, vilipendiados em nosso País e nos quatro cantos deste maravilhoso planeta, é de extrema importância que nós, professores e praticantes de judô, e todos os demais integrantes das diversas entidades que o representam em nosso País e no mundo, formemos com o nosso próprio exemplo uma grande onda de força, de energia positiva e construtiva, de resistência contra tal violação.

Se realmente quisermos contribuir com a formação de uma sociedade melhor, aproveitando a prática do judô como um caminho para isto, deveremos todos, sempre que pudermos e que a oportunidade surgir, manifestarmo-nos dentro e fora dos tatamis como exemplo dos elevados princípios apontados pelo próprio Código Moral do Judô, estabelecido como um dever a ser cumprido por todos os seus professores e praticantes.

Este código moral nos revela o reto caminho que todos devemos seguir. São regras básicas de conduta a serem respeitadas e praticadas por todos, independentemente do nível em que cada um se encontra na sua trajetória de desenvolvimento e de aprimoramento. Estas regras conduzem o praticante ao exercício do judô de nível superior, todas elas sabiamente sintetizadas pelo uso eficaz da energia que cada um tem à sua disposição (seiryoku-zenyo) sempre de forma positiva, para a construção e expansão do bem, da verdade, da justiça, da harmonia, do equilíbrio, do amor e em prol do auxílio e da prosperidade de todos (jita-kyoei).

E dentro do contexto atual da lamentável ameaça de destruição de valores éticos, morais e espirituais que estamos vivenciando neste nosso maravilhoso País e no mundo, apenas falar sobre estes princípios não basta. Também não basta, ficarmos inativos sob a proteção de uma forte redoma, olhando egoisticamente apenas para o nosso próprio umbigo, enquanto outros sofrem os efeitos da corrosiva violação de tais valores. Sob tais circunstâncias, é imperioso que tenhamos serenidade e lucidez para exercitarmos o altruísmo, a compaixão, a indulgência, em vez de egoísmo, de indiferença, de intolerância àquele que necessita e ou clama pelo nosso auxílio.

Se realmente quisermos colaborar com o florescimento de uma sociedade e de um mundo melhor, é nosso dever praticarmos o bem, a verdade, a justiça, o respeito mútuo, a colaboração mútua, a ajuda ao próximo – qualidades que são as reais virtudes que devem ser cada vez mais manifestadas em nossa jornada de vida.

O código moral do judô – apontando cortesia, coragem, honestidade, honra, modéstia, respeito, autocontrole  e espírito de amizade – deve tornar-se uma referência para a conduta de todos os seus praticantes em sua vida diária dentro e fora dos tatamis, pois expressam oito valores básicos importantíssimos para o exercício do bem e para uma convivência social pacífica, positiva e construtiva e  poderão, sem dúvidas, nos auxiliar na superação das circunstâncias negativas e destrutivas que estamos vivenciando e outras que poderão surgir em nosso caminhar.

A prática do judô torna-se um caminho para realizar estas coisas, quando bem dirigida e orientada por professores que já conseguiram compreender a importância do judô para o desenvolvimento das potencialidades positivas e construtivas de todos os praticantes que estão sob a sua orientação. Ela torna-se um caminho quando dirigida e orientada por professores que já compreenderam o judô como um valioso instrumento que vai muito além do desenvolvimento físico e das técnicas de defesa e contra-ataques. Quando o judô é bem conduzido, ele vai além, ele auxilia o praticante em seu desenvolvimento mental, ético, moral e espiritual, necessário para a prática do judô de nível superior – que é a verdadeira meta preceituada pelo seu fundador Jigoro Kano. Então, aquela eficácia no uso da energia que cada um tem à sua disposição (seiryoku-zenyo) e que evoca a prática da virtude que é o bem, e aquela prosperidade e auxílio mútuos (jita-kyoei) poderão florescer naturalmente, tornando o praticante de judô um ser humano melhor, moral, ético e espiritualmente mais elevado e útil à sociedade da qual ele faz ou venha a fazer parte.

