Lições da intervenção e o futuro do judô paulista

O judô precisa ser pensado e planificado como um estilo de vida e uma forma de planejar a vida © Fotomontagem Global Sports

A próxima gestão deverá mudar profundamente a forma de pensar o judô, privilegiando o aspecto socioeducativo em busca de inclusão e, principalmente, socialização da nova geração de crianças e jovens que habita o mundo das telas.

Por Paulo Pinto / Global Sports
2 de julho de 2024 / Curitiba (PR)

Com base no processo judicial que, desde o início do ano, impôs nova realidade ao judô paulista, buscamos avaliar o que representa a figura da intervenção numa entidade de gestão esportiva, com base no que ocorre na Federação Paulista de Judô (FPJudô).

Definição e contexto legal

A intervenção em entidade esportiva ocorre quando há graves irregularidades administrativas, financeiras ou de gestão que comprometam o funcionamento regular da entidade. No Brasil, a intervenção pode ser determinada com base em diversas instâncias, incluindo o Código Civil, a Lei Geral do Esporte, a Constituição Federal e, neste caso específico, pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Judô (STJD da CBJ). Essas instâncias preveem a autonomia das entidades esportivas, mas estabelecem a possibilidade de intervenção em casos de irregularidades.

O motivo encontrado para a intervenção deflagrada pelo STJD da CBJ foi o atraso na eleição da FPJudô, que deveria ter ocorrido até 31 de março de 2021, mas que, em função dos clubes que tradicionalmente recebem e sediam este evento administrativo estarem todos fechados por conta da pandemia da covid-19, não se realizou no prazo hábil.

Em face do atraso na realização da Assembleia Geral Eletiva (AGE), duas entidades filiadas – Projeto Budô e Instituto Camaradas Incansáveis – denunciaram o atraso ao STJD da CBJ que, utilizando os atributos permitidos por lei, não reconheceu a assembleia realizada no dia 23 de abril, ou seja, com 23 dias de atraso em relação ao que estipula o estatuto da CBJ, deflagrando o processo que resultou na intervenção da FPJudô.

Lições

Todo e qualquer processo intervencionista deixa lições positivas e negativas numa entidade de administração esportiva. Entre as positivas figuram os avanços expressivos nas áreas de governança e transparência, já que são enfatizadas boas práticas que demandam a utilização de programas atualizados de compliance e uma cultura mais rígida e ampla nos campos da ética e da integridade. Felizmente esses itens já vinham sendo implementados e amplamente praticados pela gestão que assumiu em maio de 2021.

Entre as lições negativas figuram temas como a interferência externa, já que podem comprometer a autonomia da entidade e do calendário esportivo. Outro risco da intervenção é que pode ser lenta e burocrática, afetando negativamente as atividades esportivas e, no caso da FPJudô especificamente, as atividades técnicas e pedagógicas que figuram no calendário anual. Além disso, pode haver riscos de politização, ou seja, a intervenção pode ser usada em favor de interesses externos, influenciando negativamente a gestão.

Todavia, nenhum dos fatores negativos acima citados ocorreu no processo que vem sendo orientado e conduzido brilhantemente pelo jurista interventor Caio Medauar de Souza, que, assistido pelo advogado Marcel Ferraz Camilo e por Alexandre Dias, promete resolver a situação com base na lei e naquilo que a intervenção prevê.

O futuro e o novo

Apesar dos imprevistos e transtornos causados pela intervenção, avaliamos que, na pior das hipóteses, ela encerrará definitivamente a era Francisco de Carvalho Filho na FPJudô, já que com as mudanças impostas pela intervenção os principais atores daquela época naturalmente abrirão espaço para novos colaboradores e diferentes pensamentos.

Há poucos dias, o candidato da chapa Avança Judô afirmou textualmente que, se eleito, priorizará a implementação do Conselho de Administração. Na gestão Puglia, vimos toda a transformação realizada na área administrativa, que priorizou modernos modelos de governança, como a utilização do Sistema de Gestão ERP, que impede fraudes e registra toda a movimentação financeira para que os atos da administração sejam plenamente auditáveis, obedecendo aos mais avançados modelos de administração financeira empresarial.

Admirável mundo novo

Está claro que a próxima gestão atualizará todos os mecanismos de administração, mas também priorizará questões como a capacitação dos mais de 3.500 professores que atuam formalmente e informalmente no Estado, a melhoria dos eventos esportivos, a repaginação na atuação das delegacias regionais e a formação de novos faixas-pretas, além do fomento e do acolhimento de novas gerações de praticantes, atletas e aficionados.

Transformações que certamente culminarão no crescimento perseguido pela nova geração de dirigentes, que já vem impondo profundas transformações na forma de pensar e gerir o judô, modalidade socioeducativa com possibilidades infinitas quando pensamos em transformação, inclusão e, principalmente, na socialização de uma juventude mergulhada em tablets, celulares, notebooks ou na TV.

Muito além de um esporte olímpico com alto valor socioeducativo, o judô precisa ser pensado e planificado como um estilo de vida e uma forma de planejar a vida.

Novos desafios

A intervenção na FPJudô serve como um exemplo claro dos desafios e oportunidades que surgem quando uma entidade esportiva enfrenta irregularidades. As lições aprendidas destacam a importância de governança, transparência e ética, enquanto os riscos de interferência externa e politização devem ser cuidadosamente gerenciados.

Com uma nova geração de dirigentes focada na modernização e capacitação, o futuro do judô paulista parece promissor, garantindo que o esporte continue a ser um poderoso instrumento de transformação social e pessoal.

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