14 de setembro de 2025

Este excelente artigo de Gabriel Sestrem, publicado na Gazeta do Povo, mostra de forma clara e envolvente como o jiu-jitsu transcende a prática esportiva para se tornar uma verdadeira escola de vida. Ao narrar a transformação de Mark Zuckerberg e relacionar essa experiência com os benefícios físicos, emocionais e familiares da modalidade, o autor apresenta um olhar profundo sobre como o tatami pode forjar não apenas atletas, mas homens mais equilibrados, pais mais presentes e maridos mais conscientes.
Quem viu Mark Zuckerberg depondo em uma audiência no Senado dos Estados Unidos em abril de 2018 provavelmente não reconheceria o Zuckerberg de hoje.
Pálido e acuado, o dono da Meta repetia um roteiro ensaiado dizendo apenas o que os senadores queriam ouvir. Visivelmente desconfortável, parecia evitar qualquer possibilidade de conflito enquanto revelava ser um fantoche. Inautêntico e engessado.
Mas algo aconteceu ao longo da pandemia que transformou profundamente o velho Mark: o empresário começou a praticar jiu-jitsu. De lá para cá, seguidas vezes ele expressou o tamanho da mudança interior que a arte marcial o trouxe. “Desde o primeiro treino que fiz, cinco minutos depois, eu pensei: ‘Onde estava isso durante toda a minha vida?’”, disse ele no podcast Joe Rogan Experience em 2022.
Em janeiro deste ano, Zuckerberg fez o anúncio mais polêmico de sua trajetória: deu as caras para anunciar que garantiria mais liberdade de expressão em todas as plataformas do seu grupo. Claro, convicto, com tom de voz firme e, acima de tudo, autêntico. Fiel às suas convicções e pronto para aceitar a pressão sem precedentes que viria de todos os lados. Abaixo tento explicar o que aconteceu na mente do novo Mark Zuckerberg.
O que houve com o dono da Meta é algo muito comum entre praticantes de jiu-jitsu. A arte marcial traz uma combinação única de desafios à mente e ao corpo que fortalece todos os aspectos da vida – principalmente o emocional.
Meu receio ao escrever esse artigo é que você, leitor, pense que estou “puxando a sardinha” para o meu lado porque, de fato, sou entusiasta do jiu-jitsu. Mas já tive a oportunidade de praticar outras artes marciais, algumas por anos, e conheço muita gente que além do jiu-jitsu treina outras modalidades.
Obviamente toda arte marcial traz um pacote de benefícios, como disciplina, condicionamento físico, defesa pessoal e por aí vai. Mas o que sempre foi praxe entre praticantes de jiu-jitsu e que agora pesquisas (como esta, do National Library of Medicine) passaram a confirmar, é que os ganhos mentais e emocionais da modalidade estão muito acima da questão meramente física.
Isso tem uma explicação: ao contrário de lutas com golpes traumáticos, o jiu-jitsu não tem socos, chutes e cotoveladas, mas sim imobilizações, estrangulamentos, alavancas e chaves articulares capazes de subjugar alguém com o dobro do seu peso. Mas um ataque, dentro do jiu-jitsu, é encerrado imediatamente com os famosos três tapinhas da desistência. Se você não for orgulhoso, vai acusar o golpe antes que isso cause qualquer dano.
O resultado é que ao final de todo treino, após o ensino das técnicas, sempre há combates entre os oponentes, com baixo risco de alguém sair machucado. Afinal, a maioria das pessoas que trabalham o dia todo e ao final precisam estar bem para cuidar da família terão dificuldades em participar de combates com chutes, socos e joelhadas que deixarão no mínimo alguns hematomas doloridos nos dias seguintes.
E é aí que mora o grande segredo do jiu-jitsu: combates recorrentes com baixo risco de lesão permitem o desenvolvimento de um amplo leque de competências emocionais.
É importante dizer que apesar de não haver socos, chutes e etc., o jiu-jitsu é uma das lutas mais exigentes e desafiadoras que existem. Você pode passar uma vida toda treinando e não conhecerá (ou não dominará a execução) todos os movimentos existentes. Além disso, o desgaste físico é enorme.
O primeiro resultado da exposição recorrente ao combate sem golpes traumáticos é que você deixa toda a sua raiva e agressividade no tatami. Sabe aquele cara que vive gritando com a família, criando confusão no trânsito, tratando todos com grosseria? Ele vai passar a desfrutar naturalmente do controle da agressividade, porque naqueles combates irá extravasar boa parte da sua ansiedade e do seu estresse – sem se machucar e sem machucar o parceiro de treino.
