29 de dezembro de 2024
Membro do conselho fiscal da FCJ, Cláudio de Almeida é exonerado pelo prefeito de Jaraguá do Sul
Além da perda do cargo, o ex-funcionário da Secretaria de Educação, que é proprietário da Associação de Judô Seido-Kan e sobrinho do presidente da Confederação Brasileira de Judô, terá de devolver ao órgão público o valor recebido acrescido de juros e correção
Hansoku-make
17 de fevereiro de 2019
Por PAULO PINTO I Fotos BUDOPRESS
Curitiba – PR
No segundo semestre de 2017 a Secretaria de Educação de Jaraguá do Sul (SC) recebeu a denúncia de que o professor Cláudio Marcelo de Almeida estaria trabalhando em duas prefeituras nos mesmos dias da semana e horários, algo incompatível, configurando crime contra o erário público.
No dia 6 de janeiro a Budô denunciou a existência de um inquérito instaurado pelo Ministério Público Estadual de Santa Catarina, no qual Sílvio Acácio Borges, presidente da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), e seu sobrinho Cláudio Marcelo de Almeida eram investigados por descumprimento do contrato com a Secretaria de Educação de Guaramirim (SC). Ou seja, o inquérito que envolve os dois professores e dirigentes do judô nacional e catarinense é um desdobramento do processo que resultou na exoneração do membro do conselho fiscal da Federação Catarinense de Judô (FCJ).
Os fatos
Funcionário público de Jaraguá do Sul desde 2002, Cláudio Almeida foi contratado para cumprir a carga horária de 40 horas semanais, ou seja, oito horas diárias.
Por meio de uma denúncia anônima, de que o funcionário estaria trabalhando simultaneamente em outro município, a Prefeitura de Jaraguá do Sul instaurou o inquérito administrativo disciplinar 478/2017, durante o qual apurou os fatos e intimou o acusado a apresentar suas alegações, ou seja, a proceder com sua defesa.
Após examinar os argumentos apresentados por Cláudio e seus vários advogados, a comissão processante decidiu por unanimidade exonerá-lo. Cláudio Marcelo de Almeida é professor de ensino fundamental com licenciatura plena em educação física, com número de matrícula 8.242.
A deliberação final da comissão processante de Jaraguá do Sul foi bastante enfática e dura:
“Restou amplamente comprovado que o indiciado cometeu a infração disciplinar de acumulação remunerada de cargos públicos com incompatibilidade de horários, a qual está capitulada no art. 175 da Lei Complementar Municipal 154/2014. Assim sendo, e comprovada a materialidade e a antijuricidade das infrações cometidas, entendemos ser cabível a penalidade de demissão ao servidor”.
É importante frisar que, além de supostamente dar aulas nos mesmos dias e horários em Jaraguá do Sul e Guaramirim, um dia inteiro por semana o sensei Cláudio dava aulas no Colégio Bom Jesus e diariamente comandava o treino em seu dojô, a Associação Seido-Kan, fundada em 23 de julho de 2001, na qual é sócio do tio, Sílvio Acácio Borges, ex-presidente da FCJ e atual presidente da CBJ.
O relatório apresentado em 2 de maio de 2017 pelo então secretário municipal de Educação de Jaraguá do Sul, Rogério Jung, detalhou as cargas horárias que Cláudio de Almeida estaria cumprindo em ambas as prefeituras, assim como nos demais locais onde o réu exercia atividade profissional.
“O servidor concursado com 20 horas semanais em Guaramirim cumpria a carga de 40 horas semanais na Fundação Municipal de Esportes de Jaraguá do Sul. Exercia atividade de um dia inteiro por semana em outra instituição de ensino, bem como em uma academia”, detalhou Jung.
Em resposta ao inquérito enviado à Prefeitura de Guaramirim, a funcionária pública Diana Mara da Silva, gerente de recursos humanos daquele município, reiterou o vínculo de Cláudio Almeida àquele órgão desde 24 de abril de 2003, e ainda detalhou que em nenhum momento o investigado declarou acumular cargo público em outro município.
