06 de agosto de 2025

Hans van Essen não é um nome familiar para o público brasileiro, mas é, sem dúvida, uma das maiores referências do jornalismo do judô internacional. Editor-chefe e criador do portal JudoInside.com, Van Essen cobre há décadas os principais eventos mundiais da modalidade, como Jogos Olímpicos, Campeonatos Mundiais e Europeus, sempre com uma abordagem técnica, precisa e profundamente respeitada pela comunidade global do judô.
Neste artigo, Van Essen aborda com clareza e sensibilidade um dos temas mais relevantes do alto rendimento: a transição de grandes atletas para o papel de treinador. Um processo que vem ocorrendo de forma acelerada e transformadora em todo o mundo.
Hans van Essen, proprietário e editor-chefe do JudoInside.com © X
Parece que a geração dos treinadores está cada vez mais jovem. Em comparação com o passado, quando a maioria dos técnicos parecia mais velha — não necessariamente mais sábia, tampouco mais teórica. Especialmente diante da atual geração de jovens treinadores que tiveram um papel dominante como atletas no judô mundial. Com a rápida transição de Antoine Valois-Fortier, mais um medalhista passou a integrar o Circuito Mundial, trazendo uma experiência essencial.
Parece que o mundo está se tornando um pouco menos formal. Um treinador costumava estar clara e formalmente acima dos atletas. A cadeia de comando não mudou, mas agora o treinador ocupa uma posição mais próxima dos atletas. Ele pensa como os atletas, mas com a perspectiva de helicóptero fundamentada em sua própria experiência: visão clara, soluções novas e compreensão das necessidades de cada um. Na prática, cada vez mais atletas encontram soluções personalizadas para suas habilidades. É um desenvolvimento semelhante ao de outras modalidades esportivas que envolve um treinador, um preparador físico, um psicólogo, um fisiologista, um nutricionista — e tudo mais o que o atleta precisar.
A saúde mental é um fator importante quando se trata de esportes de alto nível. A pressão interna e externa, especialmente em ano olímpico ou de qualificação, é enorme. Tudo depende de como cada atleta lida com isso. Além disso, um atleta de ponta que se torna treinador consegue compreender esse tipo de pressão enfrentada por seus atletas.
Campeã olímpica, Lucie Decosse hoje se destaca na função de treinadora © François Darmigny
É simples: quando as pessoas sabem que você teve um desempenho de alto nível, automaticamente passam a respeitá-lo, pois é isso que elas almejam alcançar. Embora os judocas, em geral, sejam respeitosos — principalmente em comparação com atletas de outras modalidades —, eles ainda precisam dos melhores conselhos e das soluções certas para progredir em sua categoria, principalmente na abordagem frente ao próximo adversário.
Num mundo em que informações, dados e análise de vídeo se tornaram ativos fundamentais, o papel do treinador também mudou. Talvez ele até delegue certas áreas de especialização para outros profissionais, como a análise de vídeo. No entanto, certamente saberá quais detalhes devem ser destacados e esse é o poder do treinador: usar e aprimorar as técnicas modernas e mostrar onde fazer a diferença em uma luta.
Não é surpresa que jovens treinadores como Ilias Iliadis, Yvonne Boenisch, Sugoi Uriarte e Tomoko Fukumi estejam obtendo tanto sucesso. Aliás, Antoine é provavelmente o mais jovem entre eles, com seus 31 anos, e já mostrou sua cara no Circuito Mundial este ano. Nós o vimos chegar, apontando com precisão os detalhes que um atleta precisa observar. Ele já fez isso antes, é extremamente comprometido e faz parte do grupo de talentos desse novo ciclo.
Também é um grande avanço ver que treinadores mais teóricos, que talvez não tenham alcançado o mais alto nível competitivo, conseguem levar jovens atletas ao topo — como é o caso de Shani Hershko e Driton Kuka, por exemplo.
Keiji Suzuki, bicampeão mundial e ouro em Atenas, hoje está à frente da seleção do Japão © Klaus Müller
A transição de atleta para treinador não é novidade. Para alguns, é um destino natural; para outros, é como aprender a nadar em águas profundas. Quase nos esquecemos de que alguns países lançaram tendências ao promover seus melhores atletas para a função de treinador.
