19 de novembro de 2024
O homem forte do Comitê Olímpico do Brasil
Em mais uma análse brilhante sobre a emaranhada e obscura gestão do COB, o jurista Alberto Murray descreve com detalhes precisos decisões e caminhos que pautam a entidade máxima do esporte nacional.
Por Alberto Murray
12 de setembro de 2023 / Curitiba (PR)
Quando Carlos Arthur Nuzman assumiu o Comitê Olímpico do Brasil (COB) em 1996, depois de um acerto estatutário com André Richer (por quem tenho enorme respeito), um de seus primeiros atos foi convidar-me a integrar a Assembleia Geral do COB. Fez isso por duas razões: queria agradar ao meu avô, presidente de honra e vitalício do COB e membro muito influente do Comitê Olímpico Internacional (COI), e achava que eu era a única pessoa que poderia interferir em seus projetos pessoais nos cenários nacional e internacional. Mesmo ciente disso, aceitei. Até então sempre havíamos tido boas relações e não havia motivos para recusar. Permaneci até 2008, quando expus publicamente minhas críticas à gestão. Vi de perto a transformação do COB. Aos poucos, Nuzman foi afastando aqueles em quem não confiava e trazendo para perto pessoas afinadas com ele. É natural que qualquer um que comande alguma organização queira ter ao seu lado pessoas que partilhem das mesmas ideias.
O ponto é que, modestamente, conheço como poucos como funciona a máquina olímpica brasileira. Aos mais próximos comentava que, passados os Jogos Olímpicos de Tóquio, Wanderley Teixeira iria rifar muita gente e dar ao COB definitivamente a sua cara. Eu achava que a primeira mudança substancial seria no Departamento de Esporte e que, para isso, Wanderley Teixeira afastaria o competente e querido Jorge Bichara. Acertei! Em seguida Wanderley tratou de afastar do núcleo das decisões outras pessoas competentes que estavam ajudando muito o COB.
Quem são os homens de Teixeira?
Paulo Wanderley Teixeira tem três homens de confiança no COB, todos do judô: Rogério Sampaio (brilhante campeão olímpico), Ney Wilson (gestor competente e equilibrado) e Kenji Saito (afilhado de casamento). Independentemente do que diz o organograma do COB, na prática, quem tem mais poder hoje é Kenji Saito.
Quem é Kenji Saito?
Kenji Saito foi coordenador técnico das categorias de base da CBJ entre 2010 e 2014. Algumas pessoas do judô me dizem que a falta de renovação na modalidade passa pelas mãos de Saito. Não tenho nenhuma condição de referendar essa opinião, pois é um assunto que não domino. Kenji chegou ao COB em 2018 para comandar a área de Desenvolvimento Esportivo, criada especialmente para ele. Uma boa aposta para um segmento importante.
Orçamento da área de Kenji Saito
No primeiro ano, o orçamento da área comandada por Saito não chegava a R$ 1 milhão. Para 2023, o orçamento aprovado para o Desenvolvimento Esportivo prevê investimento de R$ 14,4 milhões. Um salto gigantesco. Todo mundo sabe que, em qualquer lugar, orçamento grande é sinônimo de poder.
Até março de 2022, Kenji era gerente da área e subordinado ao experiente e vitorioso Jorge Bichara, então diretor de Esportes. Após a demissão de Bichara, de quem Kenji era sabidamente desafeto, a Diretoria de Esportes foi desmembrada em duas: Desenvolvimento Esportivo, com Kenji Saito alçado ao cargo de diretor; e Alto Rendimento, comandada pelo também experiente gestor Ney Wilson. Ainda que essa informação possa ser desmentida, a verdade é que Ney Wilson e Kenji Saito, desde a época da CBJ, não guardam as melhores relações. No COB, atualmente, pouco se falam (o que é ruim, pois as duas diretorias deveriam caminhar harmonicamente).
Catapultado ao posto de diretor, Kenji Saito ganhou ainda mais espaço e atualmente comanda os seguintes setores do Comitê Olímpico do Brasil:
1) Desenvolvimento Esportivo
2) Laboratório Olímpico
3) CT Maria Lenk
4) Jogos da Juventude
Nenhum outro diretor acumula tantas funções quanto o jovem judoca. Dito isso, relevante observar o que Kenji Saito tem feito em cada setor sob sua responsabilidade.
Desenvolvimento Esportivo
Minha percepção aguçada é que as principais esperanças de medalhas em Paris 2024 são nomes já consagrados: Martine/Kahena (vela), Isaquias Queiroz (canoagem), Rebeca Andrade (ginástica) e Rafaela Silva (judô), os mesmos, levando em consideração que a cada certame olímpico sempre pode aparecer uma surpresa agradável.
Quando a questão da possível falta de renovação vem à tona, Kenji Saito argumenta que faz um trabalho de longo prazo, que não renderá frutos em Paris e sim nos Jogos Olímpicos de 2028 e 2032. Pode ser que Saito esteja certo. Porém, somente daqui a dois ou três ciclos olímpicos teremos resposta, quando ele não estará mais no COB.
