Judocas da Corpore Sano vivem imersão técnica e cultural no Japão, berço do judô

Vista deslumbrante do Monte Fuji, símbolo do Japão — cenário que marcou a imersão cultural dos judocas da Corpore Sano © ACSJ

Terceira etapa do projeto Rumo ao Pódio Internacional levou equipe de Ribeirão Preto a centros históricos e universidades, fortalecendo a formação técnica, cultural e humana dos atletas.

Por Paulo Pinto / Global Sports
Curitiba, 19 de abril de 2025

Entre os dias 24 de janeiro e 10 de fevereiro, 13 judocas da Associação Corpore Sano de Judô participaram de um estágio internacional no Japão. Esta foi a terceira viagem realizada por meio do projeto Rumo ao Pódio Internacional, que já havia promovido intercâmbios técnicos na França e na Alemanha.

Judocas da Corpore Sano chegam ao Japão para vivenciar o judô em sua essência e aprofundar o intercâmbio com a cultura japonesa © ACSJ

Com o apoio da Lei de Incentivo ao Esporte e patrocínio da iniciativa privada, a delegação vivenciou uma intensa programação de treinamentos, visitas a centros históricos e atividades culturais no berço do judô. A agenda incluiu passagens por Tóquio, Osaka, Kyoto, Nara, Chiba e Hyogo, onde os judocas treinaram em dojôs e instituições como as sedes do Instituto Kodokan em Tóquio e Osaka, a Universidade de Tenri, a Enshin Dojo, a Keiji Judô Academy, o Kyoto City Budo Center (Butokukai) e o Budokan.

Judocas realizam o za-rei no início do treinamento no dojô do Instituto Kodokan de Osaka, em reverência à tradição e aos princípios do judô e do Japão © ACSJ

A comitiva de judocas paulistas esteve com personalidades do judô japonês em treinamentos ou aprendizados específicos, incluindo nomes como Keiji Suzuki, Ritsumi Yamazaki, Michio Fukushima, Kazuki Aoi, Toshiaki Senba, Yoshiro Tanaka, Akina Isokawa, Asano Muneki e Toshihiro Utsugi.

Equipe da Corpore Sano perfilada no dojô do Instituto Kodokan de Osaka durante o intercâmbio técnico com professores e judocas japoneses © ACSJ

O grupo foi composto por 13 judocas — oito da ACSJ, com vagas garantidas pelo projeto, e cinco participantes por adesão direta. A diversidade técnica e o engajamento dos integrantes contribuíram para a riqueza da experiência.

Leonardo do Carmo realiza randori com judoca japonês no dojô do Instituto Kodokan de Osaka © ACSJ

Projeto internacional e formação continuada

O professor kodansha e chefe da delegação, Cléber do Carmo, detalhou os motivos que levaram a equipe de Ribeirão Preto a várias cidades do berço do judô.

Membros da equipe paulista no dojô do Instituto Kodokan de Osaka © ACSJ

“A necessidade de crescimento da equipe da Corpore Sano foi o que motivou essa nova etapa do projeto. Alguns atletas nunca haviam feito um intercâmbio internacional e, após estas iniciativas, os resultados têm sido expressivos, tanto no aspecto técnico quanto na formação humana”, explicou o sensei Cléber, idealizador do projeto.

Luiz Antônio Júnior em randori com judoca japonês no dojô do Instituto Kodokan de Osaka © ACSJ

Inicialmente, o Rumo ao Pódio Internacional havia sido estruturado para contemplar estágios em seis países, mas, em função da obtenção de apenas 50% da verba prevista por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, o cronograma foi adaptado para três etapas, com missões realizadas na França (junho), Alemanha (novembro) e Japão (janeiro).