Após vários meses de um processo que totaliza 289 páginas, envolvendo mandados de segurança, trocas de informações entre as duas prefeituras e depoimentos de dezenas de testemunhas arroladas em favor e contra o réu, no dia 16 de maio de 2018, por meio da portaria 370/2018, o prefeito de Jaraguá do Sul, Antídio Aleixo Lunelli, exonerou Cláudio Marcelo de Almeida.
Não contente, por meio de seus advogados, o professor Cláudio Marcelo de Almeida protocolou o mandato de segurança número 0301517-83.2018.8.24.0036 contra o prefeito de Jaraguá do Sul, que tramitou na Vara da Fazenda Pública daquele município. Porém, no dia 9 de abril de 2018, a juíza de Direito Cândida Inês Zoellner Brugnoli indeferiu o pedido liminar, tendo em vista que o mesmo não demonstrava a plausibilidade do direito almejado.
Posteriormente, no dia 20 de abril de 2018, o promotor de Justiça do Ministério Publico de Santa Catarina também indeferiu o pedido. “Em estudo ao processado, tenho que o pedido não merece ser atendido. Forte no exposto, manifesto-me pela denegação da ordem buscada através do mesmo”, decidiu o promotor Ricardo Viviani de Souza.
Nepotismo e ilegalidades no comando da FCJ
Ao examinar atentamente as quase 300 páginas do minucioso e bem conduzido processo investigativo elaborado pela comissão processante de Jaraguá do Sul, descobrimos uma série de arbitrariedades e ilicitudes cometidas por Sílvio Acácio Borges, então presidente da Federação Catarinense de Judô.
Entre elas, a mais grave foi a prática de nepotismo ao nomear seu sobrinho Cláudio Almeida membro do conselho fiscal da FCJ, ato gravíssimo proibido nas políticas partidária e esportiva. Até mesmo o artigo 20, caput 2º, dos estatutos da Confederação Brasileira de Judô e Federação Catarinense de Judô corroboram esta alegação: “O cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins até o 2º (segundo) grau ou por adoção, dos ocupantes de cargos eletivos da FCJ, são inelegíveis para cargos”.
O próprio advogado de defesa de Cláudio Almeida anexou aos autos um documento comprobatório, atestando que Sívio Acácio Borges era coordenador de judô de Guaramirim, enquanto seu sobrinho Cláudio Almeida era professor e Rogério Telles, auxiliar.
Da mesma forma, os estatutos da CBJ e da FCJ proíbem este tipo de relação do presidente e membros do conselho fiscal, com as agremiações: “Em sendo o candidato a presidente, vice-presidente ou membro do conselho fiscal da FCJ ocupante de cargo eletivo ou de livre nomeação em qualquer de suas filiadas, depois de eleito, e antes de tomar posse, deverá renunciar expressamente ao cargo ou função antes ocupado”.
Judoca não corrompe e nem é corrompido
O que nos causa espécie e espanto é constatar que não estamos falando de ilícitos praticados por dirigentes esportivos comuns. As inúmeras e graves irregularidades aqui descritas foram praticadas por professores de judô.
Aliás, os crimes, exonerações e investigações do Ministério Público envolvem um professor kodansha shichi-dan (7º dan) e um professor go-dan, gente de alta patente na hierarquia ética, moral e política do judô. Pessoas que deveriam dar exemplo de conduta, lisura e retidão.
É a este tipo de professores que centenas de milhares de famílias brasileiras estão delegando a formação complementar de seus filhos?
Travestidos de judocas, estes senhores costumam esconder-se atrás de princípios como o jita-kyoei e sei-ryoku-zen-yo, mas não praticam o judô de verdade. Estão no judô, mas o judô jamais entrou neles. Caso contrário, não mentiriam, não enganariam, não seriam investigados, processados e exonerados.
O judô tem como alicerce vários princípios filosóficos, criados e definidos pelo shihan Jigoro Kano. Como ele mesmo falou, “o judô Kodokan pode ser resumido como a elevação de uma simples técnica a um princípio de vida”.
Para tristeza e vergonha daqueles que envergam e honram suas faixas pretas, lamentavelmente as pessoas envolvidas nas amoralidades descritas são desprovidas dos princípios amplamente emanados pelo criador do judô.