11 de novembro de 2024
Karatê esloveno destaca-se pelo modelo de gestão inovador com ênfase no voluntariado
Dirigentes defendem que a Constituição da ITKF deve ser atualizada para melhor refletir a nova realidade global
Karatê ITKF
28 de fevereiro de 2021
Por ISABELA LEMOS I Fotos DIVULGAÇÃO
Curitiba – PR
Em entrevista à Revista Budô, os dirigentes da Federação Eslovena de Karatê Tradicional (SZTK) Marko Mitrović, presidente, e Roman Pavlovič, vice-presidente, apresentam os princípios, valores e objetivos da entidade para o desenvolvimento da modalidade na Eslovênia, país localizado na Europa Central. Além disso, os gestores expõem as relações internacionais da SZTK e suas propostas para popularizar globalmente o karatê tradicional (ITKF).
A Federação Eslovena de Karatê Tradicional é a segunda maior organização de karatê na Eslovênia, com mais de 1 mil filiados que treinam em cerca de 50 dojôs ao redor do país. De acordo com os registros públicos, há 160 clubes de karatê na Eslovênia, mas aproximadamente 12% deles não fazem parte de nenhuma das dez federações (algumas com conexões internacionais) em atividade. A Eslovênia conta com uma população de 2 milhões de pessoas, e estima-se entre 10 mil e 12 mil o número de praticantes regulares.
Roman Pavlovič, atual vice, explica que a SZTK é uma organização democrática que estabelece a troca de dirigentes a cada dois mandatos. Ele e Marko Mitrović vêm-se alternando na presidência e realizando um trabalho em equipe de longa data.
“Isso diz muito sobre relações específicas que estamos cultivando em nossa organização. Nossa equipe é formada por pessoas de diversos perfis, entre gerentes de alto nível, professores, advogados, consultores de gestão, contadores, empresários e uma gama enorme de profissionais liberais. Procuramos sempre uma solução que seja a melhor para o karatê tradicional esloveno e todos os nossos membros. Cada integrante pode estar ativa e diretamente envolvido em nossas atividades, de acordo a competência, disponibilidade e linha de interesse dele. Esta é uma forma eficiente de administrar nossa organização”, revelou.
A entidade e o princípio do voluntariado
O vice-presidente Pavlovič enfatiza que todos os funcionários são voluntários. “Eles não recebem nenhuma remuneração, embora a organização tenha uma situação financeira estável. Seu modelo de negócio baseia-se em diferentes fontes de recursos. Primeiramente, a entidade recebe taxas provenientes de eventos e de adesões, além de financiamento do governo e outras fontes. O grupo decide quais atividades e projetos apoiará, escolhendo aqueles cujos objetivos estratégicos se alinhem ao interesse de todos os filiados.”
Os princípios da SZTK são organizados de acordo com os valores comuns dos participantes: o voluntariado, a independência e a ausência de fins lucrativos, bem como a conformidade com o cultivo do karatê tradicional em todas as suas formas. Seu método de treinamento e as regras de competição seguem as normas da International Traditional Karate Federation (ITKF). “Promovemos relações amigáveis entre atletas eslovenos e de todo o mundo, tendo em vista os princípios da igualdade, respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, independentemente de raça, sexo, língua ou religião”, assegurou Mitrović.
“Somos uma organização independente e reconhecida pelo Comitê Olímpico Esloveno e pelo Ministério da Educação, Ciência e Esportes, assim como pelo Estado japonês, do qual somos parceiros de longa data e de alta qualidade por meio da Embaixada do Japão em Ljubljana. Nosso mentor e shihan Takashi Tokuhisa foi o primeiro instrutor de karatê na Eslovênia a ter seu trabalho reconhecido pelo embaixador daquele país”, acrescentou Mitrović.
Apesar de ser uma entidade independente, a SZTK colabora ativamente com diversas organizações de karatê na Eslovênia, com base em interesses comuns. O melhor exemplo é a parceria com a Shotokan Karate-do International Federation (SKIF). As federações mundial e europeia trabalharam juntas com sucesso em competições e outras áreas por mais de sete anos.
Pela primeira vez na história da República da Eslovênia, em janeiro de 2021 foi preparada uma estratégia nacional para o desenvolvimento do karatê até 2028. O documento baseia-se em propostas de representantes das duas maiores organizações de Karatê da Eslovênia – a Federação de Karatê da Eslovênia (KZS) e a Associação Eslovena de Karatê Tradicional (SZTK) – e de outras entidades de karatê. O representante da SZTK foi nomeado para liderar e gerenciar este projeto, cujo objetivo principal é definir direções para o desenvolvimento da modalidade, buscando a operação ordenada e conjunta de todas as atividades no campo do karatê e do parakaratê.
