Os caminhos que fizeram do Brasil a maior potência do judô na América

Eduarda Bastos coloca a medalha de ouro no presidente da CBJ, Paulo Wanderley, em gesto que traduz a sintonia e o compromisso entre dirigentes e atletas na construção do futuro do judô brasileiro © Alexandre Loureiro / CBJ

Por trás dos 12 ouros e 100% de aproveitamento, uma engrenagem que combina tradição, planejamento estratégico e talento espalhado pelos 27 estados revela os caminhos que levaram o Brasil ao topo do judô continental.

Por Paulo Pinto / Global Sports
Curitiba, 13 de agosto de 2025

Com 100% de aproveitamento e uma hegemonia que se estende há décadas, o judô brasileiro deixou Assunção, sede dos Jogos Pan-Americanos Júnior 2025, com um recado claro: não há rival à altura no continente.

Mas o segredo desse domínio não está apenas na técnica apurada. Ele se construiu sobre pilares históricos, gestão estratégica e a dedicação quase monástica de professores formadores e atletas.

Raízes históricas e a construção de uma escola vencedora

A história começa no início do século XX, com a chegada dos imigrantes japoneses ao Brasil e a fundação dos primeiros dojôs no interior paulista. Dessa base simples — tatamis de palha e telhados de sapê — nasceu a escola brasileira de judô.

Erika Miranda comandou a equipe feminina com a experiência de quem acumula três pratas e quatro bronzes em campeonatos mundiais, além de um ouro e duas pratas nos Jogos Pan-Americanos © Alexandre Loureiro / CBJ

A institucionalização veio em 1958, com a fundação da Federação Paulista de Judô, e se consolidou em 1969 com a criação da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), que passou a difundir a modalidade de forma organizada pelo país.

Expansão nacional e diversidade regional

Ao longo das últimas décadas, a CBJ descentralizou o desenvolvimento da modalidade. Hoje, talentos surgem em todos os 27 estados e no Distrito Federal, vindos tanto de clubes tradicionais como Pinheiros, Sogipa, Minas Tênis e Paineiras do Morumby, quanto de projetos sociais em comunidades.

A delegação que brilhou em Assunção contou com atletas do Amazonas, Paraíba, Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Brasília, Rio de Janeiro e Espírito Santo — prova de que o judô brasileiro é homogêneo e democrático.

Dedicação total: sacrifício invisível

Ser judoca de rendimento é, em qualquer lugar do mundo, um ato de renúncia. Além dos treinos técnicos e físicos diários, há um trabalho contínuo de preparação psicológica e um foco absoluto no caminho — o dô. Fins de semana, festas e a vida social comum ficam em segundo plano, substituídos por uma rotina rigorosa e meticulosamente planejada.

Time Brasil celebra o título por equipes mistas e a campanha histórica no Pan Júnior de Assunção 2025, reunindo atletas, comissão técnica e o presidente da CBJ, Paulo Wanderley © Alexandre Loureiro / CBJ

No Brasil, essa entrega é potencializada por uma rede de professores abnegados, que, muitas vezes longe dos holofotes, dedicam suas vidas a lapidar talentos desde a base. São eles que incutem disciplina, valores éticos e fundamentos técnicos, preparando os jovens para suportar a pressão, manter a constância e alcançar o mais alto nível. É um verdadeiro sacerdócio esportivo, e essa simbiose entre a dedicação dos atletas e o compromisso de seus formadores explica, em grande parte, a consistência e a hegemonia da seleção verde e amarela.

O vetor social

Projetos sociais espalhados pelo país usam o judô como ferramenta de transformação e inclusão. Um dos maiores exemplos dessa força é Rafaela Lopes Silva, nascida no Rio de Janeiro em 24 de abril de 1992, que saiu de um tatami comunitário para se tornar a judoca mais laureada da história do Brasil.

Sua coleção de conquistas é impressionante:

  • Jogos Olímpicos: ouro na Rio 2016 e bronze em Paris 2024;
  • Campeonatos Mundiais: sete medalhas, sendo dois ouros (Rio de Janeiro 2013 e Tashkent 2022), três pratas (Paris 2011, Rio de Janeiro 2013 e Budapeste 2017, por equipes) e dois bronzes (Tóquio 2019, no peso leve, e também por equipes mistas).

Com um currículo que nenhum outro judoca brasileiro — homem ou mulher — alcançou, Rafaela é prova viva de como o judô pode transformar vidas, revelar talentos e projetar o Brasil ao mais alto nível do esporte mundial. Seu exemplo sintetiza o impacto dos projetos sociais quando aliados a uma estrutura formativa sólida e a uma gestão esportiva estratégica.