Lucas do Carmo realiza randori com judoca japonês no dojô do Instituto Kodokan de Osaka © ACSJ

O espírito do Kodokan

Em Tóquio, os treinos no Instituto Kodokan marcaram a experiência da delegação. “Treinar no Kodokan é algo mágico para qualquer judoca. Estar onde Jigoro Kano fundou o judô e ergueu os pilares da maior entidade socioeducativa do planeta é verdadeiramente uma experiência transformadora. E ali não estivemos sozinhos: a cada dia, atletas de ao menos dez países diferentes dividiam os tatamis conosco”, contou Cléber.

Despedida dos judocas do Instituto Kodokan de Osaka © ACSJ

A equipe também teve contato direto com grandes nomes do judô japonês, como Keiji Suzuki, multicampeão e atual técnico da seleção japonesa, que conduziu um treinamento exclusivo para os brasileiros, e com a professora Ritsumi Yamazaki shichi-dan (7º dan), em seu dojô em Kyoto.

Grupo na entrada do Dai Nippon Butokukai, entidade criada no século XVIII, cujo principal objetivo era preservar, promover e padronizar as artes marciais tradicionais japonesas, como o kenjutsu, o jūjutsu (predecessor do judô), o kyūdō (arco e flecha), o iaijutsu, entre outras © ACSJ

A pedagogia do silêncio

Os relatos dos brasileiros destacam o alto nível de comprometimento, disciplina e concentração dos japoneses. “Lá, o treinamento é silencioso. O sensei fala baixo e mais de duzentos atletas o escutam com respeito absoluto. A disciplina é algo que precisamos cultivar mais por aqui”, observou Cléber.

Uma das entradas do Dai Nippon Butoku Kai © ACSJ

Carlos Evangelista, o Dudu, complementa: “Até mesmo as crianças entram no dojô com foco, seguem as instruções e treinam com um entusiasmo e uma concentração que impressionam.”

Butokukai (Grande Casa das Excelências Marciais do Japão) foi fundada em 1895, em Kioto, sob autoridade do Ministério da Educação Nipônico e auspícios do Imperador Meiji, para ser a autoridade máxima no país sobre as artes marciais japonesas © ACSJ

O professor Tadeu Santa Vicca destacou o acolhimento e a abordagem progressiva no ensino infantil japonês, em especial do ukemi. “Eles utilizam muito a luta ajoelhada com os mais novos, acostumando as crianças a caírem primeiro, para depois passarem naturalmente à luta em pé. É um método que faz muito sentido e pode ser incorporado aqui”.

Monumento no interior do Butokukai © ACSJ

Cultura e tradição japonesa

Além dos treinos, a programação incluiu visitas ao túmulo de Jigoro Kano, à destilaria Kiku Masamune (que pertenceu à família do professor Kano), ao templo Eisho-ji e ao Monte Fuji. Os participantes também conheceram lojas de judogi, templos budistas, centros de tecnologia, ruas comerciais e pontos turísticos que ajudaram a conectar passado e futuro.

Outra edificação do Butokukai © ACSJ

“Foi uma viagem completa. Conhecemos locais sagrados para o judô, como o Museu da Kodokan, e pontos turísticos icônicos como Nara e o Monte Fuji. Uma vivência para toda a vida”, relatou o atleta Glauco Louzada.

Brasileiros no Templo Eisho-ji, onde Jigoro Kano fundou o primeiro dojô de judô em 1882 — foi aqui que a história da arte criada por ele teve início © ACSJ

“Estar no Japão é entender o judô em sua essência. A educação, o comportamento, o silêncio e até mesmo a forma como se entra e sai do dojô — tudo é aprendizado. Nossos atletas voltaram diferentes, mais maduros, mais conscientes do que representa ser um faixa-preta”, destacou Tadeu Santa Vicca.

Quadro no Museu Kodokan com todos os países que têm praticantes de judô © ACSJ

Além dos aspectos técnicos e da vivência internacional nos tatamis, o projeto também buscou oferecer uma formação mais ampla e integrada aos jovens atletas, promovendo o contato com outras culturas e incentivando valores como disciplina, respeito e superação. “A convivência com atletas de outros países e a experiência de treinar em locais emblemáticos do judô mundial transformaram o olhar desses jovens sobre a modalidade. O impacto é muito maior do que apenas o resultado esportivo”, reforçou Cléber que também falou sobre integração.

