Para Shuhei Okano, o verdadeiro judoca deve dedicar-se ao desenvolvimento humano

Shuhei Okano durante o encontro de kodanshas e lideranças realizado em São Paulo

Atuando na base a no alto rendimento do judô brasileiro há 52 anos, o professor kodansha (9º dan) nos aproximou do Japão e ajudou a escrever a história do judô de São Paulo e do Brasil

Kodanshas do Brasil
08/04/2018
Por PAULO PINTO I Fotos BUDÔPRESS
São Paulo – SP

Nascido em 20 de janeiro de 1938, em Hokkaido, graduado em Direito pela Universidade de Thu, em Tóquio, Shuhei Okano é um judoca japonês educado e formado sob os preceitos e costumes da Ásia Oriental. Aos 28 anos emigrou para o Brasil e mergulhou na vida e nos costumes de um País tropical, eminentemente cristão e com sua cultura marcada pela miscigenação.

Professor Okano reiterando a importância da presença da mulher nos tatamis

Em comum com o universo japonês, Okano encontrou no Brasil apenas o judô, modalidade esportiva que praticava desde criança, chegando a capitão da equipe de judô da universidade, com participação em diversas competições importantes.

Uma das mais marcantes ocorreu em 1964, em Osaka, dois dias após o encerramento dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Os atletas das equipes olímpicas que ficaram na reserva disputaram um amistoso que reuniu judocas de vários países, e Okano sagrou-se vice-campeão, derrotando, inclusive, o holandês Willem Ruska, o Tarzan dos tatamis, que se tornaria bicampeão olímpico nos jogos de Munique (1972), conquistando um ouro no peso médio (+93kg) e outro no absoluto.

Há décadas os professores Okano e Chico desenvolvem ações em prol do judô

Aos 28 anos, Okano chegou ao Brasil em 1966 para trabalhar na fábrica de lâmpadas Sadokin. Já em 1967 assumiu o comando da seleção paulista de judô, contribuindo para inúmeras conquistas. Não demorou muito para ser chamado pela Confederação Brasileira de Judô, na qual ajudou vários atletas a conquistarem títulos sul-americanos e pan-americanos entre 1968 e 1974.

Sua atuação não se limitou apenas aos tatamis. Shuhei Okano contribuiu também para incrementar o intercâmbio entre os judocas brasileiros e japoneses. Em 1982 encabeçou a comissão que comemorou os 100 anos do judô e em 1995, nos festejos do centenário do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre Brasil e Japão. A partir daí, por dezenas de anos sensei Okano promoveu vários eventos no Brasil envolvendo atletas da seleção japonesa.

O jovem Shuhei correndo pelas ruas de Tóquio, com a equipe de judô da universidade em 1961

“Todo o intercâmbio técnico que propiciamos por décadas não seria possível sem o apoio do governo do Japão e da Federação Paulista de Judô”, disse Okano, que em 2004 intermediou junto ao governo japonês verba para a reforma da arena olímpica de judô do Ibirapuera, em São Paulo, e para a compra de 300 tatamis olímpicos.

“Se o Brasil é hoje referência mundial na modalidade, devemos muito a pessoas como o professor Okano”, conta Francisco de Carvalho Filho, acrescentando que um de seus grandes méritos foi ter preservado a essência da arte marcial japonesa. “O próprio Japão perdeu a reverência e parte da filosofia de forma até mais veloz que a maioria dos países ocidentais, devido ao rápido crescimento econômico no pós-guerra. Não foi a toa que eles criaram um movimento que busca o resgate de certos valores e tradições”, explicou o presidente de honra da FPJ.

Sensei Okano mostrando os pontos mais vulneráveis do corpo humano

A contribuição de Shuhei Okano ao judô brasileiro não parou por aí. Em 2007, com o apoio da Fundação Japão, lançou no Brasil a tradução do livro Sugata Sanshiro, considerada uma espécie de bíblia dos judocas por narrar a origem da modalidade no decorrer do século 18.

