18 de novembro de 2024
Trem da Alegria da CBJ vai ao DF e descobre que Brasília não é para amadores
Cinquentenário da Confederação Brasileira de Judô é marcado por dúvidas, incertezas e incapacidade de seus gestores honrarem compromissos assumidos com filiados
Gestão Esportiva
20 de junho de 2019
Por PAULO PINTO I Fotos BUDÔPRESS
Curitiba – PR
Após o lançamento da quarta versão do calendário anual da Confederação Brasileira de Judô (CBJ) em 18 de abril, todos os judocas envolvidos nas disputas já estavam arrumando as malas e se preparando para as competições que finalmente iriam ocorrer a partir de agosto.
Até que, inesperadamente, no dia 10 de junho, o onisciente presidente da CBJ divulgou uma série de áudios no mínimo surreais, que iniciaram o processo de desconstrução dos compromissos assumidos pela gestão de eventos da entidade com os milhares de atletas, técnicos e dirigentes, que a esta altura, já estão com bilhetes aéreos e estadias de hotéis comprados e pagos.
No dia 24 de maio a Budô publicou matéria intitulada Sem plano B e sem recursos do PAF, CBJ fará primeira final de campeonato brasileiro da temporada somente em agosto. Nela relatamos o drama vivido por atletas, técnicos e dirigentes das federações estaduais, fruto da inconsistência administrativa dos dirigentes da CBJ que seguidamente vêm descumprindo o calendário nacional, por não terem recebido os recursos do Programa de Apoio às Federações (PAF), criado pelo extinto Ministério do Esporte.
Iniciamos aquela reportagem mostrando que o governo federal está realizando uma série de cortes, e que a CBJ deveria pensar num plano B, e mais uma vez fomos acusados de publicar inverdades. Contudo, estávamos apenas adiantando aquilo que qualquer gestor público com um mínimo de lucidez política enxergaria, e mais uma vez estávamos certos.
Além de jocosos e dramáticos, os áudios gravados e enviados pelo presidente da CBJ para os presidentes das federações estaduais expõem e comprovam tudo aquilo que revelamos: a CBJ não possui um plano B para realizar as competições da temporada.
Trem da alegria
Ratificando o que já falamos há muito tempo, os gestores da CBJ mostram claramente que perderam a mão e não têm o menor preparo para exercer os cargos para os quais foram eleitos ou nomeados.
A semana passada começou com a temperatura bastante elevada, com o presidente da CBJ tendo de responder aos questionamentos de alguns presidentes estaduais sobre a liberação do PAF para os primeiros eventos do ano, que ocorreriam em agosto. Contudo, ninguém iria imaginar que terminaria com a temperatura tão elevada.
Tentaremos contar nos próximos parágrafos a tragédia batizada pelo presidente da CBJ de Missão Oficial da CBJ a Brasília. Uma incursão descabida e até surreal, levada a cabo pelos quatro principais gestores do judô brasileiro: Sílvio Acácio Borges, presidente da CBJ; Renato Araújo, gestor financeiro da CBJ; Robnelson Ferreria, gestor executivo da CBJ; e Matheus Theotônio, gestor nacional de eventos da CBJ.
À queima-roupa, e já nos primeiros áudios, Sílvio Acácio pergunta aos presidentes estaduais se eles achavam que a CBJ deveria cancelar os eventos de agosto ou se os realizaria sem os recursos do PAF, que disponibiliza seis passagens aéreas para cada federação. “Não tem qualquer condição de repassarmos os recursos do PAF. É uma situação bastante crítica e estou colocando isso para os senhores participarem comigo nesta decisão”, disse o presidente da confederação.
Com esta iniciativa infeliz, o presidente da CBJ fez com que todos os dirigentes estaduais – que até então achavam que tudo estava correndo dentro do planejado – acordassem e percebessem o tamanho do problema em que todos estavam metidos devido à imprevisibilidade e à incapacidade dos gestores da CBJ em tocar os eventos do calendário nacional. Àquela altura muita gente nos Estados já havia comprado e pago bilhetes aéreos e estadias nos hotéis nas cidades que sediarão as competições nacionais.
O mais impressionante é que os dirigentes estaduais não percebem a sutileza de Sílvio Acácio, que por meio de seus áudios busca empurrar para os 27 presidentes a responsabilidade de uma decisão que cabe, única e exclusivamente, à bem remunerada cúpula do judô nacional.
As questões pertinentes ao calendário da CBJ sempre foram de responsabilidade daqueles que comandam a entidade estabelecida no Rio de Janeiro. Não serão os dirigentes do Amazonas, Ceará, Rio Grande do Sul, Sergipe ou São Paulo que irão solucionar as trapalhadas produzidas por aqueles que mensalmente recebem vultosos salários para administrar o judô brasileiro.
Em outro áudio o dirigente relata que na manhã seguinte embarcaria para Brasília, juntamente com sua equipe técnica, para acompanhar de perto a reunião que decidiria efetivamente a liberação das verbas do PAF.
