10 de março de 2025

O treinamento do judô começa com a prática combinada de educação física e arte marcial. Há duas formas de prática: kata e randori. Por kata entendem-se as formas estabelecidas e pré-determinadas da ordem dos movimentos para condicionamento do combate e defesa pessoal; randori é a prática livre de habilidades de combate exercitada com respeito ao oponente e com cuidado à sua segurança física (Pavani, 2020).
Segundo o Instituto Kodokan de Tóquio, as principais formas de praticar judô são o randori, na qual os praticantes aplicam livremente as técnicas, atacando e defendendo simultaneamente, e os katas, quando aprendem e exercitam os princípios e fundamentos das técnicas (Lex, 2017).
Posto isto, entendo que tanto na atuação livre de aplicação das técnicas, (randori) quanto na prática das formas estabelecidas e pré-determinadas da ordem dos movimentos para condicionamento do combate e defesa pessoal (kata) a participação do uke é de indiscutível importância.
Por vários aspectos, o uke é um ideograma que detém a nossa atenção
Daí a melhor literatura (oriental e ocidental) revela que o ideograma do uke foi construído ao longo do tempo com farta riqueza de detalhes, portanto, o mesmo é digno de ser estudado amiúde e compreendido de maneira ímpar; senão, vejamos.
Ele comporta duas direções (flechas). Uma estendendo-se para baixo e outra, para cima. Ao centro temos a figura que representa um barco.
As flechas para baixo e para cima revelam a transmissão de mercadorias de uma pessoa para a outra em tempo pretérito, assim, ele se tornou ao longo do tempo o kanji utilizado para indicar o ato de receber, perfazendo por consequência o destinatário.
Como é óbvio, no judô temos o tori e o uke, que numa tradução livre deve ser entendido como destinatário. Por sua vez, no karatê, o ukete é a mão que recebe, enquanto no kendô o ukedachi é a espada que recebe. Portanto, no judô, no karatê e no kendô uke é sinônimo de destinatário, figura imprescindível no combate.
Não obstante, nas academias, de maneira geral, uke é traduzido incorretamente como quem se submete à técnica, dando a entender a ideia de um perdedor. Entender que a palavra uke significa mais corretamente receber (destinatário) abre novas frentes ao praticante de toda e qualquer arte marcial, entre elas o judô, o karatê e kendô.
Note que agir como uke em um randori é muito mais do que restar passivo frente aos ataques do tori, pois se trata de uma opção em assumir a atitude de alguém que recebe a energia de uma técnica por sua conta e risco (por sua própria vontade). Logo, muito diferente da ideia de um perdedor, em que pese entendimento contrário firmando pela vox populi, pois ele, uke, absorve a energia da técnica (o que não implica necessariamente uma derrota) e de pronto fica em pé.
Os termos ukete (karatê) e ukedashi (kendô) estão sujeitos a interpretações discrepantes da realidade ora descrita, e, por engano, eu acredito veementemente que revelam o praticante apto a desviar de um ataque. Todavia, não é assim, uma vez que as ukekatas exigem que o praticante receba o ataque para enviá-lo em outra direção ou usá-lo contra o próprio atacante, ou seja, contra o tori.
Gabriel Bondezan, judoca da seleção paulista sub 18 fazendo randori no Japão © Budopress
Jigoro Kano sensei (1860-1938) esclarece isto afirmando: geralmente, supõe-se que o jiu-jitsu é uma arte de ataque e defesa com base na antiga teoria de que a suavidade controla a rigidez e que esse foi o único raciocínio usado nas lutas do jiu-jitsu. Se isto fosse verdade, implicaria que as técnicas de jiu-jitsu eram inúteis sem ter um oponente para atacar, e se fosse realmente assim, teria uma forma muito restrita de combate.
Para Jigoro Kano, um ataque e sua resposta defensiva adequada são forças instantâneas e ativas tanto para o tori quanto para o uke. Os papéis são trocados em todos os momentos, ou seja, um tori pode ser um uke e um uke pode ser um tori. Ao contrário deste entendimento, caso dois praticantes passivos se enfrentassem, cada qual à espera do ataque do outro, não haveria luta, pois nenhum deles atacaria.
O professor Kano diz que se trata de um fato, pois é evidente a possibilidade de ataque dada tanto ao tori quanto ao uke; assim, ambos podem dar origem a uma ação positiva de ataque apropriado.
Com o uke passivo, suas ações de ataque e defesa são inconsistentes e, além disso, impedem a formação de um padrão preciso de movimento repetitivo.
Kano sensei idealizou um uke normalmente ativo, fato que resta perfeitamente demonstrado pela execução de algumas técnicas do nage-no-kata. O papel do uke pode ser resumido da seguinte forma:
1º – Em todos os katas empurra ou puxa o tori para realizar um ataque ou com a intenção de realizá-lo;
2º – Realiza seus ataques empurrando, batendo ou colidindo com o tori;
3º – Em algumas ocasiões, ele lança o tori ou mostra a intenção de querer fazê-lo;
4º – Ele está sempre ativo, tori aproveita a força do uke cedendo ou resistindo, conforme apropriado.
5º – Desempenha o papel de agressor, pois sua ação é sempre realizada, ou com a intenção de realizá-la, empurrando ou puxando tori.
Para Jigoro Kano sensei, um ataque e sua resposta defensiva adequada são forças instantâneas e ativas tanto para o tori quanto para o uke.
As funções são sempre intercambiáveis:
1º – Um atacante (tori) pode ser um defensor (uke);
2º – Um defensor (uke) pode ser um atacante (tori).
10 de março de 2025
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