Outorga do kyuu-dan

Em 22 de maio de 2010 a Federação Paulista de Judô realizou o campeonato paulista da classe sub 17, no Ginásio Municipal de Esportes Dr. Mário Covas Júnior, como parte do 1º Tomodati – Festival Botucatuense de Cultura Japonesa.

Durante a cerimônia de abertura, foi outorgada a Shuhei Okano a faixa vermelha kyuu-dan (9º dan), graduação que apenas três professores brasileiros possuíam na época. Participaram da solenidade autoridades políticas e esportivas como Kazuaki Obe, cônsul do Japão, Eiko Obe, consulesa do Japão; João Cury, prefeito de Botucatu; Francisco de Carvalho, então presidente da FPJ.

O professor Okano declarou que além de ser um grande gestor, Francisco de Carvalho foi o dirigente que mais reverenciou a tradição e respeitou a hierarquia

Atualmente o professor Okano é presidente de honra da Associação Kodokan do Brasil, auxiliando na área da pesquisa de dados para a história do judô no Brasil. É responsável também de numerosas publicações de cunho didático e cultural envolvendo o caminho suave. Dedica-se ainda ao aprimoramento do kosen judô (técnicas utilizadas em lutas de solo) e à defesa pessoal específica para mulheres.

“O professor Shuhei Okano sempre mostrou preocupação com a formação do caráter e com a educação dos jovens praticantes. Ele sempre se dedicou à pesquisa e hoje foca a defesa pessoal para a mulher, comentou Hatiro Ogawa, ex-presidente da FPJ e neto de outra lenda do judô, Ryuzo Ogawa.

Kazuaki Obe, cônsul do Japão faz entrega do kyuu-dan (9º dan) ao professor Okano

Fazendo um balanço dos mais de 50 anos vividos no Brasil, Shuhei Okano reverenciou os imigrantes que, assim como ele, disseminaram a modalidade no País e os dirigentes brasileiros que mantiveram a tradição e o foco no caminho encetado pelo shihan Jigoro Kano.

“Os ensinamentos do judô tiveram início no Brasil com os primeiros imigrantes que aqui chegaram no limiar do século passado. Graças a esta transmissão de conhecimento nosso País é hoje uma das principais potências da modalidade. Mas temos de distinguir e reverenciar o apoio e o comprometimento dos dirigentes da Federação Paulista de Judô e, em especial, do professor Francisco de Carvalho, que lá atrás teve a iniciativa de fomentar o judô, sem abrir mão da tradição e dos princípios que norteiam a modalidade”, disse Okano.

Kazuaki Obe e Shuhei Okano em Botucatu

Reafirmando o pensamento do mestre Shuhei, Francisco de Carvalho explicou que os fundamentos técnicos da modalidade podem e devem caminhar lado a lado com os aspectos filosóficos.

“Sim. O professor Okano citou um fato marcante da gestão de nossa entidade, pois além de administrar o judô esportivo, a diretoria da FPJ sempre buscou transmitir o verdadeiro espírito do judô às novas gerações. Acreditamos fervorosamente que é possível crescer preservando a filosofia e a essência do judô”, disse o dirigente. No fim, reverenciou os japoneses pioneiros que disseminaram o judô no Brasil. “Devemos muito à imigração japonesa, potencializada na figura de pessoas como o professor Shuhei Okano.”

Kazuaki Obe, Francisco de Carvalho e João Cury

Em sua trajetória dentro e fora dos tatamis, o professor Shuhei Okano edificou os princípios que norteiam sua vida.

“O verdadeiro judoca é um indivíduo que se dedica à segurança da sociedade e ao desenvolvimento humano, interagindo com outros, formando caráter magnânimo por meio de treinamento espiritual constante e dedicação aos estudos, não se dedicando exclusivamente ao treinamento físico. Para tanto precisamos compreender três coisas: entender diferentes filosofias através de amplos estudos da história e cultura universal para obter espírito tolerante; escolher o caminho real, assimilando a consideração e a misericórdia por seus semelhantes mediante estudos morais e éticos explanados pelos antigos; e ter fé na existência de Deus, respeitando e conservando a dignidade de todos os seres viventes com espírito de convivência.”