Laboratório Olímpico
Kenji Saito demitiu toda a equipe do ciclo olímpico anterior, exceto um profissional. Deixaram seus cargos desde a gerente da área até uma auxiliar administrativa de 73 anos de idade, ainda em recuperação de uma cirurgia. Além disso, foram substituídos diversos profissionais das mais diferentes áreas, incluindo psicologia, nutrição e bioquímica, mas não se limitanto a elas.
Kenji Saito entrou em rota de colisão com a então gerente médica, Ana Carolina Côrte, responsável pela bem-sucedida estratégia de Tóquio 2020, quando o Time Brasil não registrou nenhum caso positivo de Covid-19 em solo japonês. Ana Côrte é quase uma unanimidade entre os atletas do Time Brasil.
Na esteira de tantas mudanças, Saito fez gestões junto ao presidente Wanderley Teixeira para a promoção de Christian Trajano ao cargo de gerente executivo de Ciências do Esporte (na prática, o cargo significa gerenciar o Laboratório Olímpico).
Isso levou Ana Carolina Côrte a pedir seu desligamento do COB (grande perda). Ato contínuo, conseguiu que a promoção de Cristian Trajano (o que já era um desejo de Paulo Wanderley).
Surpreendentemente, com apenas seis meses no novo cargo, Trajano acabou demitido. Ele era amigo de Sandro Teixeira, filho de Paulo Wanderley. Os motivos de sua demissão não foram revelados publicamente. Era comentado que Kenji Saito interferia no trabalho de Trajano e, quando achava ser necessário, subia o tom de voz. Isso gerava animosidade entre ambos. O cargo de Trajano segue vago.
Centro de Treinamento Maria Lenk
Não obstante o local estar em obras e oferecendo menos serviços do que em anos anteriores, o Centro de Treinamento tem recebido mais atletas do que no ciclo passado.
Mas o que se tem notado, clara e comprovadamente, é que a elite do esporte brasileiro não frequenta o Maria Lenk como antes. E muito por conta da piora no nível de serviço, principalmente no Laboratório Olímpico. Atletas e treinadores de ponta, de várias modalidades, vão negar publicamente com medo de retaliações, mas a verdade é que não frequentam mais o Centro de Treinamento por não confiarem nas modificações e no desmantelamento que ele sofreu. Quando há necessidade de organização de uma ação esportiva, quem é acionada é a Diretoria de Alto Rendimento. E, geralmente, as ações ocorrem fora do Rio de Janeiro. Basta recorrer aos documentos para comprovar esse fato.
Para minimizar a situação, Paulo Wanderley tem convidado atletas de passagem pelo Rio a fazerem uma visita de cortesia à sede administrativa do COB.
Neste ciclo olímpico, houve outra mudança de cargo de gerência que merece atenção: Ana Paula Ferreira, gerente do Maria Lenk, também foi demitida. O cargo ficou vago durante meses e, há cerca de três semanas, o COB anunciou a abertura de um processo seletivo para a vaga de supervisor do CT. Fique de olho.
Jogos da Juventude
Em 2018, mesmo sem participar diretamente da organização do evento, Kenji esteve na cidade de Natal, munido de todo poder e confiança que lhe eram confiados pelo presidente do COB.
No ano seguinte, André Mattos, que organizava o evento há dez anos, foi demitido.
As edições de 2020 e 2021 foram canceladas por conta da pandemia, ainda que Kenji fosse contrário. Partiu de Saito, ainda, a ideia de mudar o nome do evento de Jogos Escolares da Juventude para Jogos da Juventude e de tirar o braço-direito de André Mattos na organização, assumindo ele próprio, de vez, o comando da competição.
“Kenji Saito demitiu toda a equipe do ciclo olímpico anterior, exceto um profissional. Deixaram seus cargos, desde a gerente da área, até uma auxiliar administrativa de 73 anos de idade.”
Em 2023, foi também Kenji Saito que decidiu excluir o futsal do programa dos jogos e viu o COB ser duramente criticado por toda a comunidade esportiva. A decisão virou uma crise institucional e, mesmo sendo voto vencido perante os demais diretores, Kenji Saito convenceu o presidente a realizar a mudança.
Em hipótese alguma quero fazer juízo de valor se Kenji Saito já está preparado para ocupar responsabilidades tão vastas. Também não quero avaliar se suas determinações têm sido corretas. Essa análise cabe às confederações e, ao final, aos atletas, que são a única razão disso tudo existir.
Há quem goste e quem não goste. Ao longo desse tempo, Kenji Saito tem sido alvo de denúncias no Canal de Ouvidoria e Ética do COB. Mas as denúncias contra ele não avançam junto ao diretor de Compliance, que deve estar fazendo corretamente o seu trabalho.
A intenção deste artigo é apenas enfatizar que, hoje, o homem forte do COB é Kenji Saito. E eu sigo observando e acreditando na beleza olímpica do esporte. Reunindo informações e documentos que me fazem ter, talvez, o maior e mais detalhado arquivo olímpico do País. Alguns deles faço públicos, para que sirvam de base para estudos. Outros revelei em duas ocasiões, que foram estritamente necessárias e que, de certa forma, mudaram os rumos do esporte do Brasil.
Alberto Murray Neto é graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
e pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de Toronto, Canadá.
Foi árbitro da Corte Arbitral do Esporte (CAS), membro da Assembleia Geral do COB
de 1996 a 2008 e presidente do Conselho de Ética do COB de 2018 a 2020.