19 de dezembro de 2024
O exemplo é a melhor forma de ensinar judô
Todos almejam respeito. Um pai de família, um diretor numa empresa, um professor na sala de aula, afinal essa é a base de um bom relacionamento. Mas como conseguir isso?
Por Wagner Vettorazzi
9 de agosto de 2021 / Curitiba (PR)
Parece que, nos dias de hoje, o respeito que sempre veio agregado a princípios e valores foi trocado por situações de medo. Já não temos o respeito do filho, que passa a fazer algo por medo de não ganhar o celular novo, ou dos alunos, que fazem o que o professor pede apenas com medo de não passar de ano.
No judô vemos isso com frequência cada vez maior, principalmente em ambientes de competição, nos quais parece que princípios éticos ligados à filosofia de nossa nobre arte não são mais importantes.
Se o atleta perdeu a luta, todos têm de entender que ele ficou triste, nervoso, e por conta disso sequer fez o ritsu-rei, ou melhor, fez porque o árbitro mandou voltar e fazer. Mas não o fez antes de sair dos tatamis e, pior, sai tirando a faixa e com o judogi aberto, dizendo que está nervoso ou que perdeu porque o árbitro errou.
E não para por aí. Esquece que naquele ambiente há professores de alta graduação, que existe uma hierarquia a ser preservada e respeitada, independentemente daquele seu “problema”, que foi perder a luta. Pior que isso, há crianças assistindo, que provavelmente passarão a fazer o mesmo, principalmente se tal atitude veio de um atleta de alto rendimento competitivo. A menos que sejam avisadas de que aquilo está errado.
Qual é o erro então? O primeiro pensamento – que talvez nem exista mais, porque não vemos atitudes sendo tomadas em relação a isso – é punir o atleta para que ele não repita a atitude, mas não podemos esquecer de que o principal caminho é educar primeiro, para que não seja preciso punir mais adiante.
Só iremos conseguir o respeito daqueles que amamos, daqueles que dirigimos, que ensinamos, se plantarmos esse respeito com as nossas atitudes, que devem servir de exemplo.
“A ética é o conjunto de valores e princípios
que o indivíduo tem como referência para sua conduta na sociedade, enquanto a moral é a prática desses valores e princípios.”
Nós, professores de judô, que nos preocupamos com a formação do ser humano antes da formação do atleta, e que palestramos sobre o jita-kyoei, temos obrigação de agir também de acordo com esse princípio, dando o exemplo para nossos alunos.
Segundo o filósofo Mário Sergio Cortella, “a ética é o conjunto de valores e princípios que o indivíduo tem como referência para sua conduta na sociedade, enquanto a moral é a prática desses valores e princípios”.
Se eu falo para meus alunos da importância de ter valores e princípios para que nos tornemos uma boa pessoa, eticamente os estou orientando de forma adequada, porém, se não ajo segundo essa diretriz, estou indo contra os princípios da boa moral.
Devemos exigir respeito de nossos alunos, mas, primeiro, devemos agir de forma adequada, respeitando a todos, principalmente com nossas atitudes, para que possamos servir de modelo. Não podemos esquecer de que a melhor ferramenta de um professor é o seu próprio exemplo.
Engana-se quem acha que esses exemplos a que me refiro são apenas os de grande vulto, como o da competição citado antes. Aquele é uma consequência da preocupação exacerbada de formar o atleta rapidamente, ignorando o conteúdo mais importante para a formação do judoca, que é a parte ética e moral. Afinal, nada se inicia com grandes passos. É por meio dos pequenos ensinamentos, dos mais simples, que conseguiremos atuar como professores de judô, seguindo o pensamento mais importante deixado por Kano sensei, que é a formação de pessoas que possam fazer a diferença na construção de uma sociedade melhor.
Como esperar que nossos atletas façam os cumprimentos de forma adequada, se nós os fazemos de forma errada ou de qualquer jeito?
Da mesma forma, como ensinar e palestrar sobre a importância dos cumprimentos, se eu, como professor, não faço o ritsu-rei ao entrar e sair do dojô?
Alunos podem fazer aula com ornamentos no corpo, como brinco, pulseira, colar, anel, relógio? Se a resposta for sim, há algo errado. Se a resposta for não, devemos dar o exemplo e nos apresentarmos da mesma forma.
Um professor não pode usar um relógio no punho, justificando que precisa ver as horas durante a aula. Ou pode? No caso positivo, o aluno poderá dizer ou mesmo, ou não? Dizer que usa porque é professor e, portanto, pode piora as coisas ainda mais.
Temos de ensinar pelo exemplo e não pela autoridade. O respeito por meio da autoridade, da graduação e da hierarquia deve ser conquistado, e não banalizado.
Como fazemos para treinar quando o clima está muito frio? Os princípios éticos e filosóficos do judô pedem que estejamos vestidos apenas com o judogi (no caso das mulheres, sempre com uma camiseta branca por baixo do uwagi), mas podemos agir de acordo com o bom-senso e permitir que mesmo os homens treinem com uma roupa por baixo do judogi. Mas que a camiseta seja branca e que suas mangas não ultrapassem as do zubon. Se o professor vier com um moletom preto de capuz (capuz fora do uwagi) estará ensinando isso para seus alunos. Se for usar uma calça por baixo do zubon, não deixe que o comprimento das pernas dessa calça seja maior que as do próprio zubon.
Fora isso, prefiro pensar segundo as palavras do professor Paulo Duarte, que em seu livro A saga de um atleta da vida, diz que o grande judoca é aquele que no inverno desliza sobre o tatami gelado com altivez.
Seguir a cartilha dos ensinamentos e princípios do judô não significa que não possamos usar bom-senso, como no caso de professores idosos que, apesar das dificuldades físicas, ainda se fazem presentes nos tatamis, e às vezes vão usar blusas, meias e até luvas, por conta do frio. Mas eles são exceções que nos remetem a bons exemplos por tudo que já fizeram pelo judô e ainda se permitem fazer. A vida é assim, e isso deve ser ensinado como exceção e não como via normal de conduta.
Bibliografia
NOLTE, Dorothy Law e HARRIS, Rachel. As crianças aprendem o que vivenciam. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. CORTELLA, Mário Sergio. Educação, Convivência e Ética. São Paulo: Cortez, 2015.
DUARTE, Paulo Duarte. A saga de um atleta da vida. São Paulo: Scortecci, 2005.
Wagner Antônio Vettorazzi
É professor kodansha shichi-dan (7º dan); formado em educação física e psicologia;
pós-graduado em educação; diretor técnico da 9ª DRJ ABC; avaliador dos exames de graduação da CBJ.