O Japão, por exemplo, teve um de seus técnicos mais bem-sucedidos em Kosei Inoue, hoje sucedido por Keiji Suzuki — ambos campeões olímpicos, com um talento natural para levar seus atletas mais longe e com um olhar técnico para detalhes que poucos conseguem igualar.
Os franceses sempre contaram com treinadores de ponta que atuaram em alto nível como atletas. Larbi Benboudaoud é um exemplo de sucesso há anos, mas também teve que nadar muito no início. Agora, aos 47 anos, ele integra a geração mais experiente. Especialmente essa faixa etária — com mais de 40 anos — é extremamente bem-sucedida, mas precisou aprender tudo do zero.
Ouro em Atenas, Yvonne Boenisch é um dos principais destaques entre os novos treinadores do judô mundial © EJU
A francesa Lucie Decosse (40), Ayumi Tanimoto (40), Ana Hormigo (40), Keiji Suzuki (45), Yvonne Boenisch (40) e Francesco Bruyere (41) são todos grandes treinadores e figuras recorrentes no Circuito Mundial da FIJ há anos.
Nem todo ex-atleta consegue ter sucesso como treinador; ensinar, compilar e aplicar todas as camadas de informação disponíveis é, definitivamente, uma habilidade que nem todos possuem. Cada vez mais, esses profissionais têm sido escolhidos e preparados com o apoio das novas tecnologias para obter sucesso nos próximos ciclos olímpicos.
Campeões olímpicos como a japonesa Masae Ueno — bicampeã mundial e olímpica, ouro em Atenas 2004 e Pequim 2008 (70 kg); a francesa Lucie Decosse, ouro em Londres 2012 (70 kg); o grego Ilias Iliadis, ouro em Atenas 2004 (81 kg) e bronze em Londres 2012 (90 kg); o japonês Keiji Suzuki, bicampeão mundial e ouro em Atenas 2004 (+100 kg); e a alemã Yvonne Boenisch, ouro em Atenas 2004 (57 kg) — todos representam esse perfil raro e valioso. Suzuki e Boenisch são exemplos garantidos de sucesso.
Importante referência técnica da sua geração, Ilias Iliadis agora integra o grupo dos principais treinadores da atualidade © YouTube
É notável que a FIJ tenha aproveitado várias desses “talentos” em sua própria estrutura: Quellmalz, Jeon, Maddaloni e, como embaixadores ou promotores, Huizinga, Uemura, Yamashita… todos campeões olímpicos. Uma equipe dos sonhos com um objetivo comum: desenvolver e projetar o judô.
Estou convencido de que essa nova geração também terá sucesso, desde que traga consigo motivação, atenção aos detalhes e intuição para os tatamis. O judô precisa ser mais competitivo, enquanto outros esportes já contam com um fator X que os torna mais atraentes para a televisão, para os fãs e para o público em geral.
Simplicidade. O judô vem lutando para manter a simplicidade em um esporte que, por natureza, exige tantos detalhes e é tão bem desenvolvido. Simplicidade e criatividade são fundamentais tanto na arbitragem quanto no marketing da nossa modalidade — para que se consiga explicar o que realmente é o judô.
Bicampeã mundial e olímpica, Masae Ueno atua na formação de novos talentos e segue influente no cenário do judô japonês © Mike Hewitt / Getty Images
A comunicação de um atleta no tatami deve ser clara: mostre que você quer vencer, mostre que você mereceu vencer, mostre que você tem as habilidades para vencer. Isso não deve parecer superficial, mas sim demonstrar respeito ao seu oponente.
Senti falta dessa conexão nos últimos Jogos Olímpicos, em que nem todos os atletas demonstraram, por meio da linguagem não verbal, uma postura incondicional com o árbitro para convencer a todos de que sua vitória foi merecida.
Prevejo também que cada vez mais ex-atletas passarão a atuar como árbitros. Juntos, vamos criar vencedores vibrantes! Ebinuma, An, Conway, Pareto, Alvear, Kelmendi, Ungvari, Gerbi e tantos outros — as portas estão abertas, e todos são muito bem-vindos.