Programas digitais de ensino e gestão revelam e criam novos horizontes

Altair Bezerra Araújo, fundador e diretor-executivo da Escola Nacional de Judô © Park Troopers

Consagrados nas academias e reconhecidos pelos professores, os sistemas desenvolvidos pela Escola Nacional de Judô começam a ser aplicados com sucesso também nas federações

Por PAULO PINTO
29 de julho de 2021 / Curitiba (PR)

Altair Bezerra Araújo é o nome por trás dos métodos de ensino e gestão de dojôs de artes marciais que vêm proporcionando a professores e empreendedores um salto de excelência em suas atividades, ainda mais evidente durante o período sombrio da pandemia. Ao completar 56 anos, ele ainda guarda na memória a revolta infantil contra o bullyng praticado contra um amiguinho e que serviu para revelar seu talento para a luta.

Praticante regular de judô desde a década de 1970, em Taguatinga (DF), nunca cedeu às adversidades e às quedas – na vida e no esporte. “Gosto de gente e acredito nas pessoas, e quando não há reciprocidade, não mudo meu pensamento”, diz. Ainda insatisfeito com todo o conhecimento acumulado, nem pensa em desistir. Ao contrário. Vê o fruto de seu trabalho reconhecido até nos meios mais conservadores, nos quais vai pouco a pouco inserindo suas ideias.

Professores Altair Araújo e Soraia André com a lenda dos tatamis Miguel Suganuma © Arquivo

Bacharel  em educação física pela Universidade Católica de Brasília (UCB-BSB), pós-graduado em treinamento desportivo pela Universidade Veiga de Almeida (UVA-MG) e pós-graduado em marketing pela Fundação Getúlio Vargas de Brasília (FGV-BSB), o professor kodansha Araújo detêm hoje o 7º dan em judô e a faixa preta sho-dan de jiu-jitsu.

Nesta entrevista, ele conta como começou a sentir necessidade de atualizar a forma de administrar dojôs e academias, quase sempre tocados por professores competentes em suas técnicas, mas carentes de visão comercial. E mostra como sua Escola Nacional de Judô cresceu, obteve reconhecimento e não para de evoluir em seus métodos didáticos e gerenciais. Sem esquecer, porém, a importância dos grandes mestres Jigoro Kano (judô), Gichin Funakoshi (karatê), Morihei Ueshiba (aikidô) e Choi Hong Hi (taekwondo), entre outros.

O icônico professor Geraldo Bernardes com Altair Bezerra © Arquivo

O que o levou a buscar uma percepção mais ampla e complexa da prática e do ensino do judô?

Primeiramente, meu desenvolvimento acadêmico e os mais de 40 anos de prática e ensino do judô dentro e fora do dojô.  Em seguida, a realização do projeto 1.000 dias de Kimono, verdadeira pesquisa de campo, permitiu que eu conhecesse de perto a realidade de 140 academias de judô: 99% delas não tinham um sistema de gestão de alunos, embora houvesse preocupação com essa área. O documentário

Kodanshas do Brasil também tem contribuído sobremaneira para a ampliação do meu conhecimento e de minha visão sobre o valor inestimável do ensino do judô e da necessidade de registrarmos a história do judô brasileiro. Mas, acima de tudo, o desejo incansável e inabalável de conhecer as inumeráveis realidades, condições de trabalho e necessidades de professores e alunos para poder contribuir de forma mais eficiente para melhoria das condições de trabalho desses professores e para o crescimento constante do ensino e prática do judô.

Sensei Altair com os campeoníssimos Vânia Ishii e Chiaki Ichii © Arquivo

Na prática, a Escola Nacional de Judô enfatiza a gestão de dojôs ou o sistema pedagógico?

A ENJ propõe-se a ajudar professores de artes marciais a gerirem seu negócio (academia ou dojô), bem como a desenvolver e divulgar sua metodologia de ensino, seja do judô seja dos demais esportes de combate. Acreditamos que gestão administrativa/financeira e sistema pedagógico andam juntos, por essa razão a ENJ comercializa sistemas para ambos. Ou seja, oferece aos empreendedores ferramentas  para as áreas administrativa, de progressão de alunos e de exames de faixa, além de recursos para aprimoramento do ensino presencial e a distância, tanto de academias quanto de federações. Há muitos recursos pedagógicos que podem e devem ser utilizados no ensino, pois ajudam os alunos no processo de aprendizagem a assimilarem com mas facilidade técnicas e princípios de cada modalidade e até mesmo a testarem seus conhecimentos. Essas são as expertises da ENJ.