A SZTK como organização
A Associação Eslovena de Karatê Tradicional foi fundada em 2003 e recebeu o reconhecimento oficial da ITKF em Davos, em 2004, quando o sensei Nishiyama informou sua filiação ao Comitê Olímpico Nacional Esloveno. Este foi um fato crucial para o reconhecimento oficial pelo governo.
O vice-presidente Pavlovič conta que os associados perceberam que apenas o conhecimento do karatê como arte marcial não significa competência suficiente para dirigir uma organização de sucesso. Por isso, procuram por profissionais experientes para administrar a entidade. “Desde o início, reconhecemos nossos valores fundamentais no karatê como 100% tradicionais, enquanto nossa organização é moderna, baseada nos princípios de gestão ágeis e flexíveis, com altos níveis de transparência, democracia e livre fluxo de informações.” O presidente Marko Mitrović acrescenta que essa forma de pensar e operar tem proporcionado grandes resultados ao crescimento orgânico, tanto pelo tamanho quanto pela qualidade da organização.
Raízes do karatê-dô esloveno
Sobre a introdução das artes marciais na Eslovênia, Mitrović explica que o marco – no sentido formal de operação uniforme e unificada do karatê, de acordo com a ordem legal dos clubes existentes – foi o estabelecimento da Associação de Karatê da Eslovênia (KZS) em 1969. Em 1975, foi renomeada Associação de Organização de Karatê da Eslovênia (ZKOS). No mesmo ano, com a mudança e aprimoramento das regras, as mulheres foram autorizadas a participar de competições. Esse nome permaneceu até a independência da Eslovênia em 1991.
Roman Pavlovič explica que os professores Vladimir Jorga e Hidetaka Nishiyama demonstraram forte apoio ao registro oficial como federação. A carta de apoio de Nishiyama ajudou a entidade a receber o reconhecimento oficial do Comitê Olímpico Nacional da Eslovênia e do Ministério da Educação, Ciência e Esporte. No entanto, as raízes do karatê tradicional na Eslovênia remontam às visitas do sensei Taiji Kase no final dos anos 1960, que tiveram forte influência, assim como a presença em tempo integral de seu então assistente professor Tokuhisa Takashi, desde o início dos anos 1970.
Globalmente, assim como na Eslovênia, o karatê perdeu contato com suas origens e assumiu um caráter predominantemente esportivo, disse Mitrović. “O karatê não é mais apenas uma habilidade tradicional japonesa, ele também recebeu um forte tom competitivo em nível global e orientações que resultaram em uma mudança no esporte. As federações mundiais mais importantes antigamente eram a WUKO (karatê esportivo) e ITKF (karatê tradicional). Hoje, na Eslovênia, são a Associação de Karatê da Eslovênia (KZS) e a Associação de Karatê Tradicional da Eslovênia (SZTK).”
Takashi Tokuhisa, o shihan do karatê esloveno, nasceu em 29 de outubro de 1947 em Yahata, na ilha japonesa de Kyushu. Ele começou a praticar karatê em 1962 e, de acordo com as regras da época, alcançou a faixa-preta máster após apenas um ano de treinamento. Ele também provou ser um excelente competidor em sua juventude. Em 1969, participou do Campeonato Nacional do Japão, no qual derrotou o mestre favorito absoluto na final do kumitê. Ele estudou e se formou em economia na Universidade de Tóquio e, em 1970, foi para a Europa, primeiramente a Paris, onde se juntou ao grupo do mestre Taiji Kase, que se tornou seu professor para toda a vida.
Naquela época, o professor san-dan (3º dan) Tokuhisa era o jovem instrutor japonês mais proeminente da Europa. No final de 1970, Kase o enviou como instrutor para a antiga Iugoslávia com a intenção de liderar um seminário tradicional de karatê na Eslovênia por um mês. Em dezembro de 2020, completaram-se 50 anos de seu ensino ativo do karatê-dô na Eslovênia e no exterior. Ele trabalha em Ljubljana e ainda hoje é um sensei muito ativo, transmitindo conhecimento, técnica, experiência e sabedoria. Ele ensina em uma escola toda a semana e continua a cultivar o karatê em vários seminários no país e exterior. Shihan Tokuhisa transmite seu rico conhecimento a todas as gerações.
Em 13 de setembro de 2017, em um evento organizado pelo Ministério das Relações Exteriores do Japão, o embaixador do Japão na Eslovênia, Keiji Fukuda, premiou Tokuhisa com o Reconhecimento Especial do governo japonês, emitido e assinado pelo ministro das Relações Exteriores do Japão, Fumio Kishida, por suas realizações no campo do karatê e pela promoção da cultura japonesa na Eslovênia por mais de 40 anos.
