O Torneio Beneméritos e sua importância na cultura das disputas por equipes no Brasil

Saudação inicial em luta por equipes mistas no Pan-Americano e Oceania Cadete de 2024 © Judô Peru

Em sua 56ª edição, o Torneio Beneméritos do Judô do Brasil reafirma sua posição como um dos pilares do judô nacional e nascedouro da tradição brasileira nas disputas por equipes.

Por Paulo Pinto / Global Sports
Curitiba, 20 de maio de 2025

Com apoio da Secretaria de Esporte e Lazer da Prefeitura de Itapecerica da Serra, a Federação Paulista de Judô (FPJudô) realizou neste fim de semana a 56ª edição do Torneio Beneméritos de Judô do Brasil, a mais antiga e tradicional competição por equipes do judô verde e amarelo.

Criado em 1968, ainda na gestão do professor kodansha Katsuhiro Naito, o Torneio Beneméritos tem como peculiaridade reverenciar os antepassados do judô. Uma iniciativa visionária de um dirigente que entendia, com clareza, que um povo sem memória é um povo sem história. Por isso, a cada edição, o mais tradicional torneio por equipes do Brasil presta homenagem a professores pioneiros da modalidade, entregando aos campeões de cada classe troféus que levam o nome de grandes mestres e beneméritos.

Registro histórico da equipe carioca do Sport Club Mackenzie no Torneio Beneméritos do Judô do Brasil, nos anos 1970, com destaque para Alfredo Gonçalves Dornelles, ícone do judô nacional, e para o lendário sensei Geraldo de Moraes Bernardes — um dos maiores formadores do Brasil, erguendo a taça de campeão. Completam a formação César Cruz Gonçalves (in memoriam), Marco Emiliano, Josino Filgueiras Lima Moreira Filho, Adolfo Cruz Gonçalves e Júlio César Avena © Arquivo

Entre os homenageados estão nomes que moldaram a história do judô no Brasil: Tatsuo Okoshi, Nobuo Suga, Ikuo Onodera, Matheus Sugizaki, Messias Rodarte Correa, Edgar Ozon, Lhofei Shiozawa, Mário Katsumi Matsuda, Mozumo Abe, Sérgio Adib Bahi, Fuyuo Oide, Yasuichi Ono, Katsutoshi Naito, Ryuzo Ogawa, Seisetsu Fukaia, Sobei Tani, Tokuo Terazaki e Francisco de Carvalho Filho, entre outros.

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Professores destacam a relevância histórica do Torneio Beneméritos

Ao longo da última década, a Revista Budô colheu depoimentos de inúmeros professores e técnicos que participaram da competição. Cada um, à sua maneira, reconheceu o papel histórico e simbólico do evento.

Para o professor kodansha 8º dan Sadao Fleming Mulero, o ponto alto do Torneio Beneméritos são justamente as homenagens aos precursores e antecessores.

“O fato marcante deste evento é lembrar e reverenciar nossos antepassados, os professores que trabalharam pelo desenvolvimento do judô do Brasil. Muitos deles formaram excelentes faixas-pretas, que hoje atuam nas mais diversas áreas da atividade humana. Não podemos esquecer o trabalho já feito por mestres como Ogawa, Ono, Kihara e Okoshi, entre tantos outros.”

Seleção brasileira conquista a prata no primeiro Campeonato Mundial por Equipes Mistas, em Budapeste 2017, após uma final memorável contra o poderoso Japão — um marco inesquecível na história do judô nacional © Global Sports

Na edição de 2018, realizada em Mogi das Cruzes, o técnico argentino bonaerense Ignacio Narváez destacou a tradição e o acolhimento dos judocas paulistas em um evento que transcende fronteiras.

“Vir ao Beneméritos era um projeto antigo. Fui atleta e sempre soube da tradição do judô paulista. Na Argentina, todos reconhecem que aqui está o melhor judô das Américas. O ponto alto da disputa foi o elevado nível técnico, mas, no campo pessoal, me marcaram a hospitalidade e o carinho de todos, desde os dirigentes aos atletas iniciantes. Foi uma experiência fantástica e inesquecível.”

José Antônio Jantália, ex-vice-presidente da FPJudô e atual mestre de cerimônias da entidade, reforçou: “Um dos principais objetivos do Beneméritos é homenagear os precursores da modalidade. São eles que pavimentaram o caminho que hoje trilhamos. Nossa história precisa ser lembrada constantemente, pois, do contrário, ela se perde — e, com ela, perdemos também a nossa identidade como comunidade, como federação e como judocas comprometidos com o verdadeiro espírito do budô.”