Precisamos tornarmo-nos exemplos vivos dos princípios que regem essa nobre arte que chamamos de judô. É nosso dever darmos o exemplo e praticarmos esta colaboração à sociedade. Quer como professores, quer como os demais praticantes de judô em todos os seus níveis, temos, então, um grande desafio que é despertar as nossas qualidades positivas, construtivas e elevadas. Temos de agir retirando nossas qualidades virtuosas do seu estado adormecido, em potencial, em que se encontram e manifestá-las, trazê-las para o estado real, no campo onde realizamos as nossas experiências vivenciais.

A missão é árdua e nunca foi fácil realizá-la, considerando o elevado grau de contaminação dos indivíduos pelos condicionamentos negativos e destrutivos que diariamente os bombardeiam através dos veículos de comunicação de massa, TV, rádio, jornais, revistas e celulares, estimulando-os a pensar, a sentir, a falar e a agir contrariamente ao que é virtuoso. A pressão exercida pelos veículos midiáticos e pelo ambiente de vida profissional e social tem empurrado o ser humano para elevados graus de desejos e de ansiedade mórbidos e também de depressão, colocando-o diante dos riscos de desgastes e sofrimentos até a sua exaustão.

Devemos levar a prática do soji-no-jikan para além dos tatamis, para outro nível, realizando esta limpeza por meio da erradicação de todas as contaminações negativas e destrutivas. E nesta ação demonstremos o dekirudake, fazendo tudo o que nos for possível e da melhor maneira que pudermos. Se o desestímulo e a queda nesta nobre ação se manifestarem, lembremo-nos da instrução nanakorobi-yaoki: se cairmos sete vezes, levantemo-nos oito vezes com mais garra e mais determinação. Tornemos verdadeira a expressão gambate kudasai, fazendo o melhor naquilo que somos capazes e, com aguçada vigilância, jamais nos desviemos do caminho correto jundo-seisho – vencer, sim, mas seguindo sempre o caminho do bem, com ações e comportamentos virtuosos. Neste grande desafio jaz o mérito de todo aquele que acorda e se predispõe a seguir as instruções que o auxiliam a libertar-se dessa indesejável ameaça de violação dos princípios éticos, morais e espirituais.

E o judô, sabiamente orientado e dirigido, poderá auxiliar o praticante neste empreendimento. Poderá ajudá-lo a libertar-se de seu estado de contaminação negativa e destrutiva, quando ele realmente compreende e passa a manifestar, a  praticar, os princípios que o judô evoca e ensina, transcendendo assim os simples discursos e a teoria.

Não me canso de repetir que o verdadeiro judô deve ir além daquelas práticas de defesa e contra-ataques. Ele também deve ser um caminho para a formação de um ser humano melhor, que possa ser útil e possa contribuir de forma positiva e construtivamente no desenvolvimento de uma sociedade na qual a verdade, a justiça, o bem, a harmonia, o equilíbrio, a colaboração e o auxílio mútuos – e o amor – possam manifestar-se como sementes regeneradoras para o florescimento de um mundo melhor.

Faço um convite a todos

Como uma grande força unida, dentro de nossas capacidades individuais, com os recursos e influências dos quais dispomos, e com os princípios que a prática do judô nos ensinou, lutemos com ânimo, coragem, firmeza e determinação para impedirmos e coibirmos o avanço das forças negativas e destrutivas do bem, que tentam destruir os valores éticos, morais e espirituais tão necessários para o florescimento de uma sociedade melhor.

Erradiquemos o mal onde quer que ele se manifeste, restituindo a este nosso mundo, e através de cada um de nós, as maravilhosas e poderosas forças do bem. Que assim seja!

Com 49 anos de prática ininterrupta no judô, o sensei Pascoal Ângelo Pegoraro,
faixa preta go-dan (5º dan), formou-se nos tatamis da renomada Associação de Judô
Germano de Campinas (SP) e atualmente é filiado na Federação Paulista
de Judô por meio do Clube Semanal de Cultura Artística.

http://www.shihan.com.br