07 de novembro de 2024
Karatê-Dô: fenômeno anátomo-neurológico
O desenvolvimento do pensamento humano, inclusive avaliado pelo método científico, depende da formulação teórica posterior à experiência observacional
Por Fernando Malheiros Filho
10 de outubro de 2022 / Curitiba (PR)
Há muitas formas de ver, observar e interpretar o mesmo fenômeno. O poeta asturiano já o disse: “todo es según el color del cristal con que se mira” (Ramón de Campoamor). Muitos afirmarão ser o karatê-dô uma forma de luta, outros – não muitos –, uma manifestação cultural; ainda outros dirão tratar-se de mecanismo de autoconhecimento; haverá também os que afirmarão cuidar-se de um método de treinamento físico e mental; muitos reconhecerão que representa forma de arte e linha de pensamento filosófico. Todos estarão parcialmente corretos.
De fato, há muitas maneiras, compatíveis entre si, de ver e interpretar os fatos e os fenômenos próximos e visíveis, especialmente aqueles que estão em cada um de nós e a partir de nós próprios podem ser observados, dependendo da ênfase emprestada à avaliação.
Do ponto de vista físico, o karatê-dô representa manifestação mental traduzida pelo gesto, sendo necessário interpretar a qualidade do pensamento antecedente, comparando-a com a qualidade do movimento por ele produzido.
É fundamental, portanto, conhecer a natureza do pensamento e a natureza física dos movimentos. Depois, a influência das leis da física nos movimentos e a importância desta na formulação teórica dos mesmos movimentos, fenômeno abstrato que ocorre no plano mental.
Vale dizer, conhecer a física altera a compreensão mental dos movimentos, alterando os pensamentos que lhes dão origem, modificando, por consequência, os movimentos em si mesmos.
A física dos movimentos, cientificamente constatada ou mesmo por sua observação empírica, compõe a natureza e expressão do pensamento (conduta mental) dos quais os primeiros são originários. Não há ação humana que não represente antes um pensamento, ainda que reação instintiva ou reflexa.
Por isso, das inúmeras formas descritivas do fenômeno, também é possível dizer que o karatê-dô representa fenômeno anátomo-neurológico. Anatômico, por determinar o movimento da anatomia humana (em geral o corpo inteiro), neurológico por representar, antes, ação neural, pensamento, ação cerebral que desbordará no movimento físico.
Tudo isso para explicar que o estudo dos pensamentos haverá de ser elemento essencial para conhecer os movimentos e, entendendo-os, formulá-los teoricamente e, finalmente, aperfeiçoá-los.
É pouco provável que esse processo possa ser otimizado, ainda mais no espaço de uma vida, pela tentativa e erro ou pela mimetização. Essas alternativas, apesar de poderem apresentar alguns resultados positivos em largos períodos, são pouco eficientes e, por isso mesmo, descartáveis.
O desenvolvimento do pensamento humano, inclusive o avaliado pelo método científico, depende da formulação teórica posterior à experiência observacional. É preciso observar, testar e formular teorias que serão mais ou menos eficazes quando aplicadas à realidade.
Disso advém certo darwinismo teórico, com a “seleção natural” das teorias eficientes, processo no qual o próprio teórico ver-se-á envolvido, ele mesmo melhorando suas percepções.
E, para isso, sem desdenhar as enormes consequências filosóficas dessas percepções, o exercício diário das hipóteses e testagens das teorias sempre será a melhor, senão única, alternativa eficiente.
O mestre – que para sê-lo haverá de ser sábio –, quando estiver a dizer a seus alunos como são os fenômenos mentais e os movimentos, sempre estará sendo personagem dessa equação que, mesmo sem saber, a terá revolvido, em sua prática e reflexões, milhares de vezes ao longo da vida.
Por fim, desconfie de quem sabe sem saber exatamente o porquê.
Fernando Malheiros Filho
é professor de karatê-dô, historiador
e advogado, especialista em direito
da família e sucessões.