Perda de peso: um fator de risco no período pré-competitivo para atletas de alto rendimento

Ryoma Tanaka (JPN) projeta Valerio Accogli (ITA) nas quartas de final do peso meio-leve no Grand Slam de Baku 2025 © Di Feliciantonio Emanuele / FIJ

Dietas restritivas e desidratação comprometem o desempenho aeróbico, reduzindo a eficiência cardiorrespiratória, o transporte de oxigênio em cada batimento cardíaco, o conteúdo muscular de glicogênio e sua utilização.

Por Dr. Sérgio Luiz Carlos dos Santos (PhD)
Curitiba, 19 de fevereiro de 2025

No judô e na maioria dos esportes de combate, exceto na esgrima, existe divisão por categorias de peso, com o objetivo de equilibrar as habilidades físicas dos atletas, tais como força e velocidade. É comum ver atletas reduzindo severamente o peso na tentativa de enfrentar adversários mais fracos e leves. O grande problema é que a perda de peso geralmente não é feita de forma gradual, científica e segura, e isso traz novo ganho de peso após a competição, deixando o atleta numa rotina de ganho e perda de peso constante. Esse tipo de ação pode ser prejudicial ao metabolismo, causando problemas de saúde.

Os métodos utilizados na perda abrupta de peso costumam ser perigosos em geral: restrições alimentares, desidratação (saunas, recursos farmacológicos, uso de roupas que aumentam a sudorese), exercícios intensos e até indução de vômitos. São subterfúgios usados na tentativa de se encaixar na categoria desejada. De acordo com estudiosos, cerca de 72% dos atletas usam pelo menos um método potencialmente prejudicial para reduzir o peso; outros 52% adotam pelo menos dois métodos perigosos e 12% recorrem a pelo menos cinco métodos prejudiciais por semana. Também há evidências de que os atletas sofrem episódios de compulsão alimentar e exibem traços de transtornos alimentares, que tendem a piorar à medida que o nível competitivo do atleta aumenta (Kiningham RB, Gorenflo DW, 2001: 810-813).

Nos Estados Unidos, verificou-se que 90% dos atletas costumam reduzir drasticamente o peso num período de menos de uma semana. Esse ciclo de ganho e perda de peso começa muito cedo nos atletas, em média aos 14 anos, o que pode ter consequências como disfunções hormonais e, consequentemente, redução da taxa de crescimento e desenvolvimento físico (Roemich e Sinning, 1996).

Em pesquisa recente realizada no Irã, cujo objetivo era comparar os efeitos da rápida perda de peso nos glóbulos brancos, verificou-se que os lutadores de alto rendimento apresentavam mudanças significativas na produção de glóbulos brancos, responsáveis pela imunidade corporal, quando reduziam abruptamente seu peso corporal.

Acompanhamos 35 atletas altamente treinados (idade de 20 a 25 anos), os quais participaram voluntariamente do estudo e foram divididos aleatoriamente em dois grupos: Grupo 1: perda de peso rápida num período de 48 horas e Grupo 2: perda de peso gradual em num período de 12 dias. Todos os indivíduos foram solicitados a reduzir seu peso em 4%. Antes e após a intervenção para perda de peso, realizaram-se coletas de sangue e testes de desempenho físico (combates simulados). Os resultados mostraram que os glóbulos brancos aumentaram significativamente em ambos os grupos (p <0,05). A quantidade desse aumento estava fora da faixa normal no grupo rápido, mas permaneceu dentro da faixa normal no grupo gradual.

Os neutrófilos aumentaram significativamente, enquanto os linfócitos diminuíram expressivamente no grupo de perda de peso rápida (p <0,05). Quando comparamos esses dois protocolos de perda de peso, vimos que o método de perda rápida teve efeitos mais deletérios no sistema imunológico desses lutadores do que no daqueles que seguiram um plano de perda de peso gradual.

Lance de luta livre feminina no Zagreb Open 2025 © UWW

Também encontramos estudos de apoio constatando que técnicas como desidratação e restrição alimentar podem prejudicar o desempenho físico e mental do atleta, causando desequilíbrio corporal devido à perda excessiva de massa (Ghaemi, J.; Rashidlamir, A., Hosseini, S. R., Rahimi, G., 2014).

