Por não compactuar com a falta de respeito de Sílvio Acácio, Emílio Moreira deixa a Comissão Nacional de Graus da CBJ

Professor Kodanshas José Emílio Santos Moreira

Como forma de protesto e repúdio, membro da CNG renuncia em caráter irrevogável e expõe mais um ato grotesco e deselegante praticado pelo presidente da Confederação Brasileira de Judô

Hansoku-make
3 de março de 2019
Por PAULO PINTO I Fotos BUDÔPRESS e CRISTIANE ISHIZAWA
Curitiba – PR

Em 1965, José Emílio Santos Moreira deu os primeiros passos nos tatamis no dojô do Clube de Regatas Flamengo (RJ), com o sensei Gilberto Menezes, que na época era ni-dan. Após 54 anos de prática e 48 lecionando, o professor kodansha shichi-dan edificou uma das mais importantes e dignificantes histórias do judô nortista. E, para surpresa daqueles que só visam ao poder, dá exemplos de honradez e comprometimento ao abdicar de um dos cargos mais significativos e almejados da modalidade, na Comissão Nacional de Graus (CNG) da Confederação Brasileira de Judô.

Todos os membros da Comissão Nacional de Graus com Sílvio Acácio Borges em encontro realizado em Curitiba

Indignado com a atitude intempestiva e incivilizada do presidente da CBJ, que arbitrariamente proibiu a entrada de Rafael Borges, coordenador de comunicação do Instituto Kodokan do Brasil (IKB), na sede da entidade, no dia 28 de fevereiro, o proeminente judoca maranhense renunciou em caráter irrevogável ao cargo que ocupava na CNG.

Sem titubear e fundamentado unicamente nos princípios éticos e morais deixados pelo shihan Jigoro Kano, Emílio Moreira declinou do posto que o projetou na escala hierárquica da modalidade em que atua há mais de meio século, mantendo permanentemente conduta ilibada e bem acima dos interesses que norteiam a grande maioria de praticantes, os quais visam sobretudo o poder pelo poder.

“Como professor kodansha não posso ser omisso diante dos princípios a nós legados pelo shihan Jigoro Kano. Sendo assim, não concordo com os fatos mesquinhos expostos, bem como não poderei participar dos compromissos da CNG sem a minha conduta e o coração estarem presentes”, alegou o professor Emílio Moreira enviando mensagem subliminar ao irrefletido dirigente nacional.

Judoca na acepção da palavra, Emílio Moreira não abre mão dos preceitos do judô

Veja a seguir a entrevista que a Budô fez após mais este triste episódio causado por um gestor que revela desconhecer os fundamentos básicos do judô e do budô. Sabemos que ainda teremos vários desdobramentos, mas este é apenas o testemunho de um judoca que não se dobra diante da soberba e os caprichos dos poderosos que desrespeitam o próximo.

Conheça agora um pouco da história e o caráter de um dirigente que pratica verdadeiramente o sei-ryoku-zen-yo e busca sempre ser exemplo de retidão e conduta.

Quantos anos esteve à frente da Federação Maranhense de Judô?

Em 1976 fundei a Federação Maranhense de Judô (FMJ) e fui presidente em várias gestões. Por duas vezes fui vice-presidente da CBJ, chefe da delegação de judô masculino em Atlanta (EUA) em 1996 e em vários eventos internacionais de expressão na gestão do professor Mamede.

Como surgiu o convite para ser membro da comissão de graus?

Fui eleito para a CNG por meio dos votos das federações que compõem a Região I.

Mas o que o levou a tomar uma decisão tão abrupta?

Os acontecimentos ocorridos na CBJ, relatados pelos componentes da comitiva que lá esteve. Principalmente a fala do sensei Mitio Harada, que confirmou a proibição, e o pronunciamento do chefe da família Borges, sensei Odair Borges, meu senpai há exatos 41 anos, que admiro profundamente e pelo qual guardo enorme respeito.

Sensei Moreira com alunos em competição realizada no Maranhão

“Minha decisão de renunciar foi baseada em minha conduta ética, alicerçado nos princípios legados por Jigoro Kano shihan.”