Leonardo do Carmo no Museu do Instituto Kodokan © ACSJ

“O judô é um esporte diferente. Essa integração com os japoneses e com atletas de outros países foi muito importante. Fomos muito bem recebidos, com carinho e atenção. Eles se preocuparam com cada detalhe — excelentes anfitriões.”

Réplica com as dimensões exatas do judogi de Jigoro Kano, no museu Kodokan © ACSJ

Aprendizados que ficam

“Essa viagem não mudou apenas nossa técnica. Mudou nossa forma de ver o judô e de entender o papel transformador da cultura e da disciplina. Foi uma experiência profunda, inesquecível e que com certeza vamos multiplicar aqui no Brasil”, disse Cléber do Carmo.

Dudu no Museu do Instituto Kodokan © ACSJ

Agora o grupo está compartilhando o conhecimento adquirido com colegas da 12ª Delegacia Regional Mogiana, professores e alunos. “Tivemos a oportunidade que muitos sonham em ter. Conhecimento que não é compartilhado é conhecimento morto”, resumiu Lucas do Carmo.

Sensei Cléber, no Museu do Instituto Kodokan © ACSJ

Agradecimentos e reconhecimento

A ACSJ trabalha com leis de incentivo há muitos anos, reunindo a expertise de mais de uma década de atuação em projetos esportivos para estruturar sua primeira iniciativa internacional. O sucesso da empreitada é creditado à união de esforços entre professores, familiares e apoiadores do projeto, além da dedicação dos atletas que enfrentaram longas jornadas de treinamento e adaptação em ambientes desafiadores.

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A expectativa da ACSJ é que os resultados desse projeto reverberem não apenas no desempenho competitivo, mas também na formação humana dos atletas, criando um legado duradouro. Novas ações internacionais já estão sendo estudadas, com o objetivo de ampliar ainda mais os horizontes técnicos, culturais e filosóficos do grupo.

Junto ao Enshin Dojo Kyoto a casa da sensei Ritsumi Yamazaki shichi-dan (7º dan) © ACSJ

Ao final da viagem, o professor Cléber do Carmo agradeceu aos atletas que integraram a missão, aos patrocinadores e à Federação Paulista de Judô pelo apoio institucional. “Tivemos apoio essencial da Lei de Incentivo ao Esporte e do Governo Federal, que têm feito diferença real no fortalecimento do judô brasileiro e das demais modalidades olímpicas.”

Detalhe na residência da ex-árbitra FIJ A, Ritsumi Yamazaki © ACSJ

Tadeu Pardim destaca a essência do judô japonês

Judoca experiente e atual presidente da Associação Corpore Sano, Tadeu Pardim Santa Vica destacou que a viagem ao Japão foi organizada dentro do escopo do Projeto Rumo ao Pódio Internacional, com o propósito de proporcionar aos integrantes da equipe uma vivência direta com a essência do judô. “A ideia era vivenciar o judô em seu país de origem, aprender com os melhores e trazer esse conhecimento para enriquecer a prática aqui no Brasil”, explicou.

Complexo esportivo em Nara, em frente ao setor de artes marciais © ACSJ

Segundo Tadeu, os principais objetivos eram praticar o judô de forma imersiva e compreender a fundo a filosofia e o método de ensino, observando como a modalidade é vivida tanto no alto rendimento quanto na formação e na base. O planejamento da viagem foi uma experiência intensa, especialmente por se tratar de um país onde o judô tem grande importância e está presente em escolas, clubes e centros de excelência, o que elevou a expectativa a cada local visitado.

