O vácuo causado pela perda de uma grande liderança e a ambição desenfreada dos oportunistas

Jigoro Kano entendia que o judô não é apenas um esporte e sim um caminho e princípio de vida © Arquivo

Judocas na acepção da palavra não são formados apenas para lutar, mas para agir como cidadãos de forma correta, lícita e íntegra perante a sociedade

Opinião
24 de maio de 2021
Por PAULO PINTO
Curitiba (PR)

No dia 24 de fevereiro aconteceu o trágico e prematuro falecimento do professor kodansha hachi-dan (8º dan) Francisco de Carvalho Filho. Com isso, o judô paulista perdeu a maior liderança política dos 62 anos de história da Federação Paulista de Judô (FPJudô).

Foram quase 30 anos marcados por um pragmatismo que imprimiu importantes mudanças e projetou ainda mais a entidade no cenário nacional. Por três décadas São Paulo estabeleceu padrões de conduta nas áreas técnica e administrativa, que foram adotados por todas as demais 26 federações estaduais.

Contudo, estas quase três décadas no comando fizeram com que o poder de decisão e a presença política de Francisco de Carvalho silenciassem os eventuais opositores que, resignadamente, temiam a onipotência estabelecida ao longo dos vários mandatos e a ela se dobravam.

O judô demanda respeito e cuidado até no momento de projetar o adversário © Arquivo

A morte prematura do professor kodansha ocorreu no momento em que São Paulo estava sob rígidas medidas restritivas devido à covid-19. E essas restrições impediram que a assembleia eletiva marcada inicialmente para acontecer de forma presencial não acontecesse e não houve tempo hábil para realizar a eleição virtual da nova diretoria. Dessas circunstâncias resultou o adiamento da AGE para abril – fato de que os oportunistas se aproveitaram para criar uma celeuma que expôs o judô paulista à situação mais vexatória de toda a sua existência.

Pois bem, nesta sexta-feira (21) a Justiça restabeleceu a ordem e nos próximos dias o judô paulista deverá retomar seu caminho e dar os primeiros passos no sentido de escrever uma nova história, sob nova liderança. Mas, lamentavelmente, marcas profundas ficaram.

Entendemos que os movimentos de oposição sejam o principal alicerce da democracia, mas a gestão de uma entidade que congrega judocas não pode ser confundida com uma estrutura político-partidária. A FPJudô não é o PSDB e muito menos o PT. Acusações gravíssimas e inverídicas foram dirigidas a professores íntegros que têm famílias, pessoas do bem que roubam tempo de seus negócios e da própria vida pessoal para dedicar-se à gestão de uma entidade que não recebe recursos financeiros governamental ou da iniciativa privada.

Muita coisa foi dita de forma inconsequente e imprudente. Será que ainda dá para pressupor que quando as coisas voltarem ao normal, tudo isso seja esquecido ou simplesmente perdoado? Muita gente entende que o cristal quebrou e esta conta terá de ser paga, doa a quem doer e custe o que custar.

Nem mesmo uma pandemia terrível que castiga a população e já ceifou milhões de vidas em todo o planeta – inclusive as de muitos colegas nossos – levou os oportunistas a pensarem duas vezes antes de jogar a história e a tradição que o judô paulista demorou mais de 60 anos para edificar, no mar de lama criado por eles.

Esquecem os maldizentes que o suave voa mais alto e não cai, apenas pousa. Os culpados espalham culpas, enquanto o mentiroso afunda na medida em que a verdade boia e clareia os fatos.

Parafraseando o sensei Kano, o judô pode ser resumido como a elevação de uma simples técnica a um princípio de viver. É possível, portanto, vislumbrar que os princípios do judô sejam aplicados em todas as esferas da vida cotidiana.

Judocas na acepção da palavra não se formam apenas para lutar, mas para agir como cidadãos de forma correta, lícita, íntegra e idônea na sociedade, propagando os benefícios que o judô oferece nos aspectos físico, espiritual e moral. Temos, portanto, de separar o joio do trigo com base nos princípios legados pelo shihan Jigoro Kano para colocarmos um ponto final no pior capítulo da história do judô paulista.