O que motivou seu pedido de renúncia?

O relato contundente do professor Rafael Borges, que, em decorrência da proibição emitida pelo dirigente máximo do judô nacional, teve de ficar em uma lanchonete esperando os membros da comissão voltarem da reunião na CBJ.

Sua decisão foi ética ou de solidariedade ao amigo perseguido?

Minha decisão foi baseada em minha conduta ética, alicerçado nos princípios legados por Jigoro Kano shihan. A minha consciência e o meu coração não me permitiam continuar participando do CNG quando já manifestava solidariedade à família Borges, apoiando o pronunciamento público feito por eles. Como poderia ficar silenciosamente e hipocritamente exercendo tão nobre função por oportunismo, só para não abdicar do cargo?

Na prática o que o impeliu a tomar esta decisão?

Homem da minha estirpe e história, há 48 anos lecionando judô, vivendo entusiasticamente os principais momentos da história do judô brasileiro, tendo o respeito das principais personalidades do judô do nosso País e sendo professor kodansha, não poderia compactuar com tamanha falta de respeito e brutalidade.

A quais fatos específicos o senhor se refere?

Entendo que o fato ocorrido foi uma gafe diplomática e um acinte ao sei-ryoku-zen-yo, que também se aplica na relação humana. A CBJ, não se preocupou em pronunciar-se de imediato sobre o ocorrido.

“Não poderia ficar silenciosamente e hipocritamente exercendo tão nobre função por oportunismo, só para não abdicar do cargo.”

O que viu de mais perverso neste processo, o fato em si ou toda a mentira contada pelo presidente da CBJ para encobrir os fatos?

As duas situações produziram um quadro nefasto. Aquilo não foi atitude de judoca.

Dá para comparar a atuação dos três últimos presidentes da CBJ?

É muito difícil comparar atuações de dirigentes, pois todos tiveram momentos de acertos e equívocos. Vivi intensamente ao lado do Mamede sensei. Ele foi criticado e combatido intensamente, mas deixou sua marca e conduziu o judô brasileiro para o estágio atual. Hoje as federações do Norte e Nordeste sobem ao pódio dos eventos nacionais e internacionais. A liberação do judô feminino foi uma luta inexorável dele. Tudo isso foi um sonho acalentado por ele. Qual homem do bem pode negar esses acontecimentos históricos? Com Paulo Wanderley sensei convivo há 41 anos, como companheiro em eventos, como dirigente. Posso afirmar que ele foi o presidente que revolucionou o judô brasileiro. O Sílvio Acácio certamente terá erros e acertos, tudo é inerente ao ser humano e às capacidades de visão e realização de cada um.

 “Homem da minha estirpe e história, e lecionando judô 48 anos, não poderia compactuar com tamanha falta de respeito e brutalidade.”

Quando assumiu sabia que o presidente da CNG é sócio do presidente da CBJ em um empreendimento privado. Isto não o incomodava?

Esta questão do professor Icracir é pessoal, e extrapola a atuação dele à frente da CNG. Eticamente falando isso é um tema que diz respeito unicamente a ele e ao presidente. Conhecê-lo e solidificar uma grande amizade foi um presente de Deus. Por trás da sua figura grandalhona se escondem uma fidalguia e uma sensibilidade profundas.

Qual é o sentimento que fica após seu pedido de renúncia?

Após minha renúncia sinto profunda tristeza por não mais fazer parte da CNG, que considero o cargo de maior relevância exercido por mim no cenário judoísta brasileiro. Mas ao mesmo tempo sinto enorme alegria por ratificar que não sou oportunista e nem hipócrita, como certos professores que, além de não se manifestarem sobre um fato tão avesso a nossos padrões éticos e morais, posicionam-se contra aqueles que sofreram a agressão e protegem o abjeto agressor, o que para mim é inimaginável, inaceitável e vergonhoso.

Por muitos anos Emílio Moreira atuou na arbitragem nacional e internacional