19 de dezembro de 2024
Wagner Bull faz workshop na comemoração dos 115 anos da imigração japonesa no Brasil
Entre as manifestações culturais apresentadas no Bunka Matsuri, um shihan brasileiro foi escolhido para falar sobre a essência do aikidô à comunidade nipo-brasileira.
Por Paulo Pinto / Gobal Sports
29 de junho de 2023 / Curitiba (PR)
O workshop de aikidô ministrado pelo shihan shichi-dan (7º dan) Wagner Bull, uma das maiores referências técnicas do Brasil na arte japonesa criada por Morihei Ueshiba em 1940, foi um dos eventos do 17º Bunka Matsuri – Festival da Cultura Japonesa realizado nos dias 17 e 18 de junho em São Paulo, em comemoração aos 115 anos da imigração japonesa no Brasil.
Promovido pela Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Bunkyo, na sede da entidade, no bairro da Liberdade, o festival contou com uma programação intensa de shows, exposições culturais, concursos da miss Nikkey e Cosplay, homenagens aos hakujushas e a presença de imigrantes e descendentes com 99 anos de idade. Shihan Bull foi convidado por ser o mais antigo praticante do aikidô no Brasil e por ter sido um dos líderes que representou a modalidade nas comemorações do centenário da imigração japonesa.
Principais atrações do Bunka Matsuri 2023
Nesta edição, o projeto retomou o formato presencial e foi uma iniciativa do Comitê Jovem da entidade, sob coordenação geral de Patricia Takehana, para quem os últimos anos, com a pandemia, foram desafiadores mas, ao mesmo tempo, trouxeram muito aprendizado. “Agora é o momento de retornarmos à nossa casa, o Bunkyo, com o Bunka Matsuri, e homenagear os primeiros imigrantes japoneses com uma programação repleta de atrações, solicitando que os expoentes de cada modalidade cultural viessem mostrar ao público parte das tradições do país do sol nascente.”
Com público estimado em 20 mil pessoas, o evento apresentou programação intensa e plural, com atividades para toda a família vivenciar a cultura japonesa.
Assim, no sábado (dia 17 de junho), logo de manhã, no grande auditório, a Homenagem Hakujusha reuniu os imigrantes de 99 anos de idade. Ao meio-dia, as autoridades e convidados participam da cerimônia oficial de abertura do Bunka Matsuri, seguida por uma série de apresentações artísticas.
Ponto alto
O shihan Wagner Bull, diretor técnico do Instituto Takemussu, falou sobre a importância do evento realizado em junho. “É algo significativo porque comemora os 115 anos de imigraçao japonesa e é realizado pelo Bunkyo, o principal núcleo da cultura japonesa em São Paulo. Senti-me lisonjeado pelo convite para discorrer sobre uma das principais expressões culturais do Japão, que é o aikidô.”
Importante ressaltar que a direção do Bunkyo convidou um gaijin – forma pela qual os japoneses se referem aos caucasianos – para demonstrar a importantes membros da colônia japonesa no Brasil a essência do aikidô. Este fato revela a evolução do aikidô no Brasil, coisa impensável em décadas passadas, pois o nivel técnico era muito inferior ao do Japão. Hoje em dia é diferente. Isto tem acontecido não somente no aikidô, mas em outras formas de Budô. Outro fator relevante é que a equipe do Instituto Takemussu não foi convidada apenas para uma mera demonstração, como já ocorreu no passado, e sim para ministrar um workshop, ou seja, ensinar aikidô a descendentes mais jovens que têm procurado a arte do aikidô. E por ser uma prática que não tem competição e, não sendo um esporte, guarda ainda antigas tradições dos antigos samurais, como cultivar o respeito à natureza na busca constante do equilibrio e da harmonia.
“O homem moderno, em geral, não gosta de sistemas fechados, contra os quais se rebela pela sua própria formação cientificista, não concebendo que a repetição de uma sequência de movimentos será de enorme valia, pois treina a integração do pensamento com as emoções e com o corpo.”
Na ocasião, o shihan Wagner Bull enfatizou a importância de treinar o aikidô corretamente. “Infelizmente ainda existem professores despreparados dando aulas desta arte muito sofisticada no Brasil, corrompendo assim sua condição de arte de defesa pessoal e iluminação espiritual. Falta fiscalização, e qualquer aluno que adquira uma faixa preta já acha que está apto a transmitir o caminho. Algumas agremiações endossam negativamente esta atitude e o público acaba prejudicado. O Instituto Takemussu é uma entidade oficialmenmte reconhecida pelo governo brasileiro e pelo Aikikai Hombu Dojo de Tóquio, a central mundial do aikidô que sempre foi muito rigoroso ao dar permissão para alguém ensinar a arte, especialmente em seu aspecto superior, o Takemussu Aiki.”
