18 de novembro de 2024
Vivência, aprendizado e experiência que ficarão para sempre
Em sua 17ª edição, o Shotyugeiko de Divinolândia 2023 atinge maturidade estrutural e supera objetivos na transmissão de conhecimento nas áreas técnica e pedagógica
Por Paulo Pinto / Global Sports
27 de janeiro de 2023 / São Paulo (SP)
Com o apoio da Prefeitura de Divinolândia e da 12ª Delegacia Regional Mogiana da Federação Paulista de Judô (FPJudô), a Associação de Judô Divinolândia realizou de 10 a 14 de janeiro a 17ª edição do tradicional treinamento de verão, evento voltado à transmissão de conhecimento para os judocas das categorias de base.
A cerimônia de abertura contou com a presença do prefeito Antônio de Pádua Aquisti, o Padoca; Cléber do Carmo, delegado regional da 12ª Mogiana; os professores Danilo Pietrucci e Diego Buson, organizadores do Shotyugeiko de Divinolândia; Muciel Datovo, assessor do gabinete da prefeitura; e os palestrantes Vânia Ishii, Marco Antônio Barbosa e Elton Quadros Fiebig.
Buscando avaliar a real importância do treinamento de verão de 2023, a Budô escutou os principais personagens do encontro, ou seja, os palestrantes que fizeram transmissão de conhecimento para os 214 jovens judocas de São Paulo, Tocantins, Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e até um da Nova Zelândia, que foram a Divinolândia.
Gratidão
Os três professores que ministraram os treinos têm passagem importante pela seleção brasileira de judô. A grande novidade desta edição foi ter pela primeira vez uma mulher no comando do treinamento, a sensei Vania Ishii, medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg (1999) e de prata nos Jogos de Santo Domingo (2003) no peso meio-médio.
“Antes de mais nada quero agradecer por esta oportunidade de ter contato com judocas de todas as faixas etárias, dos 10 anos aos veteranos”, afirmou a sensei Vânia, revelando dois aspectos fortíssimos de sua personalidade: a simplicidade e a gratidão. “Para mim foi uma experiência incrível passar o kihon, a base e o básico do judô para crianças e burilar os detalhes para os adultos, pois isso é uma coisa de que o judô atual está um pouco carente. Não se trata só de randori e uchi-comi, de fazer por fazer, mas participar de cada golpe e, com o avanço na idade dos praticantes, mostrar cada particularidade, dando sempre a devida importância aos detalhes. Isso faz com que a criança cresça nos tatamis, e é isso que eu tento passar.”
Sensei Vânia explicou que os professores devem ter a responsabilidade de avaliar o grau de maturidade de cada criança e, se possível, ensinar alguns detalhezinhos da base. “Mas a diversão deve ficar em primeiro lugar; essa alegria de estar aqui nos tatamis é o mais importante para os mais jovens.”
Quanto aos adolescentes e adultos ela sugere uma leitura mais técnica. “Observei os uchi-comis e o-soto-garis, os golpes que dissequei para eles, e logo depois vi meninas executando-os muito bem, cuidando dos detalhes, e isso para mim já foi ótimo. Se todos pudessem absorver 1% do que passei, já seria uma grande vitória, porque não é fácil. Levei a vida inteira apurando e aperfeiçoando minha técnica, e este processo é altamente custoso e oneroso, sob os pontos de vista cognitivo e motor.”
Se tivesse de usar apenas uma palavra para definir esses cinco dias em que trabalhou em Divinolândia, sensei Vânia escolheria alegria. “Vejo como todos os judocas ficam felizes dentro dos tatamis. Isso é contagiante e eu também resgatei isso em mim. Não que eu seja uma pessoa triste, mas é outro tipo de alegria, desse amor de iniciante e essa energia toda.”
Eterno aprendizado
Membro da seleção brasileira de judô por muitos anos, o professor Marco Antônio Barbosa, o Barbosinha, disputou Jogos Pan-Americanos e várias seletivas olímpicas e morou no Japão por três anos. Defendeu equipes como o Esporte Clube Pinheiros, tornou-se uma das maiores referências em ne-waza do País, e hoje está à frente da B9, uma das maiores franquias de jiu-jitsu do mundo. É go-dan (5º dan) no jiu-jitsu.
