Sem representação, boxe pode ficar fora do Jogos Olímpicos de Los Angeles em 2028

O boxe fará parte das Olimpíadas de Los Angeles 2028? © Getty Images

Pela primeira vez desde Estocolmo 1912, o boxe pode ficar ausente de uma Olimpíada. O COI assumiu o comando do boxe em Tóquio 2020 e Paris 2024, mas exige nova federação para gerir a modalidade até o início de 2025.

Por inside the games
10 de maio de 2024 / Curitiba (PR)

Para entender o cenário atual, é preciso retornar aos Jogos do Rio 2016, quando a Associação Internacional de Boxe – anteriormente identificada pela sigla AIBA e IBA a partir de dezembro de 2021 – foi a entidade internacional encarregada de organizar o torneio. Uma série de julgamentos controversos nas lutas, principalmente a derrota do irlandês Michael Conlan nas quartas de final para o russo Vladimir Nikitin, com Conlan acusando a AIBA de prejudicá-lo.

Além de suspeitas de corrupção, a AIBA esteve envolvida em questões financeiras e de governança, e seu presidente, Wu Ching-kuo, foi suspenso em outubro de 2017. Um mês depois, o taiwanês renunciou ao cargo que ocupava há 11 anos. Logo depois, o Comitê Olímpico Internacional (COI), presidida por Thomas Bach, interrompeu a transferência de recursos à Federação Internacional de Boxe.

Em outubro de 2018, a AIBA baniu Wu, que alegou ser vítima de uma manobra para garantir que Gafur Rakhimov, do Uzbequistão, fosse eleito para comandar a entidade sem oposição. Wu afirmou que as federações nacionais manifestaram preocupação com as supostas ligações de Rakhimov com o crime organizado. Rakhimov tornou-se presidente com Wu permanecendo membro do COI até deixar o cargo por motivos de saúde em março de 2020.

Rakhimov renunciou poucos meses depois de assumir a presidência, pouco antes de uma ser anunciada uma ampla investigação do COI sobre a AIBA. Ele foi substituído provisoriamente pelo marroquino Mohamed Moustahsane, mas a investigação levou o COI a retirar da AIBA seu direito de conduzir o torneio de boxe de Tóquio 2020 e suspendê-la como órgão regulador olímpico da modalidade. Apesar de a AIBA alegar que sua situação tinha melhorado após a saída de Wu, o COI apontou a permanência de funcionários que haviam ocupado altos cargos sob o comando dele.

Wu Ching-kuo presidiu a Associação Internacional de Boxe de 2006 a 2017 © Fabrice Coffrini/AFP / Getty Images

O COI nomeou sua própria força-tarefa para organizar o boxe em Tóquio 2020, que foi adiado por um ano devido à pandemia da covid-19. Enquanto isso, Rakhimov se concentrava em tentar limpar seu nome, incluído numa lista de sanções do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos como “um dos principais criminosos do Uzbequistão”.

IBA de Kremlev expulsa do movimento olímpico

Moustahsane concorreu nas eleições presidenciais realizadas em dezembro de 2020, mas foi derrotado pelo russo Umar Kremlev, que obteve 57,3% dos votos. O anterior crítico voraz de Rakhimov deu prioridade à liquidação da dívida da AIBA e ao fortalecimento das estruturas de governança e compliance do órgão, medida com as quais esperava conseguir recuperar o controle da gestão olímpica da modalidade para a IBA. Todavia, o COI já havia expressado dúvidas sobre a adequação de Kremlev para o cargo.

No entanto, a reeleição sem oposição de Kremlev em maio de 2022 – depois de o holandês Boris van der Vorst ter sido excluído da disputa – reforçou a desconfiança do COI. O Tribunal Arbitral do Desporto (CAS) deu provimento ao recurso do holandês contra a sua exclusão, marcando nova votação para uma reunião extraordinária do congresso em Yerevan, Armênia, em setembro de 2022.