Leonardo do Carmo diante do dojô KJA – Keiji Judô Academy © ACSJ

Entre os momentos mais marcantes, Tadeu citou os treinos no Instituto Kodokan, que comparou a um templo sagrado para qualquer judoca. “É como um fã de futebol jogar no Maracanã ou um tenista disputar uma partida em Roland Garros. A história, a atmosfera e a qualidade dos treinos tornam tudo indescritível.” Ele também relatou o impacto de participar de um treino de kata conduzido por professores altamente graduados, o que, segundo ele, demonstrou a seriedade e o respeito que permeiam a prática do judô no Japão.

Keiji Suzuki, técnico da seleção sênior japonesa, ensinando seu o-soto-gari © ACSJ

Sobre as diferenças entre os métodos de ensino, Tadeu pontuou que, enquanto no Brasil o judô é muitas vezes uma ferramenta de educação e inclusão social, no Japão ele é mais assimilado como um esporte em si, já que valores como disciplina e respeito estão profundamente enraizados na cultura local. Um dos pontos que mais chamou sua atenção foi o método de ensino para crianças, que prioriza a luta ajoelhada como introdução ao ukemi e ao desenvolvimento gradual da luta em pé — uma prática que ele acredita poder ser aplicada com ótimos resultados no Brasil.

Shunsuke Takei, Keiji Suzuki, Cléber do Carmo e faixa-preta da Keiji Judô Academy © ACSJ

A viagem também proporcionou uma rica imersão cultural, com destaque para a gastronomia e visitas a locais históricos como o Museu da Kodokan e o templo onde a escola teve início. Tadeu relatou ainda a hospitalidade dos japoneses e o espírito de camaradagem entre judocas de diferentes países: “Foram trocas riquíssimas, com técnicas compartilhadas e novas amizades criadas nos tatamis que certamente se perpetuarão em torno dos tatamis.”

Danilo Pietrucci em randori com judoca da Keiji Judô Academy © ACSJ

Com a certeza de que o conhecimento deve ser partilhado, ele pretende multiplicar tudo o que aprendeu junto aos alunos, colegas e projetos da região. “Essa experiência mudou minha visão sobre o judô e ampliou minha compreensão sobre seu valor filosófico e pedagógico. Se eu tivesse que resumir tudo em uma palavra, seria: incrível.”

Sensei Cléber exibe o autógrafo recebido de Keiji Suzuki © ACSJ

Carlos Gomes destaca o legado técnico e espiritual do Kodokan

Para o judoca Carlos Eduardo Evangelista Gomes, o Japão é o verdadeiro celeiro de multicampeões olímpicos e mundiais, e visitar o berço do judô foi parte essencial do projeto Rumo ao Pódio Internacional. “Além do aprimoramento técnico, a viagem proporcionou contato com o contexto histórico e cultural do judô em sua origem”, afirmou.

Luciano Antônio com faixas-pretas da KJA © ACSJ

Desde o anúncio do intercâmbio, Carlos relata que a equipe iniciou uma preparação intensa, tanto técnica quanto física, além de buscar acomodações que garantissem conforto e acesso prático aos locais de treino. O objetivo era claro: absorver conhecimento e refinar aspectos técnico-táticos para aplicar nos treinos no Brasil, almejando metas ainda mais ousadas no cenário competitivo.

Professores e judocas do Brasil e da KJA © ACSJ

Entre as vivências marcantes, destaca-se o treinamento no Instituto Kodokan. “Estar onde Jigoro Kano treinou e ensinou é pisar em solo sagrado. Tivemos o privilégio de ter uma aula particular com Keiji Suzuki, que nos mostrou seus tokui-waza com generosidade e atenção. Foi uma experiência ímpar”, destacou.

Keiji Suzuki, atuando na seleção sênior do Japão © ACSJ

Carlos ressaltou que a prática brasileira tem similaridades com a japonesa, mas a grande diferença está na postura dos praticantes. “No Japão, mesmo crianças demonstram uma concentração impressionante. Executam comandos com disciplina e entusiasmo, algo que nos inspira a reforçar esses valores em nosso cotidiano”, comentou.

