Paulo Wanderley tenta terceiro mandato e Ministério do Esporte é orientado a suspender verbas para o COB em caso de reeleição

Aos 74 anos e com mais de três décadas na gestão esportiva, Paulo Wanderley demonstra estar determinado a se manter no poder, mesmo pondo em risco a manutenção dos recursos federais para 34 modalidades olímpicas © Global Sports

A gincana política provocada pelo dirigente pode paralisar o sistema esportivo brasileiro e mergulhar a gestão olímpica na maior crise institucional da história.

Por Paulo Pinto / Global Sports
16 de setembro de 2024 / Curitiba, PR

Devido aos atos e decisões de Paulo Wanderley Teixeira ao longo dos últimos quatro anos, diversos expoentes do cenário esportivo olímpico previram que o dirigente buscaria um terceiro mandato.

Um dos críticos mais incisivos dessa manobra é o jurista Alberto Murray Neto, que por diversas vezes apontou os perigos e o drama que toda a comunidade esportiva enfrentaria se isso ocorresse.

“Como entidade máxima do esporte olímpico nacional, o COB deve ser referência em governança”, alertou Murray Neto. “O atual presidente deve abster-se de concorrer a um terceiro mandato porque a continuidade vai contra as boas práticas de administração, além de contrariar a legislação, o estatuto e a jurisprudência.”

De forma enfática, Murray previu que, para ser candidato, Wanderley precisaria obter uma liminar, a qual poderia ser cassada a qualquer momento. “Recorrer à Justiça comum para ser candidato é um grande retrocesso. É jogar o COB, mais uma vez, numa situação indesejável de insegurança jurídica e casuísmo. Isso mancharia a imagem da entidade. Não adianta falar de governança e não praticá-la. Assim, o discurso soa falso!”

Reeleição é lançada e entidades protestam

Ignorando conselhos e pedidos de pessoas próximas, na noite de terça-feira (10) o presidente do COB inscreveu chapa para disputar sua terceira eleição.

As medalhistas de ouro no vôlei de praia, Duda e Ana Patrícia conduzem a bandeira do Brasil na chegada para a Cerimônia de Encerramento dos Jogos de Paris 2024 © Alexandre Loureiro / COB

Foram definidas as duas chapas que concorrerão à presidência do COB, cuja eleição está marcada para 3 de outubro, no Rio de Janeiro, com mandato até 2028. O ex-vice-presidente da entidade Marco La Porta e a medalhista olímpica Yane Marques haviam registrado suas candidaturas na semana anterior. Na terça-feira, Paulo Wanderley registrou a chapa da situação, com Alberto Maciel Júnior, ex-presidente da Confederação Brasileira de Taekwondo, como vice.

Protestos

Logo após a inscrição da chapa da situação, diversas entidades, dirigentes de confederações e formadores de opinião no mundo olímpico se manifestaram contra a possibilidade de reeleição para um terceiro mandato de um dirigente que, no passado, permaneceu por décadas à frente da Federação Espírito-santense de Judô e por 20 anos comandou a Confederação Brasileira de Judô.

De acordo com a CNN, o ato de Paulo Wanderley também foi mal visto por entidades como a Atletas pelo Brasil (ApB), a Comissão de Atletas do Comitê Olímpico do Brasil (CACOB) e o Pacto pelo Esporte, que classificaram o gesto como um retrocesso.

Em nota pública, as entidades que representam os atletas olímpicos brasileiros apontaram irregularidades na ação, além de destacarem o desrespeito ao estatuto do COB e às leis que regem o desporto no país, ressaltando ainda os problemas que essa reeleição pode acarretar.