“Desde garoto, sempre gostei de participar de kangeikos e shotyugeikos, por vários motivos. Como atleta, o jovem praticante enfrenta garotos de outras escolas e estilos distintos. Na primeira vez num kangeiko, no CAT da FPJudô em São Paulo, aos 14 anos, achei maravilhoso. Foi quando conheci o sensei Miguel Suganuma que, apesar da presença de renomados professores, me marcou muito pela excelente didática, pela facilidade de explicar e ensinar. Aquela vivência para mim foi como um estalo, uma virada de chave, algo novo e o inesperado. Meu sensei na época, o professor Omar Mikinioti, também uma referência, sempre estimulava os alunos a conhecerem outros professores e escolas. Acredito nessa interação dos garotos que treinam juntos, assim como eu trouxe o pessoal do jiu-jitsu para interagir com a turma do judô e vice-versa.”
Barbosinha lembra que para os jovens atletas é muito importante dar esse abrir de olhos para outras situações, outros detalhes, conhecer outros professores e até mesmo modalidades, pois tudo vai enriquecer seu conhecimento e ampliar seus recursos para lutar. “Aqui eles podem conversar com pessoas diferentes, de outras culturas e classes sociais, todos convivendo juntos. Dividem as barracas, vão juntos à piscina e praticam outras atividades. Isso é muito legal.”
Hoje, como professor, Barbosinha ainda gosta muito desse ambiente de aprendizado, não só para passar a experiência que acumula desde garoto, mas também para aprender e com meninos e meninas que foram a Divinolândia para treinar. “Acredito verdadeiramente que somos fruto do meio e, estando com eles, a força que eles possuem e o espírito jovem me ajudam a continuar jovem e ativo, mas sempre buscando fazer mais. Então, é bom para todos: para quem está ministrando as aulas, para quem está aprendendo e, principalmente, para o judô paulista, que passa a contar com crianças e jovens muito mais bem preparados tecnicamente e psicologicamente. Enfim, acredito que seja bom para a cadeia de pessoas que vêm o judô como caminho, como dô.”
O diretor executivo da franquia de jiu-jitsu B9 avalia que o ponto alto desta edição do Shotyugeiko de Divinolândia foi reunir nos tatamis um número maior de crianças e jovens. “A quantidade de crianças e garotos aumentou exponencialmente e isso é muito importante quando pensamos o treinamento e a formação voltados para a base. Dá até para aprender com os erros deles, pois ao vê-los reformulamos algumas formas de passar o conhecimento, de abordagem, de conversar e de transmitir os principais fundamentos. Outro ponto alto foi a quantidade de atletas inscritos. Então, tanto para os praticantes quanto para os professores foi sem dúvida uma experiência enriquecedora.”
Didática gigante
O terceiro palestrante foi o sensei Elton Quadros Fiebig, judoca que edificou uma trajetória vencedora nos tatamis e coleciona uma quantidade impressionante de títulos nacionais e internacionais. Juntamente com a professora Vânia Ishii, ele ministrou os treinos de tachi-waza. Mas em Divinópolis Elton mostrou seu potencial didático e pedagógico.
Durante os cinco dias do treinamento de verão, Fiebig estabeleceu uma relação muito próxima com os mais de 100 judocas que estavam sob seu comando. Utilizando recursos pedagógicos poderosos, mostrou fundamentos importantes do judô, mas sem abrir mão da brincadeira e do lúdico.
“Desde que o que o Instituto Kodokan foi fundado, anualmente são feitos os treinamentos de verão e de inverno (shotyugeiko e o kangeiko) de forma sistemática. No Brasil são realizados em forma de imersão, o que não ocorre no Japão. Aqui nós fazemos uma imersão de quatro a cinco dias, vivenciando o judô de forma intensa. O que fizemos aqui foi a mesma coisa que aprendi há 35 anos, participando dos kangeikos e shotyugeikos de Bastos. A FPJudô também fazia estes eventos no CAT, com os senseis Massao Shinohara e Miguel Suganuma. Em Atibaia, havia numerosas atividades desse tipo e hoje vemos a prática avançar por todo o País. Vemos também que cada vez mais o judô se aproxima do que Jigoro Kano pregava. Estamos resgatando e dando continuidade a uma prática comum no passado, pois temos de fazer o papel dos velhos mestres, já que há menos professores genuinamente japoneses. A minha geração está chegando aos 50 anos e temos de transmitir tudo que aprendemos para as novas gerações. Temos de manter a tradição e perpetuar o verdadeiro judô, e este é o principal atributo do Shotyugeiko de Divinópolis.”
