Perda do Centro Pan-Americano de Judô expõe a falta de visão e a incompetência dos gestores da CBJ

Entrada principal do Centro Pan-Americano de Judô

Incompetência, imobilismo e falta de visão dos dirigentes que hoje comandam a CBJ resultaram na perda do grande legado dos Jogos Rio 2016 para o judô. Com isso, a modalidade fica sem seu centro de treinamento e sem a sede de seus principais eventos e desperdiça milhões de reais investidos na construção e em benfeitorias, acumulando prejuízo sem precedentes

Gestão Esportiva
18 de outubro de 2019
Por PAULO PINTO I Fotos BUDÔPRESS
Curitiba – PR

Inaugurado em 28 de julho de 2014, o Centro Pan-Americano de Judô (CPJ) era até dezembro de 2018 o maior local de treinamento do judô das Américas e um dos maiores do mundo. Localizado na Praia de Ipitanga, no município baiano de Lauro de Freitas, o CPJ foi a primeira instalação a ficar pronta com recursos do plano Brasil Medalhas, iniciativa que visava à preparação do País para os Jogos Rio 2016.

Vista frontal do antigo alojamento que abrigava 32 suítes, cozinha e refeitório, hoje pertencente à Sudesb

Fruto da parceria entre a Confederação Brasileira de Judô (CBJ), Ministério do Esporte e governo da Bahia, nos dois primeiros anos de funcionamento o centro serviu exclusivamente ao preparo e ao aprimoramento técnico da seleção brasileira de judô para os Jogos Olímpicos.

Além de ser o principal centro de treinamento da modalidade, até dezembro de 2018 o CPJ sediava assembleias, meetings, campeonatos brasileiros, grands prix nacionais, seletivas e desafios internacionais promovidos pela CBJ em parceria com o Bradesco e outros apoiadores do judô nacional.

Dirigentes estaduais diante do CPJ e do ônibus da Confederação Brasileira, que também não pertence mais à entidade. Paradoxalmente, em assembleia realizada em 21 de novembro de 2018, com exceção do presidente da Federação do Tocantins, estes mesmos presidentes endossaram a decisão absurda de se desfazer do complexo que pertencia ao judô brasileiro, imposta por Sílvio Acácio.

O invejável complexo esportivo não é mais administrado pela modalidade devido à falta de visão dos vaidosos coordenadores de área da CBJ, que preferem despejar meio milhão de reais no lixo, anualmente, no aluguel da sede no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro, e decidiram abrir mão do espaço projetado na gestão Paulo Wanderley Teixeira para ser a casa do judô brasileiro e pan-americano.

Apelidado de Casa de Praia e Elefante Branco pelo atual presidente da CBJ, a partir de agora o CPJ será administrado por alguma repartição do governo do Estado da Bahia. Em breve será rebatizado e deverá receber eventos de igrejas, empresas, autarquias e diferentes modalidades esportivas.

Até a chegada de Sílvio Acácio ao comando da confederação, os campeonatos brasileiros eram realizados na casa do judô; neste ano a CBJ só conseguiu definir uma sede para realizar o Campeonato Brasileiro Sênior no dia 11 de outubro, tamanha a dificuldade que a entidade enfrenta hoje para fazer os eventos de seu calendário

O suntuoso complexo esportivo era tão grande e imponente que somente o edifício que antes abrigava o alojamento dos atletas e comissões técnicas, além do refeitório, hoje é a sede da Superintendência Estadual do Esporte da Bahia (Sudesb), que em seu site propala possuir sede própria.

O edifício central, que antes abrigava a administração, salas de reuniões, sala da presidência, centro de convenções e o auditório equipado com os mais modernos recursos audiovisuais, deverá ser ocupado pela Secretaria de Desenvolvimento Social ou outra autarquia baiana. Desde o início de 2019 a Confederação Brasileira de Judô ocupa apenas duas salinhas sob as arquibancadas do centro.

Placa que antes ficava diante do complexo tinha as logomarcas dos governos federal e da Bahia, da CBJ, da Federação Internacional de Judô e da Confederação Pan-Americana, ou seja, o CPJ era um patrimônio do judô mundial

Sílvio Acácio Borges tenta minimizar o impacto das perdas e do prejuízo milionário, alegando que a entidade ainda administrará a arena esportiva, mas isto não é verdade. A assessoria de imprensa do governo baiano nos informou que o ginásio já é administrado pelo Estado. A única prerrogativa da CBJ será a utilização da arena, em três ou quatro datas por ano, agendadas previamente com o governo baiano, e mais nada.

Paulo Wanderley, Marcelo França e o executivo Maurício Carlos dos Santos serão lembrados como os dirigentes visionários responsáveis pela edificação do maior e mais completo centro de treinamento do judô mundial, enquanto Sílvio Acácio, Robnelson Pereira, Renato Araújo, Ney Wilson e Matheus Theotônio serão lembrados por terem fracassado na gestão e por perderem o Centro Pan-Americano de Judô, o maior patrimônio que a CBJ possuiu em seus 50 anos de história.