Essa votação não ocorreu porque quase 75% das federações nacionais decidiram que nenhuma nova eleição deveria ser realizada, medida que o presidente da Federação Sueca de Boxe, Per-Axel Sjöholm, chamou de “um desastre completo”. Kremlev estava radiante: “Hoje estamos criando o futuro de nossos filhos, de nossos atletas. Dizemos hoje que somos uma organização independente e estamos aqui para proteger a IBA, que todos nós amamos, e não deveríamos dizer boxe olímpico, deveríamos dizer boxe IBA”.

O presidente da IBA, Umar Kremlev (R), com o CEO Chris Roberts © IBA

Em nota oficial, o comitê executivo do COI declarou estar “extremamente preocupado”, alegando que não houve eleição, mas apenas uma votação para não realizar uma eleição. E lembrou que a reconhecida Federação Nacional de Boxe da Ucrânia fora suspensa pouco antes do Congresso da IBA “por razões controversas”.

Talvez sem surpresa, a IBA foi impedida de presidir o boxe em Paris 2024 antes de ser expulsa do movimento olímpico em junho passado. Bach disse: “Não temos problemas com o boxe. Não temos problemas com os boxeadores. O que temos é um problema extremamente sério com a IBA por causa da sua governança. Porque valorizamos tanto o esporte do boxe, acreditamos que os boxeadores merecem plenamente ser governados por uma federação internacional com integridade e transparência”.

Há pouco mais de um ano, van der Vorst fundou a World Boxing como órgão rival da IBA. Antes do CAS confirmar a expulsão da IBA pelo COI no mês passado, a World Boxing já havia tornado público seu objetivo de buscar o reconhecimento do COI e preencher o vazio deixado pela exclusão da IBA como órgão regulador do boxe.

Neste mês, a World Boxing realizou sua primeira reunião formal com o COI em Lausanne, Suíça, na tentativa de organizar o torneio olímpico de boxe de Los Angeles 2028. O COI insistiu que o boxe mundial teria de ser apoiado por um órgão global de federações nacionais e mostrar evidências de governança e liderança adequadas para tanto.

O World Boxing pode organizar o boxe no LA28?

Bach descartou qualquer perspectiva de restabelecimento da IBA, dizendo: “Demos a eles quatro anos, eles não cumpriram as condições estabelecidas por nós. A maneira como estão se expressando agora e se comportando não dá esperança de que haverá melhoria.”

O presidente do World Boxing, Boris van der Vorst (R), cumprimenta o diretor esportivo do COI, Kit McConnelL © X/@RealWorldBoxing

Com a IBA fora de cena, a World Boxing parece ser a única esperança do esporte para Los Angeles. A USA Boxing é a maior federação nacional a aderir à organização ainda incipiente, mas a grande maioria das federações nacionais de boxe permanece filiada à IBA, que insiste que a World Boxing é “inadequada em todos os níveis para apoiar as federações nacionais em todo o mundo”.

A campeã olímpica dos médios de Tóquio 2020, Lauren Price, disse à Sky Sports em abril que está esperançosa de que o novo órgão atraia o apoio necessário para cumprir os requisitos do COI. “Muitos mais países aderiram. Acredito que, talvez depois de Paris, mais países venham a aderir.”

A IBA começou a afastar-se de suas origens amadoras. No mês passado, criou seu primeiro Comitê de Boxe Profissional, e os recentes projetos da Noite dos Campeões – incluindo um em Madri no início de maio – reuniram os boxeadores que vão a Paris 2024 em lutas de formato profissional, de seis ou oito rounds.

Enquanto isso, a World Boxing teve até agora duas etapas de sua Copa Mundial de Boxe de 2024: o GB Open de janeiro em Sheffield e o USA Boxing International Invitational de abril em Pueblo, Califórnia.

Alguns desses boxeadores preparam-se para sua última chance de se classificar para Paris 2024, em Bangkok, no fim de maio. Talvez só muito depois dos Jogos de Paris saberemos se a World Boxing conseguirá federações nacionais suficientes fora da IBA – especialmente na África e na Ásia – para poder comandar efetivamente o boxe em Los Angeles 2028.

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