19 de dezembro de 2024
Professor relata resultados positivos da prática do judô por crianças autistas
Após seis meses nos tatamis, jovens que não conseguiam vestir-se sozinhos ganharam autonomia, puderam até viajar sem a companhia de familiares e obter conquistas nos tatamis
Por Paulo Pinto / Global Sports
9 de janeiro de 2023
Diego Buson Souza, faixa preta de judô sho-dan (1° dan), aluno de Educação Física e coordenador da Associação Judô de Divinolândia no polo de Aguaí, nunca escondeu o amor que sente pelo judô, mas há três anos experimentou uma revolução em sua vida ao iniciar o trabalho com crianças autistas. No princípio foi um grande desafio, pois há pouca literatura e muito desconhecimento sobre a inclusão de autistas por meio do judô.
“Quando começamos o trabalho com crianças autistas, tivemos de quebrar alguns paradigmas. Foi um grande desafio”, reconhece o sensei Diego. “Comecei a correr atrás de informação para entender o que era preciso para interagir com elas, e nesse caminho apareceram pessoas que me ajudaram a traçar uma direção. Uma delas foi o professor Marcelo Fuzita, formado no Japão, grande conhecedor do assunto e pelo qual tenho enorme gratidão por ter-me orientado no aprendizado do judô de inclusão.”
O judô mudou completamente a vida do professor de Aguaí em vários aspectos: educacional, intelectual e, principalmente, social. “A partir do momento em que passei a utilizá-lo como ferramenta para transformar vidas de crianças que estavam à margem do convívio social ou encontravam enorme dificuldade para se relacionar com o mundo exterior, percebi que havia um caminho com infinitas possibilidades no horizonte.”
Sensei Diego enfatiza que, quando se fala em transformar vidas, o judô vai muito além do que se pode imaginar. Em entrevista à Budô ele conta algumas de suas experiências e os resultados que a judoterapia proporcionou aos seus alunos e a ele mesmo.
“O mais importante é que este trabalho me aproximou de pessoas maravilhosas, das quais falo um pouquinho, com prévia autorização e consentimento dos pais, sem esquecer o impacto que cada uma dessas crianças causou na minha trajetória como professor e ser humano,” esclarece sensei Diego.
“A judoterapia e o acolhimento a crianças autistas apontaram novo propósito ao meu trabalho.”
O primeiro caso narrado é o de Enzo Eulálio Bulgareli, de 6 anos, que não queria participar de forma alguma das atividades quando chegou ao dojô. Entrava e saía rapidamente dos tatamis, mas depois de cuidadosa insistência cedeu e entregou-se ao grande desafio. “Ele foi o primeiro aluno autista em uma turma com mais de 45 alunos. Essa atitude deu início à aprendizagem dele e à nossa história”, lembra Diego.
A partir daí começou de verdade o maior desafio de todos: fazer com que o Enzo participasse frequentemente das atividades, assim como seus coleguinhas. Em algum momento a mágica do judô aconteceu, ele se integrou à rotina das aulas, até que o grande dia chegou. Houve uma apresentação de shiai, com torneio e atividades de judô envolvendo várias escolas, e lá estava o Enzo, participando sozinho, e a vida do sensei começou a mudar.
“Naquele instante tive a certeza de que deveria fazer a transmissão de judô para crianças autistas, de que eu havia feito a melhor escolha da minha vida. Soube também que teria de estudar muito mais e que dedicaria minha vida ao judô orientado crianças com deficiência.”
As pessoas reconhecem que o judô ajudou muito o Enzo, mas o sensei diz que recebeu muito mais. “Espero um dia poder retribuir a ele uma pequena parte da alegria e do conhecimento que ele me proporcionou. Ele é o responsável por eu amar cada dia mais o judô para autistas”, reconhece.