Durante o Benemérito de 1975 em significativa homenagem a FPJudô fez a entrega de faixas a vários novos professores kodanshas. Na foto o sensei Seisetsu Fukaia, membro da Comissão Nacional de Graus e responsável técnico pelo departamento de judô do Esporte Clube Pinheiros, entrega o roku-dan ao professor Tadao Tsukiyama, observado pelo então presidente Sérgio Adib Bahi e Fuyuo Oide o primeiro sensei do Brasil a conquistar o kyuu-dan (9º dan) © Arquivo

Alessandro Puglia, ex-presidente da Federação Paulista de Judô, também reforçou o valor histórico do torneio. “Quando eu era jovem, nos preparávamos por meses para essa disputa. Era uma competição aguardada em todo o Brasil, reunindo as principais escolas do Rio de Janeiro, Brasília, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Em 2019, último ano antes da pandemia, tivemos 102 agremiações inscritas. Os grandes nomes do judô paulista passaram por este evento. Por isso, estamos relutantes em mudar o formato — justamente para preservar essa tradição.”

Memória viva: a geração dos anos 1980

Ao ver uma foto postada por Raul Senra, o lendário mestre Marco Antônio Barbosa, o Barbosinha, ícone do jiu-jitsu, fez questão de relembrar sua conexão com o Beneméritos.

Equipe sênior da Associação de Judô Bastos de 1986 no Torneio Beneméritos composta por Yugo Sasaki, Marcos Barbosa, Washington Donomai, Omar Miquinioty, Raul Senra, Uichiro Umakakeba e Ricardo Nascimento © Arquivo

“Aquela foto é emocionante para mim como atleta, professor e cidadão. Era 1986, e só quem viveu sabe o que essa competição representava. Formávamos a equipe da Associação de Judô Bastos e fomos terceiro colocados, atrás de potências. O que me orgulha até hoje é que lutei ao lado do meu primeiro professor, Omar Miquinioty, e com meu pai no judô, o sensei Uishiro Umakakeba. Ainda compuseram a equipe gigantes como Yugo Sasaki, Washington Donomai, Raul Senra Bisneto e Ricardo Nascimento.”

A imagem acima foi registrada durante a 18ª edição do Torneio Beneméritos, em 1986, no Ginásio do Ibirapuera. Naquela ocasião, a equipe campeã foi a Associação Desportiva Guarulhos, que tinha entre seus atletas o meio-pesado Aurélio Fernandes Miguel, e o vice-campeão foi o Esporte Clube Pinheiros.

O passado inspira o presente

O professor Paulo Roberto Duarte, um dos técnicos formadores mais vitoriosos da história olímpica brasileira, lembrou com nostalgia da disputa pelo Troféu Tatsuo Okoshi.

Seleção Brasileira celebra o título no Campeonato Pan-Americano e Oceania de Judô por equipes mistas 2025 © Kulumbegashvili Tamara / FIJ

“Por muitos anos, o Beneméritos foi o principal torneio por equipes do País. Os melhores times do país lutavam com fervor por essa taça. Com o tempo, o evento perdeu parte de seu glamour, mas ainda é inspirador. Espero que a FPJudô consiga resgatar o peso que ele merece.”

Para Joji Kimura, o diferencial está no espírito coletivo. “A vibração das arquibancadas é única. Torneios individuais não têm esse carisma. Quando colocamos o trabalho em equipe no centro, valores como união e comprometimento surgem naturalmente. Isso motiva os atletas e transforma o torneio.”

Equipe do Lapa Judô Clube, pentacampeã do Torneio Beneméritos na década de 1970, formada por Carlos Eduardo Mota (Tico), Daniel Carreira Filho, Arnaldo Menani, Sérgio Oide e Coreano © Arquivo

Marco Aurélio Moura, técnico da Associação Desportiva Moura de Mato Grosso do Sul, destacou o valor técnico da competição. “Disputei quatro edições como atleta e agora conquistamos o título no Sub 18, além de outros pódios. O intercâmbio aqui é imenso. Vale cada esforço, pois o aprendizado proporcionado por essa disputa é incomparável.”

Cléber do Carmo, delegado regional da 12ª Delegacia Mogiana, acompanha o Torneio Beneméritos desde os seus tempos de atleta. Hoje, como gestor, ele vê no evento um patrimônio estratégico para o judô brasileiro.

“O Beneméritos não é apenas uma competição: ele moldou o nosso jeito de lutar em equipe. Durante décadas, foi o principal laboratório tático, técnico e emocional para o desenvolvimento de atletas que aprenderam a competir pelo grupo, e não apenas por si. No Brasil, essa mentalidade coletiva — hoje indispensável nas disputas mistas internacionais — nasceu aqui, no Beneméritos. É por isso que, se queremos continuar vencendo lá fora, precisamos valorizar o que temos de mais genuíno nesta modalidade de disputa — aqui dentro.”

Seleção Brasileira que enfrentou o Japão na final histórica do primeiro Campeonato Mundial de Judô por Equipes Mistas, em Budapeste 2017. Rafael Silva, Maria Suelen Altheman, Victor Penalber, Maria Portela, Eduardo Katsuhiro e Rafaela Silva. No banco estavam Érika Miranda, Beatriz Souza, Marcelo Contini, Eduardo Bettoni e David Moura © Global Sports

Legado e continuidade

Referência nacional no judô, o professor kodansha hachi-dan (8º dan) Alfredo Gonçalves Dornelles, que em 2019 comandava a base do Minas Tênis Clube, viu no Torneio Beneméritos um divisor de águas em sua trajetória. Desde os anos 1970, quando ainda era criança, ele participa da competição, que considera fundamental para sua formação técnica e humana.