No Japão, Fiebig estudou na Kokushikan University, em Setagaya, Tóquio, uma das instituições de ensino mais tradicionais. “Na época o técnico de judô do campus era o bicampeão olímpico dos pesos pesados, Hitoshi Saito, e lá sim vivíamos em regime de internato”, lembra Fiebig. “Então, apesar de no dia a dia já termos uma certa rigidez, durante os períodos de kangeiko e shotyugeiko o sistema era mais rígido ainda.”
Elton chegou à região para disputar o Circuito Olímpico do Banco do Brasil em 2009 e conheceu sua esposa em Poços de Caldas (MG), que fica a 20 quilômetros de Divinolândia, onde se radicou. “A partir desse momento estabeleci proximidade com o sensei Danilo Pietrucci. Meus alunos passaram a representar a cidade dele para mantermos o vínculo, pois entendo que os atletas que se destacam em São Paulo se destacam não só no País, mas em qualquer lugar do mundo. Desde então participo deste evento, que desempenha papel preponderante no desenvolvimento da base.”
Após vivenciar um shotyugeiko, avalia Fiebig, o evento será a base de tudo para o praticante. “O judoca que suportar isto aqui vai aguentar tudo que vier depois. Poucas coisas terão tamanho volume ou intensidade na faixa etária em que eles estão. Às vezes são crianças que treinam uma ou duas vezes por semana e aqui treinam cinco horas por dia. Em quatro dias elas treinaram o equivalente a quatro meses de prática na escola. Na verdade, estão projetando como será o futuro delas, da mesma forma que é aqui que os professores verão os atletas que irão sair na frente.”
Fiebig fez questão de lembrar que no mesmo período do treinamento de verão de Divinolândia estava ocorrendo um importante evento nacional, a seletiva para formação da seleção olímpica para Paris 2024. “Mesmo assim recebemos muitos atletas sub18, sub 21 e adultos de excelente qualidade técnica, tanto de São Paulo quanto de outros Estados, como Tocantins, Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e até um da Nova Zelândia. Isso é muito importante porque a informação que o aluno adquire aqui ele leva para casa, para seu dojô, e consegue disseminar sua experiência. É importante lembrar que para ser forte mundialmente o País todo tem de ter acesso a informação de forma objetiva e coesa.”
Aprendizado dos professores
Entusiasmada com toda a vivência em Divinolândia, a sensei Vânia Ishii avalia que aprendeu muito durante o shotyugeiko. “Além de aprender muito com as crianças, aprendi muito com o sensei Barbosa, um monstro na técnica e na didática. Aprendi muitos detalhes importantes do ne-waza. Sinceramente falando, eu achava que sabia lutar no chão e descobri que não sabia nada. Se eu soubesse há 30 anos o que aprendi aqui, teria evoluído mais e ido muito mais longe. São detalhes que eu nunca havia imaginado, e o fato de podermos aplicar técnicas de jiu-jitsu no judô é algo realmente fantástico. Certamente irei levar tudo isso para os tatamis do Centro de Excelência Esportiva de São Bernardo do Campo. Acho que aprendi mais do que ensinei, e quem mais saiu ganhando fui eu.”
Professor Barbosinha também acha que aprendeu muito nesta edição do treinamento de verão. “Além de mostrar algumas coisas que venho ensinando há décadas, tive um insight importantíssimo referente à forma de me comunicar com os praticantes. Não adianta nada ter alto conhecimento técnico sem os recursos necessários para transmitir o que sabemos. Neste shotyugeiko percebi que não estava atingindo meu objetivo e tive de reformular a aula que havia programado e só depois senti que atingi meu objetivo. Percebo que em futuros eventos terei de dar alguns passos para trás para poder alcançar minha proposta.”
Elton Fiebig, judoca formado na Vila Sônia, também aprendeu muito em Divinolândia, apesar de quase meio século ensinando judô. “O relacionamento humano é algo espetacular, principalmente quando se está aberto para aprender sempre um pouco mais, e no shotyugeiko não foi diferente. Tive a oportunidade de comandar um grupo com mais de 100 crianças e, primeiro, fiz com que elas compreendessem que estavam fazendo algo diferente de tudo que conheciam e que aquela seria uma oportunidade única para aprenderem muitas coisas novas sobre o judô. No final do segundo dia elas já respondiam positivamente e a partir daí estabelecemos uma forma muito mais madura de relacionamentos e os treinos passaram a fluir com grande sinergia. Elas entraram em sintonia, mas também me colocaram em sintonia com elas. Foi realmente uma experiência muito interessante, e deu para notar que muitos jovens realmente aprenderam coisas que levarão para seus dojôs e suas vidas, assim como eu farei o mesmo.”
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