Outro jovem judoca citado é Renan Luís Moisés Campos, de 9 anos, dono de uma inteligência notável e de um carisma surpreendente para uma criança da sua idade. Após iniciar no judô ele melhorou a coordenação motora e suas habilidades na prática dos exercícios a ele designados. A evolução dentro do judô reflete-se no seu dia a dia, como a capacidade de colocar a roupa sozinho. “Sabemos das dificuldades que a criança autista enfrenta em tarefas simples, como vestir uma calça ou uma camiseta, e mais uma vez o judô faz toda a diferença na vida de uma criança e, claro, dos seus pais.”
Sensei Diego relata a rápida evolução de Kauã Roberto, judoca de 12 anos. “Ele começou nas aulas destinadas especialmente para autistas. Teve uma breve passagem nessa turma porque em pouco tempo ele já estava integrado à turma de rendimento, com 9 a 13 anos de idade. E mais surpreendente: logo já estava participava de festivais, torneios amistosos e competições oficias da Federação Paulista de Judô, atingindo a independência de viajar sozinho sem a companhia de ninguém da família.”
O mais novo da turma é Adriel de Deus Albuquerque, de 7 anos, recém-chegado que já demonstra evolução de uma aula para a outra. Menino tímido, na maioria do tempo precisava da companhia da mãe durante as aulas. Com a prática, já pôde participar de um evento público com mais de 250 crianças, sozinho, distante dos seus pais. “Sua evolução dentro das aulas em coordenação motora e senso de bilateralidade é visível e sua participação nas aulas só cresceu. Um fenômeno que nos fez ter mais certeza ainda dos benefícios e poderes do judoterapia”, conta o professor.
“Miguel viajou sozinho, se trocou sozinho, se alimentou sozinho e o melhor de tudo isso: lutou num grande evento da Federação Paulista de Judô e foi campeão na sua categoria, sem chamar atenção para o fato de ser autista.”
Miguel Lopes da Silva, de apenas 9 anos, é uma das maiores conquistas do trabalho do sensei Diego. “Podemos dizer que o Miguel superou todos os seus medos. Estamos falando de uma criança que era totalmente dependente da avó, que nunca havia viajado sozinha nem feito nenhuma atividade sem a presença dela. Posso afirmar sem medo de errar que o judô impactou positivamente toda a sua família.”
Miguel não conseguia ficar onde havia muita gente, não suportava aglomerações. Mas ele surpreendeu o professor e familiares quando aceitou ir sozinho para o Festival de Judô Escolar realizado em 26 de novembro em Ribeirão Preto. “Ele viajou sem a presença da avó e conseguiu passar o dia todo sem ninguém próximo da família, apenas comigo e com os colegas, o que jamais havia acontecido. Miguel se trocou sozinho, se alimentou sozinho e o melhor de tudo isso: lutou num grande evento da Federação Paulista de Judô e foi campeão na sua categoria, sem chamar atenção para o fato de ser autista.”
Mais do que relatar a satisfação ao ver o resultado de seu trabalho com as crianças autistas, sensei Diego faz questão de ressaltar a importância que isso teve na vida dele. “Sem nenhuma pretensão ou vaidade, posso afirmar que, com uma atividade socioesportiva, consegui estabelecer uma conexão com estas crianças e lhes proporcionar um crescimento que nem mesmo psicólogos haviam alcançado. E isto nada mais é que do que o judô essência, o judô para todos que o sensei Jigoro Kano vislumbrou já nos idos de 1880, embora até hoje poucos tenham atentado para isso.”
Hoje sensei Diego se refere a esses alunos como sua “turminha de PCDs”, mas é grato a todas as crianças que o ajudaram a construir uma vitória que venceu preconceitos e, principalmente, as limitações que impedem de compreender as diferenças e criar alternativas que sirvam como ponte para a inclusão e o desenvolvimento humano.
“Agradeço especialmente a todos os pais, que sempre nos apoiaram e acreditarem em nosso trabalho, na busca de alternativas para seus filhos”, conclui sensei Diego. Não poderia deixar de agradecer também aos professores Danilo Pietrucci e Tassiane Buson, meu sócio e minha esposa. Ambos fazem parte desse projeto e a participação de ambos nesta iniciativa é determinante. “Tenho certeza de que, juntos, continuaremos a escrever uma linda história no cenário da judoterapia e do judô para autistas.”