Judocas paulistas diante do Rhoto Field Nara, o maior complexo esportivo da cidade de Nara © ACSJ

Outro aspecto curioso observado por ele foi a autonomia dada aos senpais durante os treinos, inclusive entre as crianças, que lideravam o aquecimento, os ukemis e até trechos técnicos, sempre sob supervisão. “É algo que já fazemos no Brasil, mas com menor frequência. Essa prática fortalece a responsabilidade coletiva no dojô.”

Grupo ribeirão-pretano aperfeiçoa o kata sob a supervisão de Toshihiro Utsugi, professor kodansha hachi-dan (8º dan), responsável pelas aulas regulares no dojô internacional localizado no 6º andar do Kodokan International Judo Center, em Tóquio © ACSJ

Na parte cultural, Carlos enfatizou a visita ao templo Eisho e ao túmulo de Jigoro Kano como momentos de profunda reflexão e respeito. “Ali tudo ganha sentido. Estar ao lado da história viva do judô foi transformador.” Já no Kodokan, o contato com judocas de países como Coreia do Sul, França e Inglaterra enriqueceu ainda mais a troca de experiências.

Sensei Toshihiro Utsugi hachi-dan (8º dan), orientando Thiago Santa Vica na execução do ju-no-kata © ACSJ

Ao retornar, a missão é compartilhar tudo que viveu com colegas, alunos e projetos sociais: “Conhecimento só tem valor quando é compartilhado. Tivemos uma chance que muitos sonham e faremos de tudo para multiplicar o aprendizado.”

Tadeu e Thiago Santa Vica executando o ju-no-kata © ACSJ

A viagem reafirmou que a escola da qual faz parte está no caminho certo, com condutas que valorizam alinhamento técnico, ética, higiene e respeito. O momento mais marcante? “Ficar diante da estátua de Jigoro Kano no Kodokan, ao lado do meu sensei. Ali tudo o que estudamos virou realidade.” Para ele, a experiência foi resultado de muito esforço.

Carlos Eduardo treinando kata no Kodokan © ACSJ

Lucas do Carmo destaca a transformação técnica e pessoal

Para Lucas do Carmo, a viagem realizada por meio do Projeto Rumo ao Pódio, representou um divisor de águas na trajetória esportiva e pessoal. “A ideia era conhecer o berço do judô, treinar onde grandes nomes foram formados e trazer essa bagagem para o Brasil, com o objetivo de melhorar nossos resultados em campeonatos”, explicou.

Delegação paulista diante da Universidade de Tenri, referência mundial no ensino e na prática do judô, onde participou de treinos intensivos com atletas locais © ACSJ

Antes mesmo do embarque, o grupo traçou como meta visitar o maior número possível de locais históricos e dojôs, interagir com judocas de diferentes origens e absorver o máximo de conteúdo técnico e cultural. O planejamento, segundo Lucas, foi desafiador. “Nos preocupamos em organizar cada passo: onde treinar, como nos deslocar, quais centros visitar e como nos adaptar à cultura local. Tudo isso foi pensado para aproveitarmos cada segundo no Japão.”

O monumental Tōdai-ji Daibutsuden, em Nara, impressiona visitantes do mundo todo com sua arquitetura milenar e abriga o Grande Buda de bronze, símbolo da espiritualidade japonesa © ACSJ

Entre os momentos mais simbólicos, ele destaca o Kodokan. “Estar no local onde o judô foi criado e até hoje é aperfeiçoado é uma experiência única. Pisar naquele tatami foi uma honra. E as universidades também nos impactaram, pela história que carregam na formação de atletas e na evolução competitiva da modalidade.”