“O Artigo 18-A da Lei Pelé, ratificado pela Lei Geral do Esporte, que garante melhores práticas de governança e transparência em comitês e confederações esportivas, é claro: somente poderão receber recursos públicos federais, inclusive o repasse de loterias, as entidades que adotarem determinadas medidas, dentre elas o limite de mandato de até 4 anos, permitida uma única recondução por igual período para seus presidentes ou dirigentes máximos. O próprio estatuto do COB também prevê apenas dois mandatos para seu presidente”, afirmaram as entidades.

Gabriel Medina exibe a medalha conquistada © William Lucas / COB

Questionado pelo Globo Esporte, a resposta do presidente do COB veio por meio do advogado Marcelo Jucá. Ele afirmou que não se trata de um terceiro mandato e que “a legislação esportiva brasileira não veda a reeleição quando o primeiro período é um mandato tampão. Além disso, essa questão já foi objeto de demandas judiciais de outras entidades, e todas as ações que transitaram em julgado não reconheceram a existência de um terceiro mandato”.

Área jurídica do Ministério do Esporte é orientada a suspender os repasses federais ao COB

Em sua coluna no Metrópoles, o jornalista Athos Moura divulgou que a área jurídica do Ministério do Esporte já foi orientada a suspender os repasses federais ao Comitê Olímpico do Brasil (COB) caso o atual presidente, Paulo Wanderley Teixeira, seja reeleito. No entendimento dos procuradores que assessoram o ministro André Fufuca, a recondução dele ao cargo configura terceiro mandato, o que infringe a Lei Pelé.

No entanto, a lei não proíbe que Paulo Wanderley concorra e seja reeleito já que todas as entidades têm total independência. Ela trata apenas dos repasses federais.

Efeito cascata

A situação tem deixado alguns presidentes de confederações bastante preocupados, mas outros estão esperançosos. A preocupação vem do fato de os recursos federais serem enviados ao COB, que os repassa para as entidades de administração esportiva.

A esperança é porque pode haver um efeito cascata e abrir precedente para que presidentes das 57 confederações esportivas olímpicas, na mesma situação, concorram novamente e se perpetuem no poder.

Comitê de Integridade e Conselho
de Ética do COB

Crítico ferrenho das arbitrariedades e desmandos cometidos por Paulo Wanderley, Alberto Murray destacou que é essencial que o Comitê de Integridade e o Conselho de Ética do COB façam as devidas restrições ao registro da chapa de Wanderley.

Flávia Saraiva, finalista brasileira na ginástica artística feminina © Luiza Moraes / COB

“Esses organismos do COB têm a obrigação de se debruçar sobre o mérito da questão. Caso a candidatura seja aprovada, o COB retrocederá significativamente nos quesitos de integridade e governança. No entanto, não acredito no sucesso da candidatura de Wanderley. Se ele for eleito para um terceiro mandato, os repasses de verbas públicas ao COB, às confederações e aos atletas serão interrompidos. Restará ao COB judicializar a questão, o que criaria uma enorme insegurança jurídica e financeira. Por isso, a assembleia geral do COB, no próximo dia 3, decidirá entre modernidade e retrocesso”, previu Murray, ex-presidente do Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil.

Cenário obscuro

Paulo Wanderley Teixeira já demonstrou sua capacidade de se manter no poder ao longo de décadas. À frente da Federação Espírito-santense de Judô e, posteriormente, durante seus 20 anos como presidente da Confederação Brasileira de Judô, na qual consolidou uma liderança inabalável na modalidade. Agora, sua busca de um terceiro mandato no COB sinaliza a disposição de levar seu projeto de poder até as últimas consequências, independentemente dos riscos que isso representa para o cenário olímpico brasileiro.

A possibilidade de interrupção nos repasses do Ministério do Esporte, que afetaria diretamente as confederações e modalidades olímpicas, coloca em jogo o futuro do esporte no Brasil. Em sua ambição, Wanderley parece disposto a sacrificar a estabilidade financeira e a governança do sistema olímpico nacional, com consequências que podem ser desastrosas para a manutenção dos projetos em andamento e o desenvolvimento esportivo do País.

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