Principais atividades e eventos
A SZTK tem como eventos anuais três grandes torneios e um campeonato nacional. Uma das competições é aberta, com a participação de pelo menos 500 karatecas de vários países e da maioria das federações eslovenas, com mais de mil performances. Até a eclosão da covid-19, o campeonato nacional de karatê tradicional era organizado todos os anos. Também são organizando seminários promovendo a educação profissional. É obrigatório no país que todo instrutor de karatê conclua o curso formal organizado pela National Sports Branch Association, que dura 120 horas e tem um exame teórico-prático.
Roman Pavlovič afirmou que a entidade eslovena mantém excelente relação com todos os membros da ITKF e ETKF. “Por muitos anos, temos cooperado com a Federação Italiana de Karatê Tradicional (FIKTA) e a Federação Tcheca de Karatê Tradicional e, nos últimos dez anos, cooperamos intensamente com a TKA da Bósnia e Herzegovina. Estamos abertos para trabalhar com todas as organizações de karatê com valores semelhantes aos nossos. No passado, havia divisões na ITKF e, como resultado, nossa participação na Europa diminuiu nos últimos anos. No entanto, esperamos poder desenvolver ainda mais nosso relacionamento no futuro”.
Segundo Pavlovič, desde o início do envolvimento na ITKF e ETKF, a federação eslovena procurou contribuir ativamente. Como organização, participou de quase todos os eventos daquelas entidades e, nos últimos anos, membros da SZKT filiaram-se também à ETKF e à ITKF. Vários dirigentes eslovenos ocupam funções no conselho executivo, no comitê de competição e na comissão de arbitragem da ETKF, bem como no comitê de comunicação da ITKF. A premissa é que pessoas com grande competência em nível nacional partilhem sua experiência em âmbito internacional.
Objetivos para os próximos anos
O presidente Marko Mitrović assegura que o foco atual é a participação ativa dos membros da SZTK na criação da política internacional de karatê na ITKF e sua organização regional. O objetivo é tornar-se uma das três principais organizações nacionais em número de participantes e fazer do karatê um dos esportes mais populares no país. Mitrovic pretende alcançar esta meta aumentando o número de crianças e jovens envolvidos no karatê, envolver adultos na prática recreativa da modalidade e criar programas especiais para idosos, além de melhorar o ambiente para praticantes do parakaratê.
“Um dos nossos programas de maior sucesso reúne todas as formas de karatê na Eslovênia: o Programa Nacional da Escola de Esportes de Karatê”, acrescentou Mitrović. “Seu principal objetivo é abrir centros esportivos em todo o país a fim de desenvolver sistematicamente o karatê, tanto como esporte quanto como arte marcial, e aumentar a qualidade dos professores. O programa contempla apenas graduados da Faculdade de Esportes e promove a plataforma digital de karatê online, que possibilita a troca de conhecimentos e apresenta a testagem e o acompanhamento do processo de treinamento.”
Expectativas sobre a ITKF e ETKF
Sobre a expectativa dos dirigentes em relação à ITKF e sua organização regional na Europa, Marko Mitrović disse que se preocupou muito quando a ITKF rachou após a morte do sensei Nishiyama, mas, para ele, a situação começou a estabilizar-se e a melhorar recentemente. “A direção atual da ITKF estabeleceu uma estrutura organizacional clara e está introduzindo princípios de relações democráticas, maior transparência e responsabilidade.”
Roman Pavlovič sente que as entidades estão no caminho certo, mas ainda não alcançou o nível ideal. Para ele, os canais de comunicação gerais da ITKF precisam ser atualizados, a comunicação oficial deve ser apoiada pela introdução de tecnologias modernas, permitindo uma implementação mais fácil das atividades rotineiras dos membros (inscrição, renovação, pagamentos, registros, nomeações, votação etc.) e apoiando uma participação mais ampla de todos os membros nas atividades da ITKF. “Também sentimos que a Constituição da ITKF poderia ser atualizada e modernizada para melhor compreensão da nova realidade global, enquanto ainda preserva todos os valores e princípios fundamentais do sensei Nishiyama.”
Pavlovič entende que as organizações continentais da ITKF devem compartilhar os valores e princípios estabelecidos por ela, enquanto planejam e executam as atividades necessárias na região. “Todos os procedimentos devem estar sincronizados com os da ITKF, visto que, se por um lado influenciamos as políticas e decisões da ITKF, por outro trabalhamos sob uma Constituição comum. Se todas as organizações regionais estabelecerem políticas com base nesses princípios, a ITKF será capaz de concentrar muito mais energia na gestão externa, em vez de se desgastar com detalhes internos, jogos políticos e estruturas de poder paralelas que não contemplam a política e a estratégia global da International Traditional Karate Federation.”