O Monte Fuji se ergue imponente atrás das construções tradicionais e do espelho d’água, em cena que sintetiza a harmonia estética e espiritual do Japão © ACSJ

Ao comparar os métodos de ensino, Lucas observou uma diferença clara. “No Japão, o judô é visto como um esporte puro, uma prática prazerosa, enquanto no Brasil é muito utilizado como ferramenta educacional e de formação social. Lá, o respeito é natural, faz parte da cultura — dentro e fora do tatami.” Ele também se impressionou com a forma lúdica dos treinos infantis e a intensidade técnica e física aplicada aos adultos.

Cléber do Carmo posa diante do marco do Lago Kawaguchiko, enquanto o Monte Fuji desponta ao fundo, sutilmente encoberto pela névoa © ACSJ

A vivência cultural foi igualmente marcante. Lucas se encantou com o contraste entre o moderno e o tradicional. “A arquitetura, a organização das cidades, a gastronomia, tudo era fascinante. Cada detalhe revelava uma história. Foi uma verdadeira aula fora dos tatamis.”

Cenário bucólico revela a harmonia entre natureza, arquitetura tradicional e cultura ancestral — uma das paisagens encantadoras vivenciadas pelos judocas da Corpore Sano na província de Shizuoka © ACSJ

Sobre as interações com judocas de outras nacionalidades, ele descreveu como uma troca rica e respeitosa. “Eles não são muito de puxar conversa, mas quando nos aproximávamos, abriam espaço para trocas incríveis. Foi assim com japoneses e também com atletas da França, Coreia e outros países.”

O Monte Fuji se impõe ao fundo da paisagem urbana, emoldurado por um tradicional torii — encontro entre a espiritualidade milenar e a modernidade do Japão © ACSJ

Ao voltar ao Brasil, Lucas tem compartilhado tudo o que aprendeu. “Estamos até hoje contando sobre a viagem, trocando ideias, discutindo e aplicando no dia a dia. Conhecimento que não é compartilhado é conhecimento morto.”

Construída em 1963 como memorial à paz, a Chureito Pagoda é um dos marcos mais emblemáticos do Santuário Arakura Sengen, em Fujiyoshida — símbolo de contemplação e harmonia no Japão © ACSJ

Ele reconhece que sua visão sobre o judô mudou profundamente. “Hoje vejo o judô não só como ferramenta de rendimento ou educação, mas também como uma prática prazerosa, que diverte e dá sentido à rotina.”

Vista panorâmica do Monte Fuji a partir da região de Fujiyoshida — um ícone da natureza japonesa que inspira reverência e contemplação em todos que o admiram © ACSJ

O momento mais marcante, sem dúvida, foi entrar no Kodokan. “Ver aquele lugar com os próprios olhos, imaginar tudo o que foi construído ali… é algo que me acompanha até hoje. E participar de um treino de kata, com a presença de vários kodanshas, foi uma experiência única.”

Professor Cléber do Carmo com sensei Nambo, instrutor do Kodokan © ACSJ

Lucas define a viagem com uma única palavra: “Memorável.” Quinze dias que, segundo ele, nunca sairão da sua memória e farão parte de sua história de vida.

Faixas-pretas de Ribeirão Preto no Kodokan de Tóquio, aguardando o início do treinamento internacional © ACSJ

Glauco Louzada destaca a realização de um sonho no Kodokan

Para o judoca Glauco Louzada, viver a experiência de treinar no Japão foi a concretização de um sonho acalentado desde os primeiros passos no tatami. “Quando começamos no judô, já sabemos da importância histórica de locais como o Kodokan. Treinar onde grandes atletas olímpicos já estiveram é algo muito especial. Mais do que isso, esses espaços se tornaram referência mundial para o aperfeiçoamento técnico e o intercâmbio entre judocas de diferentes países.”

Lucas do Carmo com professores japoneses no Instituto Kodokan © ACSJ

Nos treinos, Glauco ressaltou que o judô é uma linguagem universal. Mesmo com a barreira do idioma, a comunicação fluiu graças à conexão técnica e filosófica da modalidade. O que mais chamou sua atenção foi o nível de disciplina dos atletas japoneses, sempre associado a uma técnica apurada e à seriedade com que cada movimento é executado.