Construído no terreno do antigo Kartódromo Ayrton Senna, o centro ocupa uma área de 20 mil metros quadrados e compreende três prédios: ginásio climatizado, alojamento de atletas e setor administrativo

Mas, sob o comando de Sílvio Acácio Borges, a outrora gigante Confederação Brasileira de Judô, além de perder o Centro Pan-Americano de Judô, terminou a temporada 2018 apequenada, com apenas dois patrocinadores (Cielo e Bradesco), já que hoje a Mizuno apenas fornece material para a seleção brasileira sênior. De quebra o judô está fora da programação dominical permanente do Globo Esporte. Agora vemos o judô na principal emissora de TV do País em eventos pontuais ou no reality do judô que o Bradesco e a Globo estão exibindo em sua segunda temporada, produzido justamente para dar visibilidade à instituição bancária que é a maior parceira e apoiadora do judô nacional.

Centralizador e segregador, com seu imobilismo o dirigente nacional impôs à CBJ o mesmo modelo de administração repressiva que impediu sua reeleição na Federação Catarinense de Judô. Em menos de dois anos o presidente da CBJ engessou totalmente a entidade, desuniu setores que antes focavam os mesmos objetivos, e hoje a confederação deixou de ser modelo de gestão esportiva do Brasil.

Fruto de muitas discussões e denúncias no passado, a mesa da sala de reuniões do CPJ comportava confortavelmente 27 presidentes estaduais, três membros do conselho fiscal, três vice-presidentes e o presidente, mais meia dúzia de convidados

É muito importante lembrar que os recursos para a construção do CPJ vieram da União (19,8 milhões de reais), do governo estadual por meio da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (18,3 milhões de reais) e da CBJ, que despendeu 5,1 milhões de reais no projeto executivo, equipamentos e mobiliário, totalizando 43,2 milhões de reais. O equipamento esportivo foi objeto de um Termo de Cessão de Uso para a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) assinado pelo ministro do Esporte Aldo Rebelo e o governador Jaques Wagner.

Na prática, o caridoso presidente Sílvio Acácio Borges doou um complexo esportivo de 50 milhões de reais, que pertencia ao judô do Brasil, para o governo da Bahia. Mesmo após um ano dessa decisão abrupta e absurda, dirigentes de outras modalidades esportivas buscam compreender a razão de tamanha caridade. O que de fato houve nessa operação?

Até 31 de março de 2021 muita coisa deve acontecer e, devido à perda de espaço no cenário esportivo nacional, dificilmente Bradesco e Cielo, que hoje investem cerca de 13 milhões de reais anuais na modalidade, renovarão os contratos que mantêm o judô brasileiro em pé.

Masters Course da International Traditional Karate Federation realizado no CPJ em 2017

Paulo Wanderley sabia quem era o seu sucessor

Lamentavelmente o pior ainda está por vir, e não podemos isentar o maior responsável por esta tragédia: o laureado professor Paulo Wanderley Teixeira, ex-presidente da CBJ, que entregou o comando de uma instituição gigantesca e complexa a um dirigente que já havia fracassado na administração de uma entidade pequena e estava sendo deposto por seus filiados, após um único mandato.

O atual presidente do Comitê Olímpico do Brasil estava ciente de tudo que ocorria em Santa Catarina. Conhecia detalhes dos problemas que resultaram na reprovação de um dirigente vingativo, que durante os quatro anos em que ocupou a presidência, negligenciou a gestão e promoveu o grande retrocesso que assolou o judô de Santa Catarina. Além disso, perseguiu e reprimiu implacavelmente professores e judocas. Quem ousava discordar era marcado como inimigo.

O CPJ abrigava áreas de preparação e recuperação física de atletas, centro de capacitação profissional, auditório para 200 pessoas, sala VIP, centro de treinamento, alojamento com 32 quartos que recebiam mais de 70 atletas ao mesmo tempo, sala de jogos, piscina, quadra poliesportiva e pista de corrida de 100 metros com quatro raias para aquecimento dos atletas. Sua capacidade é para duas mil pessoas sentadas e outras 2.500 em pé. Na área externa, o estacionamento tem 500 vagas.

Paradoxalmente, o grande gestor que elevou o judô brasileiro ao topo do mundo, irresponsavelmente, entregou no início de 2017 a modalidade a um dos piores dirigentes do judô que havia no Brasil naquele momento. Meritocracia, coerência e responsabilidade zero.

Quem milita na política esportiva sabe que cumprir acordos e atuar fundamentado na meritocracia e na valorização profissional não é o forte do presidente do COB, e lamentavelmente a escolha de seu sucessor deu no que deu.

Não bastasse a complexa gestão do Comitê Olímpico do Brasil, hoje Paulo Wanderley perde o sono também com a gestão da entidade que o projetou ao maior cargo hierárquico do esporte nacional. Pior, além de ter de preocupar-se com a sua reeleição no COB, tem que gerir e ingerir o processo sucessório da Confederação Brasileira de Judô que hoje já atrai três nomes de peso. Sem contar o atual gestor do alto rendimento da CBJ, que, apoiado por parte da cúpula da entidade e três ou quatro dirigentes estaduais, corre por fora e mais do que nunca está no páreo.

Campeonato Brasileiro Sub 15 realizado no CPJ

Contudo, dos quatro nomes que disputam a corrida eleitoral, Ney Wilson é justamente o único que não teria o apoio de Paulo Wanderley, por diversos fatores e fatos históricos.

Aos judocas mortais que trabalham verdadeiramente pela modalidade só resta a opção de rezar fervorosamente para que dessa vez o iluminado dirigente do desporto brasileiro use de discernimento, seriedade e comprometimento, ungindo alguém realmente capaz de reerguer o judô dos escombros a que foi lançado.

O auditório climatizado com 200 lugares

As arquibancadas do CPJ foram completamente tomadas nas finais do Campeonato Brasileiro de Karatê de 2017