Vamos agora explicar um pouco mais os procedimentos e consequências da perda rápida de peso e suas implicações no desempenho e na saúde, a fim de esclarecer se há de fato uma vantagem em fazê-lo. Podemos observar discussões interessantes neste experimento:

Influência da perda de peso no desempenho aeróbio

Estudos descobriram que dietas restritivas e/ou desidratação podem prejudicar o desempenho aeróbico. Porque diminuem a eficiência do sistema cardiorrespiratório, ou seja, reduzem a quantidade de oxigênio transportado em cada batimento cardíaco, o conteúdo muscular de glicogênio e a taxa de utilização de glicogênio; aumentam a perda de eletrólitos e a temperatura corporal e dificultam a termorregulação. No entanto, se o atleta tiver tempo para se alimentar e hidratar entre os períodos de pesagem e competição, isso pode não ser afetado, pois o desempenho de resistência é significativamente restrito após a redução de 5% do peso. Consideramos o judô um esporte com características mistas, aeróbico e anaeróbico.

Influência da rápida perda de peso na produção de força

Em relação aos efeitos da perda de peso na força, os resultados relatados na literatura mostram algumas diferenças, dependendo do tipo de ação muscular (isométrica, isotônica ou isocinética) do grupo muscular avaliado e do protocolo de perda de peso (com ou sem período de reidratação). Alguns estudos mostraram que a produção máxima de força não é afetada pela redução de peso, seja por desidratação ou por dietas “típicas” de lutador, embora não haja tempo para se recuperar entre a pesagem e a tarefa. Isso sugere que, após um período de recuperação, os atletas não apresentarão danos para a valência força.

Outros estudos produziram evidências para apoiar a hipótese acima. Eles avaliaram a força de preensão manual isométrica durante um período de seis minutos (total de 180 contrações máximas, intercaladas por um segundo de descanso) antes e depois da perda de 5% do peso, seguida de um período de recuperação. Os dados deste estudo indicam que a força isométrica em pequenos grupos musculares não é afetada pela rápida perda de peso, se os atletas tiverem a chance de se recuperar após uma dieta.

Por outro lado, também há evidências importantes de que a perda de peso prejudica a produção de força; neste caso observa-se uma diminuição significativa na força isocinética dos braços, da pré-temporada ao meio da temporada. Além disso, todas as medidas de força isocinética aumentaram do meio da temporada para o período após o fim da temporada. Ou seja, as medidas de força foram menores durante a temporada em comparação com o período de férias, quando os lutadores não competem e, consequentemente, não precisam reduzir o peso.

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Isso demonstra como a produção de força pode ser afetada negativamente por dietas de perda rápida de peso e, sobretudo, pelo ciclo repetitivo de ganho e perda que ocorre durante o período competitivo. Portanto, essa diminuição da força não ocorre devido à redução aguda do peso, principalmente considerando o tempo de recuperação após a pesagem, mas ao longo da periodização e dos ciclos de ganho e perda de peso.

Efeitos fisiológicos da rápida perda de peso

Com a rápida perda de peso, há uma redução significativa na massa gorda e na massa muscular. A suplementação de aminoácidos de cadeia ramificada promove maior redução da gordura corporal, principalmente da gordura visceral, quando a redução de peso é gradual e obtida por meio de dieta hipocalórica. E entre os principais efeitos potencialmente prejudiciais à saúde estão: alteração na concentração de alguns hormônios, como aumento da GH e diminuição da testosterona; diminuição do fluxo sanguíneo renal e do volume de filtração glomerular; aumento da perda de eletrólitos; diminuição da atividade do sistema imunológico; e interrupção temporária do crescimento.

Outra questão importante é a frequência com que esses atletas perdem e recuperam peso rapidamente. Este ciclo de peso ganha-perde é comumente chamado de ciclo de peso (CP). E o rápido ganho após a veloz redução se deve a adaptações fisiológicas pelas quais o corpo se torna mais eficiente no uso e no armazenamento de energia (aumento da eficiência alimentar). Combinada com esse aumento na eficiência da dieta está a diminuição da taxa metabólica basal (TMB), o que torna as próximas reduções cada vez mais difíceis e requer restrições energéticas crescentes.

Quando o gasto energético diminuiu e a ingestão aumentou, será evidente uma perda considerável de líquidos em todos os procedimentos para perda rápida de peso. Na desidratação, o volume de ejeção e o débito cardíaco são menores e o volume plasmático reduzido limita o transporte de oxigênio para os músculos ativos. A rápida perda de peso resulta em redução do volume sanguíneo, principalmente devido à diminuição do volume plasmático. A redução do volume plasmático reduz o retorno venoso.

No caso de desidratação moderada (3%-5% do peso corporal), a frequência cardíaca durante um exercício submáximo padronizado é desproporcionalmente maior e o volume de ejeção é menor do que na condição não desidratada.

