Troca frequente nas datas das competições expõe a má gestão da Confederação Brasileira de Judô

No dia 1º de abril de 2017, Paulo Wanderley, atual presidente do COB entregou nas mãos de Silvio Borges uma entidade estruturada, com as contas equilibradas e uma receita anual de R$ 56 milhões

Dos dez campeonatos brasileiros programados até agosto, quatro mudaram de data ou sede, enquanto outros foram cancelados, em prejuízo dos atletas e das comissões técnicas na aquisição de passagens, reservas de hotéis, liberação no trabalho e ausência familiar

Opinião
01/06/2018
Por PAULO PINTO I Fotos BUDÔPRESS
Curitiba – PR

A temporada 2018 do judô brasileiro está sendo marcada pelos constantes impasses gerados pela falta de planejamento da gestão técnica da Confederação Brasileira de Judô (CBJ).

Os problemas começaram no início da temporada, quando foram apresentadas as mudanças impostas unilateralmente pela coordenação técnica da CBJ para o Campeonato Brasileiro Regional que se realiza anualmente nas cinco regiões do País.

De forma arbitrária e sem consultar presidentes ou coordenadores técnicos das federações, a CBJ impôs mudanças que, segundo os presidentes estaduais, causaram enormes prejuízos para as federações, professores, técnicos, atletas e árbitros que atuaram nos certames.

Inadvertidamente, a competição foi aumentada em um dia, ou seja, passou de três para quatro dias, exigindo que professores e atletas inscritos na disputa ficassem um dia a mais fora de seus Estados. Mais um dia longe de seus afazeres e compromissos profissionais.

Entrevistamos vários dirigentes, que por questões óbvias pediram para não serem identificados, mas todos, sem exceção, criticaram a decisão arbitrária tomada pela equipe que hoje comanda a área técnica da CBJ. “Eles não poderiam ter feito estas mudanças sem antes conversar com os Estados”, disse a maioria esmagadora de dirigentes estaduais.

E os dirigentes não reclamaram apenas da adição de um dia na disputa. Mostrando gigantesca capacidade de promover o caos, mentes geniais tiveram a brilhante ideia de jogar por terra a frágil estrutura que permite a maior parte das federações começarem seu calendário esportivo.

Robnelson Ferreira, gestor executivo da CBJ

Não satisfeitos em elevar o número de dias de uma competição que reúne no máximo 500 atletas, o departamento técnico da CBJ decidiu pôr fim às seletivas estaduais classificatórias para o brasileiro regional, isentando os atletas das seletivas e eliminando o limite de participantes por Estado, antes fixado em 100 judocas.

Desnecessário explicar que na maioria dos Estados são justamente estas seletivas que proporcionam às entidades as receitas que respaldam o início das suas atividades. Ou seja, além do prejuízo causado pela ampliação da disputa, os gestores da CBJ quase puseram fim às receitas oriundas das inscrições para as seletivas. Não fosse a total desobediência desta norma esdrúxula, muitas federações não teriam verba para levar suas delegações para a competição regional. Indubitavelmente, promoveram um imbróglio dantesco.

Mas não é só isso. Determinações que saem da cúpula da CBJ parecem não ter passado por um mínimo de reflexão. Em um determinado dia, publica-se uma circular proibindo que dirigentes estaduais atuem nas áreas técnica e de arbitragem das competições nacionais. Já na competição seguinte, vemos os mesmos personagens fazendo aquilo que sempre fizeram, porque em algumas unidades da Federação ainda não existe gente capacitada suficiente para assumir os numerosos setores que a modalidade tem. É o samba do crioulo doido, e fica o dito pelo não dito quando se trata de amigos. Já para os inimigos, as normas impostas são levadas ao pé da letra, ou a ferro e fogo.

Com uma trajetória brilhante na gestão esportiva, Mateus Theotônio, gestor nacional de eventos da CBJ, parece estar sob pressão ou sendo induzido ao erro por seus pares, tamanhos têm sido os erros na condução dos eventos da confederação. Em São Paulo, o dirigente buscou minimizar o impacto das decisões tomadas no início desta temporada.

“As pessoas estão reclamando das novas medidas, mas a não limitação do número de atletas fez com que tivéssemos aqui uma das disputas com maior nível técnico da história, em função da quantidade de judocas que disputaram o brasileiro da Região V”, defendeu Theotônio.

Mateus Theotônio, gestor nacional de eventos da CBJ

Troca de sedes, mudança de datas e cancelamento de eventos

Foram as mudanças relatadas acima que levaram o Estado de Pernambuco a desistir de sediar o Campeonato Brasileiro da Região II, transferido para João Pessoa.

Posteriormente, o Campeonato Brasileiro da Região I também sofreu duas mudanças de data, gerando imensos problemas para centenas de judocas do Ceará, Maranhão, Piauí, Pará, Amapá e Roraima que tinham feito reservas do transporte aéreo e da parte terrestre. Houve Estado que acabou levando apenas 20% dos atletas que iriam, em função do custo para comprar passagens a poucos dias da competição.

É uma pena não podermos publicar os dados concretos deste absurdo e dos prejuízos causados às equipes, pois estas informações mostrariam o tamanho do caos imposto a tantas pessoas, em função da CBJ ter alterado a data do evento. Usam de truculência na imposição das decisões e normas e punem severamente quem se atreve a questionar suas arbitrariedades.