Bull lamenta também que algumas federações sejam tolerantes visando a ampliar o número de locais de prática a elas filiados, com instrutores promovidos para graus mais elevados, como san-dan, faixa-preta 3º dan, que, apesar de poderem ter boa-vontade, carecem de experiência e técnica e acabam deturpando a arte desde o início, quando se ensinam os katas, que são a base do aikidô.
O diretor técnico do Instituto Takemussu explicou que um praticante que começa treinando errado dificilmente conseguirá corrigir os fundamento mais adiante. Segundo ele, os katas são formas de treinamento predefinidas que os praticantes de artes japonesas repetem milhares de vezes e em torno das quais a habilidade se desenvolve espontaneamente.
“Mesmo fora do Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, ainda pensam que os exercícios para ensinar princípios inseridos no katas são técnicas de luta, e assim, diante de um ataque real fora da padronização, ficam indefesos e se desiludem, perdendo uma oportunidade de ouro de aprender a essência do Budô como os japoneses e chineses.” Bull Shihan acha que qualquer Budô, ou kung fu bem praticado é muito parecido, mas faltam bons mestres não só no País, mas no mundo todo.
“Diante dos katas, todos os praticantes de artes marciais sentem-se como um aluno que quer aprender a escrever, diante de uma cartilha, inicialmente fazendo as letras lentamente, e depois juntando-as formando sílabas. Se o que o move este aluno é a busca do aperfeiçoamento, ele tem a sede de procurar aprender aquelas possibilidades, desenvolvendo-as cada vez mais por meio da repetição, tentando ser cada vez mais ágil, assertivo e preciso.”
Junto com a graduação e a hierarquia, surge outro importante componente da tradição japonesa na arte de ensinar: a paciência. “As pessoas que não conhecem como se processa o aprendizado das artes marciais detestam formas estanques, preferindo regras gerais que lhes permitam criar novas coisas. O homem moderno, em geral, não gosta de sistemas fechados, contra os quais se rebela pela sua própria formação cientificista, não concebendo que a repetição de uma sequência de movimentos será de enorme valia, pois treina a integração do pensamento com as emoções e com o corpo.”
Bull sensei lembrou que os katas praticados nos currículos da maioria dos dojôs são um meio importante de se avaliar o patamar hierárquico de um praticante, pois sua execução define o nível em que o praticante se encontra pela habilidade demonstrada de acordo com a graduação que possui. “Um mestre experimentado olha no fundo da alma dos alunos e não permite que coreografias sejam entendidas como competência técnica marcial de caráter elevado.”
Na arte do aikidô os treinamentos são praticados na maior parte do tempo com um parceiro, e podem variar um pouco, dependendo do tamanho do companheiro de treino e da forma como o indivíduo usa sua energia vital, o ki. Isto, a princípio, torna sua prática muito mais difícil do que no karatê, por exemplo, no qual os katas são praticados individualmente. A prática com um parceiro é um dos mais importantes aspectos do treinamento do aikidô, que no fundo visa à integração de energias. “Um aspecto relevante do aikidô é treinar o praticante para a vida, ensinando-o a se relacionar com as pessoas de forma construtiva e amigável, comportamento indispensável na formação do caráter moral e ético.”
Importante destacar que não é a quantidade de katas e de técnicas que define o aikidoista, mas o quanto ele domina os princípios embutidos em cada uma delas. “O sabaki, a destreza e a habilidade que são desenvolvidas ao longo da prática de um kata, é o que lhe dá beleza e autonomia. Observem como um sushiman se movimenta com beleza, sutileza e habilidade quando corta o peixe e prepara os pratos. O mesmo se pode observar num artista marcial executando as técnicas do seu Budô. Muitos alunos entendem que devem aprender sempre algo novo e esta postura se torna perigosa, acostumando o aluno a sempre buscar novidades para se motivar, embora haja infinitas formas possíveis nas técnicas no aikidô. O aspecto negativo da busca constante de novas técnicas acontece porque o praticante acaba ficando apenas na superficialidade de cada uma delas”, concluiu Bull.