Justiça dos EUA condena academia e instrutor por lesão irreversível em aluno faixa-branca de jiu-jitsu

Jack Greener quando estava internado na UTI, auxiliado por aparelhos que mantiveram suas funções vitais após a lesão cervical © Divulgação

Mais do que uma indenização milionária, o caso expõe o despreparo de instrutores, a omissão de academias e a negligência de federações esportivas que se recusam a assumir seu papel fiscalizador.

Por Paulo Pinto / Global Sports
Curitiba, 7 de junho 2025

Uma decisão judicial histórica nos Estados Unidos reforçou os limites da responsabilidade profissional em esportes de combate. O americano Jack Greener, de 30 anos, receberá uma indenização superior a 56 milhões de dólares — o equivalente a R$ 313 milhões — após ficar tetraplégico durante um treino de jiu-jitsu realizado em 2018 na cidade de San Diego, Califórnia.

À época com 23 anos e faixa-branca, Greener treinava sob orientação do instrutor Francisco “Sinistro” Iturralde, faixa-preta do Del Mar Jiu-Jitsu Club. Durante a aula, uma manobra considerada excessivamente agressiva resultou na torção de seu pescoço, provocando fratura nas vértebras cervicais e perda total dos movimentos dos membros. Greener foi internado às pressas e, nos meses seguintes, enfrentou múltiplos derrames e um quadro irreversível de paralisia.

O vídeo que registrou o momento do acidente tornou-se peça central no processo, ao evidenciar que o instrutor girou o aluno para frente e aplicou pressão direta sobre o pescoço — gesto que, segundo especialistas ouvidos no julgamento, extrapola os riscos toleráveis mesmo em modalidades de combate.

Francisco “Sinistro” Iturralde, o faixa-preta responsável pela manobra que deixou seu aluno tetraplégico © Divulgação

O júri californiano decidiu inicialmente por uma indenização de US$ 46 milhões. A academia recorreu à Suprema Corte do Estado, que manteve a decisão. Com a atualização dos valores, os danos morais e materiais agora ultrapassam os US$ 56 milhões.

Uma das vozes técnicas ouvidas no julgamento foi a de Rener Gracie, herdeiro de uma das linhagens mais tradicionais do jiu-jitsu. Ele afirmou que o instrutor transferiu o peso do corpo para a coluna cervical do aluno, aumentando significativamente o risco de trauma. “Foi uma técnica aplicada com força desproporcional a um aluno iniciante e em posição vulnerável”, declarou.

Para Rahul Ravipudi, advogado de Greener, a sentença tem valor pedagógico. “O tribunal deixou claro que instrutores e academias não estão acima da lei e serão responsabilizados quando ultrapassarem os riscos inerentes à prática esportiva”.

Fatalidade evitável e responsabilidade compartilhada

Embora trágico, o episódio que vitimou Jack Greener não foi apenas fruto do acaso. Foi, sobretudo, consequência direta do despreparo de um profissional que deveria saber exatamente o que fazer — e, principalmente, o que jamais fazer — diante de um aluno iniciante em posição vulnerável.

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Infelizmente, não é raro ouvirmos relatos de faixas-azuis ou roxas lecionando em academias sem qualquer preparo pedagógico, técnico ou fisiológico. A tragédia de San Diego escancara uma ferida que muitas federações insistem em ignorar. Em vez de qualificar e fiscalizar, preferem lavar as mãos.

No Brasil, o cenário é igualmente preocupante. Em diversos Estados, professores de judô só podem atuar legalmente se forem registrados nos Conselhos Regionais de Educação Física — uma exigência que visa exatamente garantir que quem está à frente de um dojô federado tenha não apenas graduação técnica, mas também capacitação profissional e responsabilidade legal.

Até mesmo para se resguardar juridicamente, a federação de jiu-jitsu da Califórnia — se de fato existe como entidade organizada — deveria ser mais rigorosa na exigência de credenciamento e preparo técnico dos professores em atuação. Afinal, se o Tribunal de San Diego decidir ampliar o raio de responsabilidade, poderá muito bem entender que não apenas a academia, mas também o sistema federativo estadual deve responder pela tragédia ocorrida no Del Mar Jiu-Jitsu Club.

A história de Jack Greener, marcada por dor, sequelas irreversíveis e um julgamento exemplar, precisa deixar de ser vista como exceção. É um alerta claro para todos os que se dizem comprometidos com a integridade do ensino e com a essência formativa dos esportes de combate.

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