No Kodokan, Cléber do Carmo posa diante da sala do sensei Kano — espaço que oferece uma visão privilegiada do tatami principal e de onde o fundador do judô observava os treinos de seus alunos © ACSJ

A parte cultural da viagem também teve um impacto marcante. Glauco visitou o museu do Kodokan, repleto de história e memória olímpica, além da fábrica de saquê que pertenceu à família de Jigoro Kano, o túmulo do criador do judô e cidades emblemáticas como Nara. “Foi uma imersão completa: visitamos templos, o Monte Fuji e diversos pontos que nos ajudaram a compreender melhor a cultura que moldou o judô como ele é.”

Tadeu Pardim Santa Vica em randori com judoca japonês no dojô do Instituto Kodokan de Tóquio © ACSJ

Nas interações com judocas japoneses e estrangeiros, Lousada destaca a riqueza do convívio. “Mesmo com pessoas de diferentes países, conseguimos interagir nos treinos. O judô nos une — a técnica, o espírito e o respeito estabelecem esse elo, mesmo quando não falamos a mesma língua.”

Glauco Louzada com professores japoneses no Instituto Kodokan © ACSJ

O momento mais marcante da viagem, segundo ele, foi quando pisou no Kodokan pela primeira vez. “Sempre acompanhei e sonhava em estar ali. Ver de perto o dojô, sentir a atmosfera daquele lugar histórico, foi sensacional.” Glauco resume a experiência com uma frase que carrega o sentimento de todos os dias vividos no Japão:

“Quem já viveu a experiência de ter um sonho realizado, não sabe se a realidade virou sonho, ou o sonho realidade.”

Carlos Eduardo em randori com judoca japonês no dojô do Instituto Kodokan de Tóquio © ACSJ

Simbolismos e o comprometimento de Suzuki

Para encerrar os relatos, o professor Cléber compartilha três momentos especialmente marcantes vividos no Japão — passagens que traduzem a dimensão técnica da viagem, e a profundidade emocional e simbólica da experiência.

Nafuda kake, do Enshin Dojo Kyoto – registro dos faixas-pretas formados na escola © ACSJ

O primeiro deles aconteceu logo ao chegar à porta do Instituto Kodokan, em Tóquio. Mesmo sendo sua terceira visita ao local, a emoção foi inevitável. “Na primeira vez estive como atleta, na segunda acompanhei uma delegação Sub 18 da FPJudô e, agora, estar ali com nossos alunos foi algo profundamente tocante. Foi diferente de tudo o que já vivi. Estar com eles naquele lugar me fez refletir sobre toda a nossa trajetória.”

O segundo momento emblemático foi a visita ao Monte Fuji. “É impossível descrever o impacto de estar diante daquela montanha. Um vulcão ativo, o ponto mais alto do Japão, reconhecido como Patrimônio Mundial pela UNESCO… Ele carrega uma mística, uma simbologia muito forte. Fiquei profundamente emocionado. É um cartão-postal que não impressiona apenas pela beleza, mas pelo que representa para os japoneses e para quem busca autoconhecimento.”

Já o terceiro episódio, talvez o mais marcante tecnicamente, foi o treinamento conduzido por Keiji Suzuki, técnico principal da seleção japonesa. “Ele foi de uma cordialidade e dedicação que eu jamais havia presenciado. Já o conhecíamos de Paris, mas quando nos reencontrou no Japão nos recebeu com extrema gentileza. Mesmo iniciando suas aulas regulares ao meio-dia, ele esperou até terminar seu expediente para realizar, com o apoio de alguns faixas-pretas, um treinamento exclusivo com nossos alunos. Foram noventa minutos inesquecíveis.”

A atitude de Suzuki, para Cléber, foi de uma generosidade rara. “Ele parecia um faixa-branca de tão simples e acessível. A disposição dele nos deixou até constrangidos. Imagine: sua equipe treinando com o técnico da melhor seleção do mundo, sendo tratado com tamanha atenção e naturalidade. Foi um gesto que jamais esqueceremos.”