“O Torneio Beneméritos do Judô do Brasil remonta à minha infância e foi uma das primeiras grandes referências que tive no mundo das competições. Naquela época, não havia limite de peso nas categorias — o que tornava os combates ainda mais desafiadores e formativos. O Beneméritos foi determinante no meu crescimento técnico, emocional e humano, tanto como atleta quanto como treinador. Ao longo de décadas, esse torneio ensinou valores que vão muito além da vitória: união, respeito, sacrifício pelo grupo. Até hoje o considero um torneio imperdível, porque preserva e estimula o verdadeiro espírito de equipe — que é a alma do judô coletivo e uma das experiências mais ricas e transformadoras do judô brasileiro.”

Seleção brasileira medalhista de bronze no Campeonato Mundial Cadete 2024 © Kulumbegashvili Tamara / FIJ

Vice-presidente da Federação Paulista de Judô e um dos principais guardiões do legado técnico e filosófico da família Ogawa, o professor kodansha hachi-dan (8º dan) Osvaldo Hatiro Ogawa destacou o que torna o Beneméritos uma experiência única.

“O diferencial desta competição é que ela exige mais do que performance individual. Uma equipe sem união, sem entrega coletiva, não sobrevive no Beneméritos. Aqui, é o espírito de grupo que determina quem avança e quem fica pelo caminho.”

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Compromisso com a tradição

Após a realização da 56ª edição, a primeira sob sua presidência, Henrique Carlos Serra Azul Guimarães reafirmou o compromisso de sua gestão com a modernização do judô paulista, sempre aliada ao respeito pela história da modalidade.

“Manter viva a chama do Torneio Beneméritos do Brasil é um dever. Este evento simboliza a memória do judô paulista e precisa estar conectado com o futuro. Nosso desafio é modernizar a competição sem jamais abrir mão de sua essência e dos valores deixados por seus idealizadores.”

Beneméritos e o cenário internacional

O professor Raul Senra Bisneto fez uma reflexão estratégica sobre o certame. “O Beneméritos foi o principal fomentador da cultura de disputas por equipes no Brasil. Hoje, vivemos a era das equipes mistas. Conquistamos a prata em Budapeste 2017, bronzes em Tóquio 2019, Budapeste 2021 e os Jogos de Paris 2024. Vencemos os Pan-Americanos Sub 18, Sub 21 e Sênior. Somos, sim, uma potência mundial nesse formato de disputa.”

Premiação do Beneméritos nos anos 1990 © Arquivo

Para Senra, no entanto, a adaptação deve vir com equilíbrio. “Devemos estudar uma forma de incluir as equipes mistas no Beneméritos, especialmente nas categorias de cima. Mas isso não significa aposentar o formato original, que em 2028 completará 60 anos de história.”

“O Torneio Beneméritos é, acima de tudo, uma lição de pertencimento. Cada vez que uma equipe entra unida no dojô, a vibração da torcida e cada ponto conquistado com espírito coletivo mantêm viva a chama que nos trouxe até aqui. É possível evoluir e incorporar novas formas de disputa, como as equipes mistas, sem jamais abandonar a essência que fez deste torneio uma referência no País. O Beneméritos não é apenas tradição — é parte intrínseca da identidade do judô brasileiro, e os resultados no cenário internacional são prova disso.”

Outra pérola do Beneméritos e da equipe campeã do Beneméritos de 1973, o Lapa Judô Clube do sensei Fuyuo Oide © Arquivo

Campeões da edição 2025

SUB 12 FEMININO – Troféu Sensei Antônio Luis Marques Filho
Associação de Judô Vila Josefina

SUB 15 FEMININO – Troféu Sensei Takeshi Nitsuma
Sociedade Esportiva Palmeiras

VETERANOS MASCULINO – Troféu Sensei Shuhei Okano
Secretaria de Esporte e Lazer de Jandira

SUB 11 MASCULINO – Troféu Sensei Marco Antônio Bioto
Associação de Judô Vila Josefina

SUB 13 MASCULINO – Troféu Sensei Francisco de Carvalho Filho
Associação de Judô Chibana

SUB 15 MASCULINO – Troféu Sensei Jarbas Takashi Ono
Centro de Treinamento Físico Thiago Cachoni

SUB 18 MASCULINO – Troféu Sensei Fábio de Almeida Feltrim
Sociedade Esportiva Palmeiras

SUB 21 MASCULINO – Troféu Sensei Massao Shinohara
Associação Desportiva São Bernardo

SÊNIOR MASCULINO – Troféu Sensei Luiz Yoshio Onmura
São Paulo Futebol Clube

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