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A visão estratégica e a gestão integrativa

O salto de qualidade que elevou o judô brasileiro ao grupo das maiores potências mundiais não aconteceu por acaso. A base dessa transformação começou a ser construída no passado, sob a liderança de Paulo Wanderley, quando uma visão inovadora de gestão integrou planejamento técnico, estrutura organizacional e fortalecimento institucional. Esse modelo — que aproximou técnicos, atletas, dirigentes e patrocinadores — modernizou processos, ampliou a captação de recursos e projetou o judô nacional a um patamar inédito.

Integrantes da equipe mista do Brasil comemoram no shiai-jô a conquista do ouro que fechou com chave de ouro a participação brasileira em Assunção © Alexandre Loureiro / CBJ

Hoje, após quase uma década à frente do Comitê Olímpico do Brasil, de volta ao comando da CBJ, ele conduz a modalidade com ainda mais experiência e visão estratégica, consolidando um sistema que é referência no esporte brasileiro e respeitado em todo o continente.

Quatro pilares sustentam essa governança: planejamento estratégico, compliance e código de ética, transparência e regulamentação esportiva. Programas como o Avança Judô e o Educação CBJ estruturam a formação continuada de treinadores e a expansão da base.

Gigante também em números

O Brasil ostenta, com ampla vantagem, o maior contingente de praticantes de judô do planeta. Estima-se que cerca de 2 milhões de brasileiros estejam envolvidos na modalidade, entre atletas federados, participantes de projetos sociais, clubes, academias e escolas do ensino fundamental. Essa massa crítica impressiona não apenas pela quantidade, mas pelo alcance geográfico e pela diversidade social, refletindo uma rede sólida de formação que vai do alto rendimento à iniciação esportiva.

Com larga experiência, Douglas Potrich conduziu a equipe masculina em Assunção com precisão, assegurando que o Brasil mantivesse 100% de aproveitamento © Alexandre Loureiro / CBJ

Para efeito de comparação, a França — considerada a maior potência do judô fora da Ásia — conta com aproximadamente 600 mil judocas federados e ativos, enquanto o Japão, berço da modalidade e referência histórica, registra hoje cerca de 122 mil atletas federados. Esses números evidenciam a força do Brasil não apenas como potência competitiva, mas também como polo global de popularização e desenvolvimento do judô, capaz de manter uma base gigantesca que alimenta continuamente suas seleções e renova gerações de campeões.

Da hegemonia continental ao palco global

De forma arrasadora, os 14 judocas que compuseram a equipe brasileira em Assunção subiram ao pódio em todas as categorias individuais, totalizando 11 medalhas de ouro, uma de prata e duas de bronze. Foram vitórias expressivas sobre potências tradicionais do continente, como Colômbia, Equador, Estados Unidos e Cuba, com presença em 12 das 14 finais e aproveitamento quase absoluto nas disputas pelo ouro.

A campanha se encerrou com chave de ouro na prova por equipes mistas, na qual o Brasil venceu Estados Unidos, Colômbia e Cuba, conquistando mais um título e fechando sua participação com 12 ouros em 15 disputas. Esse desempenho confirma não apenas a liderança isolada no quadro de medalhas, mas também a consistência e profundidade técnica da escola brasileira de judô.

O presidente da CBJ acompanhou de perto todos os momentos da equipe em Assunção © Alexandre Loureiro / CBJ

Desde que encerrou a supremacia cubana nos Jogos Pan-Americanos de 2003, em Santo Domingo, o Brasil não apenas manteve como ampliou sua liderança na América. Hoje, figura entre as cinco maiores potências do mundo, atrás apenas de Japão, França, Geórgia e Itália. A performance em Assunção comprova que a estrutura construída ao longo de décadas pela CBJ é sólida, sustentável e capaz de transformar hegemonia regional em resultados ainda mais consistentes no cenário global.

Estrutura robusta

Para ser o gigante da América, foi preciso que, num passado ainda recente, dirigentes pensassem grande e montassem uma estrutura robusta, conectando a tradição à modernidade. Essa engrenagem, que une história, gestão estratégica e dedicação plena dos atletas, é hoje referência de excelência no esporte nacional e um modelo que começa a inspirar outras modalidades no continente.

Ao lado dos medalhistas, Paulo Wanderley encerra a campanha celebrando a coesão entre gestão e o time campeão em Assunção © Alexandre Loureiro / CBJ

A campanha em Assunção não foi apenas uma sequência de vitórias — foi a confirmação de que o judô brasileiro alcançou um patamar de excelência sustentável. O ouro por equipes não foi apenas a última medalha em Assunção — foi o selo de excelência de um projeto construído com visão estratégica, gestão moderna e raízes históricas profundas. No continente, o Brasil não é apenas o país a ser batido no judô. É a referência, o modelo e, para muitos, a inspiração!

O Brasil não é apenas o gigante da América; é uma potência que projeta sua força para além das fronteiras continentais, pronta para transformar domínio regional em protagonismo mundial. Assunção 2025 ficará na história como o momento em que o país mostrou, de forma incontestável, que o futuro do judô no cenário internacional passa, inevitavelmente, pelo verde e amarelo.

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