Set de produção da ENJ com o profesor Ney Wilson, gestor de alto rendimento da seleção brasileira © Arquivo

Quais são as vantagens que um professor das várias modalidades de luta obtém quando se associa à ENJ no âmbito administrativo?

Organização do negócio e da realização de exames de faixa, controle de alunos (treinos, desempenho e evolução) e financeiro, ou seja, a profissionalização do trabalho e serviços oferecidos. Para tanto os parceiros da ENJ, ao utilizarem o sistema de gestão de academias de esportes de combate – Fuji, recebem gratuitamente soluções educacionais que contribuem para sua profissionalização. Além do Curso de Gestão de Academias de Esportes de Combate, oferecemos material didático para todas as graduações até a faixa marrom e um sistema de avaliações teóricas e práticas, a distância, com certificação personalizada. Esse material pode ser personalizado, de acordo com as necessidades de cada academia e de cada arte marcial, ou ser utilizado somente como modelo pelos professores. Vale lembrar que não temos concorrentes, pois não trabalhamos apenas com o desenvolvimento e comercialização do sistema Fuji: atrelado a ele ofertamos uma gama de soluções que proporcionam aos profissionais de esportes de combate mais tempo para se dedicarem às aulas e mais conhecimento sobre o negócio. Resumindo: mais tempo para dedicarem-se ao aperfeiçoamento profissional e à família.

Professores kodanshas Jairo Queiroz (7º dan), Altair Araújo, (7º dan), Alfredo Hélio Arrais (9º dan) e Ivan Pena (7º dan) © Arquivo

Quais as vantagens que professores e administradores de academias obtêm por meio do sistema Fuji no campo pedagógico?

No campo pedagógico os ganhos referem-se ao acompanhamento de alunos em todas as etapas do seu desenvolvimento. O Fuji registra desde a frequência às aulas até ocorrências durante o treino que o professor considere importantes. Isso permite não só uma avaliação comportamental, mas fornece elementos para que seja dado um feedback rápido ao aluno e a seus responsáveis, a qualquer momento. O Fuji também viabiliza o registro do resultado nos exames de faixa, obedecendo às carências para cada graduação sugeridas pelas federações. No futuro pretendemos ampliar a oferta de soluções educacionais incorporadas ao Fuji.

Dojô do Corpo de Bombeiros de Brasília que é comandado pelo sensei ni-dan Paulo Roberto Araújo em evento gravação dos 1.000 dias de kimono © Arquivo

Há anos as pequenas escolas sofrem para sobreviver num mercado dominado por clubes e instituições do ensino fundamental. De que forma a ENJ pode melhorar essa realidade?

De modo geral, o ensino das modalidades de luta, em especial o judô, nas escolas convencionais é limitado, pois concorre com outras práticas desportivas. Falta tempo para o aperfeiçoamento dos alunos e para que eles obtenham todos os benefícios do aprendizado de uma arte marcial. Além disso, a remuneração não costuma ser boa. Sendo assim, os profissionais liberais (é assim que os vemos), donos de dojôs, podem, desde que bem estruturados e organizados, oferecer um produto que satisfaça mais aos clientes (escolas e alunos). Aqueles que ofertarem serviços passíveis de serem verificados por relatórios gerenciais, extrato demonstrativo do desenvolvimento/evolução da aprendizagem dos alunos, metodologia de ensino e de avaliação certamente terão sucesso. Poderão até firmar parcerias com escolas que não disponham de espaço adequado para a prática dos esportes de combate. É importante ressaltar que não oferecemos fórmulas milagrosas. Desenvolvemos um método de trabalho que beneficia os profissionais da área, mas que precisa ser executado para que os resultados apareçam.

Professor kodansha carioca Leonardo Lara com sensei Araújo © Arquivo

Qual é a sua visão de mercado no tocante aos dojôs e associações que ensinam artes marciais de diferentes origens no pós-pandemia?

Já fomos procurados por muitos professores que estão retomando as atividades e outros que estão abrindo seus espaços. Isso nos mostra que o mercado está se reaquecendo e se expandindo, e já acontece Brasil afora, segundo alguns parceiros. Estamos muito otimistas, mais ainda em função das Olimpíadas. Todos tivemos de nos reinventar nessa pandemia; aqueles que conseguiram entender que em momentos de crise o crescimento é real, vão beneficiar-se mais à frente. Este é o momento para organizar a casa, fazer cursos, conhecer novas soluções e, quando tudo voltar à normalidade, oferecer algo diferenciado, um serviço mais completo, cujo retorno poderá ser mais gratificante.