O grego Christos Argyrakis derrota o polonês Michal Przasnyski na final do +70kg, sagrando-se campeão do torneio continental da Federação de Karatê da Europa (EKF) © WKF

Quando a desidratação é mais severa (6%-7% do peso corporal), há uma diminuição significativa do débito cardíaco e um aumento compensatório da diferença arteriovenosa de oxigênio, na tentativa de suprir o consumo de oxigênio necessário para manter a atividade.

Relação entre recuperação de peso e sucesso competitivo

Desde a década de 1990, realizaram-se várias pesquisas para verificar a quantidade de peso que os atletas podem recuperar entre a pesagem oficial e o início da competição, e se essa recuperação pode afetar o desempenho na competição.

Essas pesquisas concluíram que não houve diferença no ganho de peso entre os atletas vencedores e aqueles que perderam. Além disso, não houve diferença estatisticamente significativa no ganho de peso entre os atletas que pontuaram e os que não conseguiram se classificar entre os primeiros, indicando que o ganho de peso entre pesagem e competição não favoreceu os de maior ou menor sucesso.

Verificou-se também, sobre a quantidade do peso recuperado, que não se relacionou com o sucesso na classificação entre os três primeiros colocados nas competições analisadas e que o aumento do tempo de recuperação não contribuiu para um ganho maior de peso. No entanto, é importante ressaltar que o estudo em discussão não foi generalizado. Em resumo, embora os dados da literatura ainda não sejam conclusivos, pode-se afirmar que a quantidade de peso recuperada, após a pesagem, não tem relação com o sucesso competitivo. No entanto, entre os atletas mais bem-sucedidos, a maioria reduz o peso para competir, o que parece totalmente paradoxal.

Influência da perda de peso no desempenho anaeróbio

Devido à grande diversidade de protocolos para avaliação do comportamento dos métodos utilizados para redução de peso, o tempo entre a pesagem e a aplicação dos testes, ainda não há uma resposta conclusiva quanto à influência da perda rápida de peso no desempenho anaeróbio e suas implicações no desempenho em combate. A rápida perda de peso piora o desempenho anaeróbico quando não há tempo de recuperação, ou quando esse tempo é inferior a três horas. No entanto, a piora do desempenho pode ser evitada se o atleta se envolver numa dieta rica em carboidratos durante o período de restrição de energia ou se ele/ela usar procedimentos de perda de peso gradual (perda de no máximo 1 kg por semana). Quando o tempo de recuperação após a pesagem é superior a três horas, o desempenho tende a retornar à linha de base, especialmente se os atletas consumirem grandes quantidades de carboidratos durante esse período.

No entanto, deve-se notar que em alguns estudos de caso 16,5 horas de recuperação não foram suficientes para retornar o desempenho isocinético de cinco minutos ao normal. De acordo com a posição oficial do American College of Sports Medicine, o restabelecimento da homeostase hidroeletrolítica leva de 22 a 48 horas; a reposição de glicogênio muscular pode levar até 72 horas; e a recuperação da massa corporal magra pode levar ainda mais tempo.

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Estudos mostram que os lutadores olímpicos iniciam a competição em estado de desidratação, mesmo fazendo o período de recuperação após a pesagem. E quatro horas de reidratação não são suficientes para retorno dos valores de volume plasmático e osmolaridade sanguínea ao normal, após perda de peso de 4%. Uma possível explicação para o fato de a maioria dos atletas ser capaz de recuperar o desempenho após aproximadamente cinco horas de ingestão de alimentos e líquidos é seu alto status de treinamento. Segundo alguns autores, a manutenção do desempenho, mesmo com redução do peso corporal, pode dever-se a um possível efeito do treinamento.

Os mecanismos responsáveis pelo declínio do desempenho após a rápida redução do peso corporal são: 1) diminuição dos estoques de glicogênio muscular causada pela restrição energética acompanhada de exercício intenso; 2) redução na taxa de utilização de glicogênio; 3) desequilíbrio no sistema tampão bicarbonato, causado pela cetoacidose metabólica, implicando aumento da acidose muscular; 4) aumento da temperatura corporal e maior dificuldade na termorregulação; e 5) perda de massa magra.

Considerações finais

Foi comprovado por meio de pesquisa bibliográfica que os danos da perda de peso por métodos extremos podem ser prejudiciais à saúde e ao desempenho do atleta. Nenhum atleta deve usar tais técnicas na tentativa de lutar numa categoria de peso abaixo da sua, pois é possível alcançar uma redução de peso consciente usando métodos menos agressivos por um longo período de tempo. É preciso divulgar esse fato – por meio de palestras, trabalhos científicos e cursos de qualificação – para conscientizar atletas e treinadores e para que essa prática se torne menos comum, visando a competições mais justas e saudáveis, preservando a longevidade no esporte desses atletas.