11 de novembro de 2024
Luta marajoara: uma luta genuinamente brasileira
De origem do Arquipélago do Marajó, a luta consiste num confronto entre dois lutadores que objetivam derrubar seu oponente de costas no chão
Luta Brasileira
6 de janeiro de 2021
Por Dr. Marcelo Moreira Antunes, Dr. Claudio Joaquim Borba-Pinheiro e Dr. Ítalo Lopes Campos
Curitiba (PR)
O Brasil é conhecido mundialmente pela sua diversidade cultural. Nos quatro cantos de seu território, diferentes manifestações podem ser encontradas, frutos dessa multiplicidade resultante de diferentes etnias, nacionalidades e miscigenação que caracterizam o povo brasileiro. Seja nas artes, na música, na gastronomia, na linguagem, nas festas ou na maneira de se vestir, a cultura brasileira ainda esconde surpresas a serem descobertas. Assim também é nas práticas corporais, especificamente nas lutas.
As lutas brasileiras, ou modalidades de combate corporal, manifestam-se de várias formas em diversas localidades do território nacional. Dentre as mais conhecidas, encontramos a capoeira e, entre as pouco conhecidas, as lutas indígenas e a própria luta marajoara. Diferente das demais manifestações – como a capoeira, encontrada em muitas cidades do País, e as lutas indígenas, cujas variações dependem de etnia e localidade –, a luta marajoara é endêmica em algumas regiões do Arquipélago do Marajó.
Diante de um cenário emoldurado por belezas naturais deslumbrantes ainda pouco conhecido pela grande maioria dos brasileiros, a luta marajoara vem sendo praticada mais frequentemente em alguns dos municípios do arquipélago, como Soure, Salvaterra, Ponta de Pedras, Breves e Cachoeira do Arari, no Estado do Pará. Essa luta, considerada uma tradicional manifestação cultural da região, está intimamente ligada à religiosidade local e pode ser apreciada na festa do Glorioso São Sebastião, a qual ocorre todo ano sempre no mês de janeiro. Considerando sua importância, o IPHAN a reconheceu como elemento cultural tradicional imaterial ligado à festa do Glorioso São Sebastião.
Ainda assim, sua origem é pouco estudada e continua longe do consenso entre praticantes, aficionados e pesquisadores da modalidade. Todavia, o que se pode afirmar com certo nível de assertividade é que a luta marajoara surgiu nas fazendas de gado do interior da ilha como forma de aquecer o corpo para o banho nas águas frias dos rios da região após um dia de trabalho com o rebanho bovino. Neste contexto, tornou-se uma atividade de lazer para os nativos. Cabe destacar que, durante as observações e estudos realizados acerca da luta marajoara, não houve indícios de caracterização de luta marcial em sua origem.
Princípios da luta marajoara
A luta caracteriza-se por ser um confronto entre dois lutadores que objetivam derrubar seu oponente de costas no chão. Pode ocorrer nas areias das praias ribeirinhas, na terra, grama ou lama dentro dos currais. Nesse último local é que se consolidou um dos nomes da luta marajoara, também conhecida na região por lambuzada, que faz alusão à ação de sujar as costas do oponente com a lama do curral, lançando-o com o dorso nesse terreno. As técnicas são objetivas e simples, visando apenas a derrubar o oponente. Para isso, são utilizados recursos como agarrar, puxar, empurrar, desequilibrar e projetar o lutador. Os nomes das técnicas são peculiares e fazem referência à cultura local, como cabeçada, lambada, calçada, desgalhada, boi laranjeira, rasteira, espalhada, recalcada, baiana, escora e gratuita.
Existem ainda práticas que oferecem riscos de lesão séria aos lutadores, como a enfincada e a recolhida. Ambas foram excluídas das competições por esse motivo, adequando a luta a um processo de esportivização que ganha força na região e agora se consolida com a fundação e o registro da Federação Paraense de Luta Marajoara no dia 29 de setembro de 2020. Trata-se de uma iniciativa local que reflete a importância e o valor da modalidade para a região e o seu visível processo de legitimação esportiva e social.
Em síntese, toda a dinâmica da luta marajoara deve suceder-se em três momentos, que correspondem ao início da luta (preparação), aplicação das principais técnicas utilizadas para derrubar o oponente (desequilibrar) e ao desfecho da luta (encostamento no solo).
Apesar de a luta marajoara ser reconhecida como parte da cultura tradicional do Marajó, a sua existência era pouco conhecida e sua prática e competições eram desprovidas de organização institucional. Assim, o processo de esportivização da modalidade busca o desenvolvimento organizado, pensando em regras equânimes e padronizadas para a formação de professores e manutenção de suas tradições e inclusão em ambiente escolar.
Desse modo, a luta sai de sua intimidade local e se projeta para o Brasil e o mundo como uma prática de combate corporal com aspectos culturais fortes e efetividade combativa significativa. Neste sentido, as poucas pesquisas realizadas até o momento tentam contemplar todo o seu acervo técnico/pedagógico, considerando que, enquanto manifestação esportiva cultural, a modalidade tem um valor inestimável.
Assim, é possível vislumbrar a curto prazo a introdução dela, enquanto conteúdo de lutas, na educação física escolar, em função do seu caráter sociocultural e educativo. Por outro lado, levando-se em conta o seu caráter histórico, cultural e esportivo, espera-se que a modalidade possa ser integrada ao modelo educacional, contemplando não apenas elementos técnicos, mas proporcionando a inclusão dos alunos por meio de ações formativas que busquem atender as dimensões da aprendizagem de acordo com os documentos educacionais oficiais e do contexto escolar onde ela possa ser inserida.
Diante deste cenário, admite-se a possibilidade de que, em futuro próximo, a modalidade ganhe maior respaldo em termos de campo de pesquisa, enquanto atividade física, esporte e lazer, agregando contribuições antropológicas, sociais educativas e de desempenho esportivo, que possam, ainda, suscitar elementos que justifiquem sua prática relacionada a critérios de saúde. Tais evidências colocariam a luta marajoara num patamar de esporte que pode ser seguro, em termos de prevenção, difusão de sua condição de modalidade esportiva de combate e de relevância educacional, enquanto conteúdo de ensino na educação física escolar.
Bibliografia consultada
Assis JWP, Pinto RF., Santos CAS. A Agarrada Marajoara como manifestação de identidade cultural da ilha do Marajó, Pará. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires -Año 16 – n. 157- Junho de 2011.
Antunes MM. Introdução ao Shuaijiao: teoria e prática. São Paulo: Phorte, 2014.
Campos ISL., Borba-Pinheiro CJ., Gouveia JR., A. Morphofunctional characterization of male marajoara wrestlers. Archives of Budo, v. 14, p. 1-5, 2018.
Campos ISL, Borba-Pinheiro CJ, Gouveia A. Modelagem do comportamento técnico da Luta Marajoara: do desempenho ao educacional. R. bras. Ci. e Mov 2019;27(2):209-217.
Seabra, JP., Campos, ISL., Antunes, MM. Luta marajoara: uma perspectiva a partir da percepção do atleta. Revista Valore, Volta Redonda, v.5, e-5024, 2020. Disponível em: https://revistavalore.emnuvens.com.br/valore/article/view/454 Acesso em: 19/09/2020.