“A literatura gerencial assegura que é muito comum nas
organizações a resistência às inovações – pessoas
resistem ao novo e pessoas formam as organizações.”

Professores Ney Wilson e Altair Bezerra © Arquivo

Uma curiosidade: se seu sistema é tão bom, por que as federações estaduais não o adotam?

Só posso responder a partir de inferências, afinal, não há como avaliar o assunto de forma ética sem ter tido um feedback objetivo dessas entidades. Acredito que se trata de uma questão cultural. Muitos dos dirigentes não têm formação em gestão e muitos dos sistemas de ensino e gestão ainda não evoluíram para abarcar métodos mais modernos e hoje disponíveis O ensino e a gestão no meio das lutas é ainda feito de forma artesanal. Existe, dessa forma, uma resistência natural ao novo e, consequentemente, uma insegurança ao optar pela modernização, pela inovação. Já ouvi comentários como “sempre fiz assim e deu certo”, “nossa federação é pequena, o Excel já da conta dos controles”, “realizamos essencialmente competições”.

Parte dos professores que compõem a equipe da ENJ: Kleber, Altair e Rose com Edu, Joca e Nina

Quais entidades utilizaram os serviços da ENJ para realizar os exames de graduação no fim de 2020?

A Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro (FJERJ), a segunda maior do País, realizou seus exames de faixas pretas e yudanshas por meio da plataforma de ensino e sistema de provas da ENJ em 2020. O sucesso foi tão grande que a parceria foi renovada em 2021, com aumento do número de candidatos. Já iniciamos também a preparação de exame admissional para faixas pretas da Federação Goiana de Judô (Fegoju) e estamos em negociação com outra. Sabemos que um trabalho feito com transparência e profissionalismo só pode gerar bons resultados. Podemos ajudar muitas federações, como já fazemos com as academias parcerias, pois o modelo digital de ensino veio para ficar, pelo menos em grande parte dos exames de graduação de faixas pretas e yudanshas.

Rosicleia Campos, surpevisora técnica da seleção brasileira com Altair Araújo © Arquivo

Por que as entidades relutam em adotar o sistema revolucionário e inovador da ENJ, se a palavra de ordem hoje é justamente inovação?

A literatura gerencial assegura que é muito comum nas organizações a resistência às inovações – pessoas resistem ao novo e pessoas formam as organizações. Não vemos por que seria diferente em nosso meio. Ademais, continuamos muito ligados ao método artesanal de gestão e ensino que nos foi repassado por nossos mestres. Não estou dizendo que devemos abandonar o que aprendemos e realizamos durante toda a vida. O que propomos é tão inovador que pode ser visto como impossível de ser efetivo e eficiente. Mas já temos exemplos que comprovam a eficácia, como o da FJERJ. No âmbito particular, podemos citar a Academia de Judô Lemanczuk Júnior, de Curitiba (PR), que utiliza todas as etapas de nosso processo, de curso a exames de faixas, com sucesso total.

Geraldo Bernardes no set de filmagem da ENJ © Arquivo

O que você vislumbra para o ecossistema marcial no curto, médio e longo prazos?

Acreditamos que as mudanças tem acontecido numa velocidade que ninguém imaginava, mas todos conseguem adaptar-se se houver um pouco de vontade e mente aberta. Podemos provar isso com a nossa parceria com FJERJ, pois, além do sucesso já relatado, conseguiu mesmo na pandemia trabalhar no processo de valorização dos senseis mais antigos e realizar exames de qualidade. Vários, deles, com mais de 70 anos, colocaram-se à frente de um computador e corrigiram provas de candidatos a graduações superiores de judô. Para ser exato, foram 6.706 provas realizadas em 2020 por pouco mais de 200 candidatos, num exame difícil, preciso e bem preparado pela comissão de graus da FJERJ. A curto prazo vamos encontrar um mercado aquecido, precisando de profissionais com processos e métodos mais atraentes. A médio prazo, as artes marciais chegarão a mais pessoas e em qualquer lugar mediante o uso da tecnologia e das redes sociais. A longo prazo, professores capacitados irão estruturar melhor suas associações e aumentarão seus ganhos. Academias/associações organizadas prestarão um serviço melhor e fortalecerão as federações. Diante desses resultados as Federações perceberão mais valor em  investir mais na transparência da gestão e nos professores e academias , que são a base da modalidade, mediante uma visão de futuro de crescimento e ganhos mútuos. Agindo assim contribuirão para confederações fortes e com resultados expressivos.