Segundo informaram os presidentes, que pediram insistentemente para não serem identificados, temendo represálias, a mudança nas datas atendeu a um pedido da comissão técnica da CBJ, que tinha atletas daquela região competindo no exterior.

Enfatizamos que as seleções estaduais não recebem nenhum suporte financeiro para participar dos brasileiros regionais. Atletas e técnicos são obrigados a arcar com as despesas do deslocamento. Os transtornos e prejuízos das equipes não preocupam os estrategistas da confederação brasileira, que estão focados apenas em resolver o problema do calendário da entidade e as demandas da CBJ, em detrimento das perdas sofridas por atletas e técnicos, aqueles que na verdade fomentam a modalidade.

O Torneio Nacional sub 15, inicialmente marcado para 14 e 15 de setembro, em Fortaleza (CE), foi cancelado.

O Grand Prix Nacional sub 21 misto, que se realizaria em São Paulo (SP), entre os dias 27 e 29 de setembro, também foi cancelado.

Silvio Borges e Mateus Theotônio na seletiva sênior realizada no CPJ em Lauro de Freitas

Campeonatos brasileiros sub 13 e sub 15 foram remarcados

Não bastassem os problemas causados às equipes nos brasileiros regionais, recentemente foram adiados mais dois certames: os campeonatos brasileiros sub 15 e sub 13, que definem os representantes do Brasil nos campeonatos pan-americano e sul-americano.

Com estas alterações de data impostas pela CBJ, os judocas e membros de comissões técnicas não contemplados pelo PAF, que já haviam comprado passagens e feito reservas em hotéis, tiveram de arcar com o prejuízo.

A princípio, o brasileiro sub 15 se realizaria em 21 e 22 de julho, em Blumenau (SC), mas na semana passada, foi transferido para os dias 1 e 2 de setembro na mesma cidade catarinense.

O Campeonato Brasileiro sub 13, inicialmente programado para 4 e 5 de agosto, foi transferido para os dias 22 e 23 de setembro. A cidade de Campo Grande (MS) foi mantida como sede da disputa.

É importante lembrar que, devido à baixa faixa etária, estas duas classes são as que levam maior público para os certames nacionais, geralmente frequentados por familiares dos pequenos judocas. Alheia aos problemas das famílias, a gestão de eventos da CBJ desrespeitou as datas programadas no início da temporada.

Programa de Apoio às Federações (PAF) virou o vilão na atual gestão da CBJ

A justificativa para as recentes mudanças nos dois eventos da base foi a não liberação dos recursos do Programa de Apoio às Federações (PAF) do Ministério do Esporte. Contudo, este é um problema criado exclusivamente pela atual gestão da CBJ, que não tem a competência necessária para fazer a gestão dos projetos básicos, que desde 2011 são desenvolvidos junto a órgãos como o Comitê Olímpico do Brasil, Ministério do Esporte e, recentemente, o Comitê Brasileiro de Clubes.

Os dois eventos cancelados no segundo semestre seriam realizados em parceria com o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), e o cancelamento destes certames evidencia a falta de habilidade da atual gestão no trato com as autoridades que regem o esporte nacional.

Sob o olhar de Gilmar Cotrim Camerino e Sílvio Borges, Paulo Wanderley Teixeira assina o termo de posse para o novo presidente da CBJ

Desmistificando o PAF

O PAF é um programa da Confederação Brasileira de Judô e do Ministério do Esporte, criado em 2011 para auxiliar o fomento e o desenvolvimento das federações estaduais, que na realidade são o alicerce do judô nacional.

Desde a sua criação, o PAF distribui seis passagens aéreas (cinco para atletas e uma para o técnico) por federação para as finais dos campeonatos brasileiros.

É muito importante ter em conta que as equipes são compostas por 16 atletas e três ou quatro membros de comissões técnicas. Desta forma, o tão alardeado programa atende a apenas 30% das necessidades das equipes que disputam os campeonatos brasileiros e o Troféu Brasil. Seletivas Nacionais, Grand Prix e outros torneios não recebem recursos do PAF.

Em outras palavras: 70% dos atletas e técnicos não são contemplados pelo PAF e têm de comprar passagens e pagar com recursos próprios alimentação, hotel e demais despesas inerentes à competição. Cada vez que a CBJ muda datas e locais de eventos, causa enormes prejuízos às pessoas que na verdade promovem o fomento da modalidade. A conversa de que o PAF arca com as despesas não procede, ou melhor, possui um terço de veracidade e dois terços de mentira.

Terceirizando a responsabilidade pelos erros cometidos

Por mais que a cúpula da CBJ busque culpar o Ministério do Esporte pelos problemas que a sua diretoria está criando sucessivamente, a verdade é que falta comando à entidade e gente capacitada para manter a confederação nos trilhos.

Estes problemas envolvem diretamente os departamentos técnico, de projetos, de planejamento e financeiro da Confederação Brasileira de Judô.

Lamentavelmente, hoje, a CBJ está sem comando e sua gestão administrativa está fundamentada na improvisação e no empirismo. Não existe planejamento. Pior: não existe um plano de contingência que, no curto prazo, nos permita vislumbrar absolutamente nada além do caos.

O mês de junho será um divisor de águas para a Confederação Brasileira de Judô e esperamos que o improviso e a soberba sejam substituídos por uma agenda exequível, que tire a modalidade do buraco em que se encontra desde o início da administração atual, fruto do amadorismo e do centralismo ególatra que permeiam a gestão. É conveniente lembrar que a prepotência nos faz fortes por um dia, enquanto a humildade nos fortalece para sempre