O jiu-jitsu também é um precioso remédio para homens sem posicionamento, tímidos demais, receosos de tudo. Isso é péssimo para um pai, porque os filhos inevitavelmente absorvem parte desses comportamentos. Hélio Gracie, um dos fundadores do Brazilian Jiu-Jitsu (BJJ), enfatizava que a filosofia da modalidade era permitir que uma pessoa menor ou mais fraca pudesse se defender e até dominar alguém maior ou mais forte, usando técnica em vez de força bruta.
Isso faz toda a diferença para o desenvolvimento da autoconfiança. Quem pisa no tatami pela primeira vez não sabe nada, mas com poucos meses sem dúvidas vai conseguir finalizar (forçar o oponente a desistir aplicando uma chave ou estrangulamento) um parceiro de treino pela primeira vez, e depois outro e mais outro, até que isso vire uma rotina. E é aí que sua postura muda, porque entende que não é incapaz, nem fraco. Você passa a conhecer sua força e a entender que em todas as áreas da vida se empregar a técnica certa, vai ter resultados.
No jiu-jitsu também é muito comum estar em situações desconfortáveis, com seu oponente avançando em posições de ataque. Às vezes você é mais leve e menos técnico, e estar em uma situação desvantajosa pode gerar um certo pânico nas primeiras vezes. E esse é o pulo do gato. A psicologia comportamental ensina que expor-se aos medos de forma controlada é uma das formas mais eficazes de vencê-los. Quando se persiste, respira e passa a usar o aspecto racional – e não o emocional, de medo e desespero – para sair de uma posição desconfortável, você descobre um tesouro para toda a vida.
Tem um problema financeiro? Problema no casamento, na sua empresa, na sua saúde…? Respire e aja racionalmente para identificar e executar as possíveis saídas, e as chances de dar a volta por cima aumentam consideravelmente. Em outras palavras, o tatami ensina a viver sob pressão sem esmorecer.
Não posso deixar de falar do remédio para o ego. Há aqueles que chegam ao tatami pela primeira vez com o nariz empinado. Mas não é só no tatami – são pessoas orgulhosas e altivas em tudo. O jiu-jitsu ensina que mesmo que você seja um fisiculturista de 120 kg, o magrinho de 70 kg que treina há mais tempo vai finalizá-lo em poucos segundos.
Entender que mesmo com sua evolução nos treinos, sempre haverá alguém melhor que você, e que vai te obrigar a dar os três tapinhas, faz com que seu orgulho desça ao nível adequado. Uma das lições mais preciosas do tatami é: nem de cabeça baixa, nem de nariz em pé!
Esses são apenas alguns dos benefícios do jiu-jitsu para sua vida pessoal, profissional e familiar. Isso sem contar o aumento da testosterona (que é essencial), o conhecimento de uma defesa pessoal altamente efetiva, o aprendizado sobre o respeito às mulheres (se alguém quiser se aproveitar maliciosamente do contato físico próprio do jiu-jitsu com uma mulher, isso será rapidamente percebido pelo professor e pelos colegas, que lhe mostrarão o caminho da rua), além do próprio condicionamento físico, essencial para que você esteja bem para cuidar da sua família.
Uma última consideração: obviamente tudo aqui se aplica também a mulheres. Destaquei o público masculino porque é o foco desta coluna, mas já falei em outras ocasiões sobre a importância de meninas e mulheres praticarem jiu-jitsu.
Por fim, se puder resumir tudo em um parágrafo, seria: o jiu-jitsu oferece a cada um a oportunidade de se desenvolver naquilo que tem carência. Quem tem baixa autoestima, passa a se valorizar. Quem é inseguro, aprende a erguer a cabeça para a vida. Quem é irritado, aprende o autocontrole. Quem é passivo, aprende a ser pró-ativo. Quem é orgulhoso, aprende a dominar o ego. Quem é desrespeitoso, aprende a respeitar. E, claro, não é só o praticante que desfruta dos benefícios, mas todos os que convivem junto, em especial sua esposa e seus filhos.
Se puder, faça um treino em uma boa academia, com um bom professor, e depois me conte o que achou. Acredite: você vai perceber a mudança em pouco tempo se não desistir.
14 de setembro de 2025
12 de setembro de 2025
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