Lamentavelmente os áudios seguintes relatam o fracasso e o devaneio dos quatro dirigentes que foram a Brasília. A questão do PAF não foi colocada em nenhuma pauta durante a semana, pois não é prioridade do governo federal.
Mas certamente devem estar sobrando recursos nos cofres da CBJ. Caso contrário os quatro dirigentes não iriam à capital federal e não ficariam hospedados em hotéis de alto padrão desnecessariamente por vários dias na cidade mais cara do País.
Alguns presidentes estaduais ironizaram a ida de Renato Araújo a Brasília. Ele é o funcionário da CBJ responsável pelas áreas fiscal e financeira. “Em quase duas décadas acompanhando o judô, jamais vimos funcionários do segundo ou terceiro escalões em reuniões ministeriais”, expressaram alguns dirigentes estaduais.
Quando em gestões anteriores o contador da CBJ foi buscar recursos em Brasília? Quando Robnelson Ferreira resolveu questões junto ao extinto Ministério do Esporte? Quando Matheus Theotônio, o ex-técnico da base, intercedeu junto a alguma autarquia pública federal sobre recursos públicos? Por último, quando foi que Paulo Wanderley Teixeira foi a Brasília com o pires na mão?
O que os gênios do judô nacional imaginavam? Que chegariam ao DF, seriam recebidos pelo primeiro escalão da Secretaria Especial do Esporte e num passe de mágica todos os problemas do judô nacional seriam resolvidos?
Por que o contador, os gestores executivo e de eventos e o presidente da Confederação Brasileira de Judô investiram tanto tempo e tantos recursos numa aventura infundada e descabida? Para mostrar protagonismo, que estão se mexendo ou para ganhar tempo?
Na certa o quarteto trapalhão da CBJ desconhece a frase célebre de Ulysses Guimarães, o presidente da Assembleia Constituinte de 1988: “Brasília não é para amadores”.
Por que tanta espera pelos recursos do PAF?
Por meio de uma busca superficial levantamos que a CBJ recebe anualmente cerca de R$ 13 milhões de patrocínios da iniciativa privada. O extinto Ministério do Esporte transfere cerca de R$ 8 milhões para a CBJ levar a seleção brasileira aos eventos do World Tour da Federação Internacional de Judô (FIJ).
Consultamos uma das empresas que até há pouco tempo atendia a CJB e constatamos que o investimento total da CBJ no PAF em um ano, comprando as passagens com antecedência, totaliza apenas R$ 780 mil.
Onde estão sendo gastos os R$ 13 milhões que a CBJ recebe anualmente de empresas como o Bradesco e a Cielo? Por que a gestão de Alto Rendimento não destina parte dos R$ 8 milhões que recebe do governo federal para a realização dos campeonatos brasileiros? Afinal, são estas competições que fornecem os atletas que integram a seleção brasileira.
A verdade é que tanto as contas quanto a visão dos homens que comandam a CBJ hoje são indecifráveis, e a base do judô nacional está nesta situação deplorável. O grande paradoxo é que hoje a CBJ é a entidade de gestão esportiva com maior aporte financeiro das iniciativas pública e privada do País.
Revolta presidencial
No fim da semana passada os áudios de Sílvio Acácio Borges haviam passado por quase todos os grupos de técnicos e professores de judô do Brasil envolvidos nas competições nacionais programadas para o segundo semestre, e após a volta da aventura no Distrito Federal o presidente da CBJ postou mais um áudio cobrando ética dos dirigentes que vazaram suas falas.
Parece que a falta de vínculo com a realidade leva o presidente da CBJ a ignorar a pressão que os presidentes estaduais sofrem em seus Estados. Técnicos, professores, membros das comissões técnicas, atletas e seus familiares estão perdidos e querendo saber qual rumo será tomado.
O dirigente máximo do judô brasileiro ainda não percebeu os problemas que a inoperância de sua equipe está causando a milhares de pessoas envolvidas nas competições nacionais, principalmente os presidentes estaduais que, após toda a insegurança por ele transmitida, se viram obrigados a enviar os áudios do presidente para seus filiados.
Será que por estarem no nimbo da gestão nacional Sílvio Acácio, Renato Araújo, Robnelson Ferreria e Matheus Theotônio se esqueceram de como é difícil conseguir uma data num ginásio, num País onde as praças esportivas operantes são escassas?
Enviamos uma pauta extensa a Matheus Theotônio relatando uma série de questões feitas pelos presidentes das federações estaduais com maior discernimento dos problemas em que todos estão sendo envolvidos, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos resposta do dirigente.
Após toda a trapalhada produzida na semana passada restaram apenas duas certezas. Uma é que nada foi resolvido até agora sobre a realização dos campeonatos brasileiros. A segunda é que a gestão esportiva não pode mais ser feita com base no empirismo, o que nos força concluir que a gestão esportiva também não é mais para amadores.