Professor kodansha hachi-dan (8º dan) Gilberto Brandão Cheble no set de gravação para o programa Kodanshas do Brasil © Arquivo

Como conciliar os princípios traçados pelos criadores das principais das artes marciais e a complexidade da prática esportiva na atualidade?

Mudanças são necessárias, importantes e urgentes. Sabemos que esse processo é difícil e lento, especialmente porque toda mudança exige revisão de modelos mentais já cristalizados e a adoção de novos comportamentos diante dos desafios. Percebemos ao longo dos anos que precisamos focar nossos investimentos nos jovens professores, na nova geração de mestres, na sua formação, no desenvolvimento das novas competências – técnicas e comportamentais – para que eles transformem tanto o ensino quanto a gestão da atividade como um todo. Para tanto, mente aberta e senso crítico são competências cujo desenvolvimento é indispensável para fazer face à complexidade desses novos tempos. Precisamos que eles percebam que os mestres fundadores das artes marciais foram inovadores e já enfatizavam, nos princípios e valores ensinados e,  na atualidade, que devemos dar continuidade a esse espírito de inovação dos antigos mestres, reconhecendo o valor do antigo aliado a novos conhecimentos que tem sido produzidos. Isso se dá reconhecendo a necessidade de desenvolvermos competências comportamentais, soft skils, aliadas à pratica e às técnicas. Elas ampliam a visão e contribuem para o velho e o novo coabitem, para que também a gestão do negócio seja vista com indispensável. Nessa linha, consideramos por demais importante valorizar mais a base, investir no desenvolvimento profissional, aqueles que estabelecem o contato inicial, que introduzem os jovens alunos  na prática dos esportes de combate e que são os principais responsáveis pela formação de seres humanos melhores e de futuros atletas. A pandemia exigiu que muitos, para continuar no mercado, se abrissem para a novos conhecimentos e à tecnologia, vissem que ela é um aliado e não um bicho-papão, que cada vez mais será indispensável aos profissionais que queiram obter sucesso.

Altair Araújo com Jucinei Gonçalves da Costa, presidente da Federação de Judô do Estado Rio Janeiro © Arquivo

De que forma a ENJ pode fomentar a simbiose necessária para alavancar a difusão e a prática dos esportes de combate?

A ENJ, como disse anteriormente, tem o propósito de contribuir para o aperfeiçoamento e para a profissionalização de professores de esportes de combate. Acreditamos que a difusão deles depende de profissionais competentes em múltiplas habilidades e não somente em ensinar técnicas de luta. Esses profissionais precisam valorizar-se e valorizar o trabalho; precisam reconhecer que administram um negócio que, como todo negócio, exige minimamente gestão e marketing, além do conhecimento técnico em constante aperfeiçoamento. Nessa linha, começamos oferecendo um sistema de gestão de academias específico para esportes de combate, que tem por objetivo propiciar a esses profissionais maior controle, conhecimento do negócio (clientes/alunos) e das respectivas necessidades. Mas isso é só o começo. Ajudamos esses profissionais a desenvolverem sua metodologia de ensino e como ter acesso aos recursos para sua comercialização. Aliado a esses produtos, e não menos importante, desenvolvemos um curso básico sobre gestão de academias. Todos o produtos estão interligados e são complementados por dois projetos que visam dar luz e voz aqueles que vivem da profissão: 1.000 dias de Kimono e Kodanshas do Brasil. Somos uma categoria que precisa registrar sua história, conhecer os resultados de uma vida pautada em valores éticos e morais. História permeada de sacrifício, abnegação, dedicação ao outro e ao judô, paixão, responsabilidade, criatividade, compromisso. História de profissionais que, além de fazer dos esportes de combate uma profissão, fazem literalmente dessa profissão sua vida, de seus alunos e de sua família. Usam o ideal de vencer para construir uma sociedade melhor, para a formar cidadãos. Resumindo, quanto mais profissionais entenderem que respeito e sucesso são conquistados por meio da aprendizagem contínua da profissão e da dedicação à gestão do negócio, mais facilmente conquistarão respeito e difundirão a prática das artes marciais. Esse investimento terá um custo ínfimo em relação aos resultados, mas exigirá uma mudança de paradigmas em relação aos serviços e ao seu valor. Oferecemos a cada dia mais ferramentas que possibilitarão aos futuros profissionais entrarem no mercado logo depois de sua graduação superior (faixa preta) e a se manterem dignamente no exercício dessa nobre profissão por muito anos.

Rosicleia Campos no set de filmagem da ENJ © Arquivo