Legado que ultrapassa fronteiras

A jornada vivida no Japão pelos judocas da Associação Corpore Sano foi muito além de um estágio técnico internacional. Foi uma travessia interior, uma busca por raízes, significados e práticas que moldam o judô em sua essência. Cada relato evidencia não apenas o impacto dos treinos e das vivências culturais, mas o despertar de uma nova compreensão sobre o papel do judoca dentro e fora dos tatamis.

Ao caminhar pelas ruas de Tóquio, Nara, Kyoto ou diante da imponência do Monte Fuji, ao reverenciar a memória de Jigoro Kano ou compartilhar o tatami com grandes nomes do judô mundial, esses brasileiros experimentaram algo raro: a conexão entre passado, presente e futuro. Sentiram na pele o peso simbólico dos locais por onde passaram — e, mais do que isso, compreenderam a responsabilidade de carregar esse legado adiante.

Seja nas aulas conduzidas com rigor e gentileza por mestres japoneses, nas trocas silenciosas com judocas de outras nações ou nas lições sutis embutidas em cada gesto, ficou evidente que o Rumo ao Pódio Internacional não é apenas um projeto de aperfeiçoamento técnico, mas um verdadeiro programa de formação humana.

De volta ao Brasil, cada um dos participantes carrega agora a missão de multiplicar esse conhecimento. E fazem isso com a convicção de quem teve o privilégio de treinar onde o judô nasceu — e com a humildade de quem entende que a jornada do judoca, assim como o aprendizado, nunca termina.

Confira abaixo a relação dos judocas que integraram a missão ao Japão por meio do Projeto Pódio Internacional.

Judocas beneficiados pelo projeto

  • Cléber do Carmo
    Classe/categoria: M6 / -81kg
    Graduação: 6º dan — 46 anos de prática do judô
  • Tadeu Pardim Santa Vica

Classe/categoria: M2 / -100kg
Graduação: 4º dan — 25 anos de prática do judô

  • Carlos Eduardo Evangelista Gomes
    Classe/categoria: M2 / +100kg
    Graduação: 4º dan — 32 anos de prática do judô
  • Thiago Pardim Santa Vica
    Classe/categoria: M2 / -100kg
    Graduação: 4º dan — 25 anos de prática do judô
  • Glauco Soares Louzada
    Classe/categoria: M2 / -100kg
    Graduação: 2º dan — 15 anos de prática do judô
  • Lucas do Carmo
    Classe/categoria: Sênior / -81kg
    Graduação: 3º dan — 24 anos de prática do judô
  • Luiz Antônio da Silva Júnior
    Classe/categoria: M1 / -100kg
    Graduação: 2º dan — 15 anos de prática do judô
  • Leonardo do Carmo
    Classe/categoria: M1 / -66kg
    Graduação: 1º dan — 25 anos de prática do judô

Judocas participantes por adesão

  • Gyovany de Faria Gomes
    Classe/categoria: M5 / -100kg
    Graduação: 1º kyu — 10 anos de prática do judô
  • Leonardo Paschoalini Barbosa dos Santos
    Classe/categoria: M1 / -81kg
    Graduação: 1º kyu — 10 anos de prática do judô
  • Luciano Antônio da Silva
    Classe/categoria: M5 / +100kg
    Graduação: 1º dan — 40 anos de prática do judô
  • Diego Buson Souza Oliveira
    Classe/categoria: M2 / -81kg
    Graduação: 1º dan — 22 anos de prática do judô
  • Danilo Tadeu Claudiano Pietrucci
    Classe/categoria: M4 / -81kg
    Graduação: 3º dan — 32 anos de prática do judô

Clique AQUI e confira todas as fotos da imersão técnica e cultural no Japão dos judocas da Corpore Sano no Flickr da Revista Budô.

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