Após dois anos parado, judô paraense agoniza e CBJ não reconhece diretoria eleita em assembleia legítima

César Luiz Viera, presidente da Fpaju eleito legitimamente e por unanimidade em 26 de setembro de 2022 © Arquivo

Contrariando decisão de assembleia homologada pelo Tribunal de Justiça do Pará, dirigentes eleitos irregularmente insistem em permanecer no poder e figuram no site da CBJ como líderes da FPAJU.

Por Paulo Pinto / Global Sports
25 de maio de 2023 / Curitiba (PR)

Com a Federação Paraense de Judô mergulhada num imbróglio jurídico sem fim, que barbaramente travou o judô do Estado do Pará, toda uma geração de atletas teve seus sonhos atropelados. Após enfrentarem dois anos de interrupção das atividades esportivas em função da pandemia, os judocas sofrem as consequências da ambição desenfreada de dois dirigentes – Adaelson Souza dos Santos e Alcindo Rabelo Campos – que se recusam a abandonar os cargos e a acatar a decisão da assembleia geral extraordinária que elegeu a nova diretoria.

Depois da anulação da eleição fraudulenta que manteve os antigos dirigentes no comando da entidade, a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) emitiu em 18 de agosto de 2022 documento reconhecendo a vacância da direção da FPAJU e propondo quatro formas de restabelecer a normalidade. Os professores paraenses optaram pela realização de uma assembleia geral extraordinária para eleição e posse do presidente nomeado da Federação Paranese de Judô.

“Após seguir rigorosamente as regras e normas descritas no estatuto da FPAJU, com publicação em edital por três vezes, nos preparamos para a assembleia geral extraordinária de 26 de setembro de 2022 que, mesmo sendo híbrida, teve a presença maciça das associações aptas ao voto e que convocaram o ato”, explica o coronel César Vieira, líder da chapa que venceu as novas eleições.

Facsimile do aplicativo, no qual o nome de César Vieira aparece como titular da conta © Arquivo

“Fato relevante a destacar é que no dia 21 de setembro a sede da FPAJU fora arrombada pelos que hoje tomam conta do Zempo. Eles literalmente enfiaram o pé na porta e se intitularam gestores”, acusa Vieira.

A AGE realizou-se no clube dos subtentes e sargentos da Amazônia, do Exército Brasileiro. Naquele momento foi realizada a sessão solene com emanação dos votos e checagem de toda a documentação dos presentes (comprovantes de pagamentos à FPAJU até o mês da AGE), apresentação de estatutos válidos e comprovantes da Receita Federal do Brasil com CNPJ válidos.

No dia da AGE 13 entidades – das 15 que assinaram o edital de convocação – compareceram e emitiram o voto elegendo o professor César Luiz Vieira, Profissional de Educação Física (CREF 007935-G/PA) como presidente nomeado para conduzir administrativamente e esportivamente os trabalhos da entidade até as próximas eleições. Em ato contínuo a ata foi levada ao cartório natural onde o estatuto da FPAJU está apostilado, conforme determina a lei. Após os ajustes necessários, a ata foi entregue validada e registrada no dia 2 de dezembro de 2022.

CBJ mantém-se alheia

Eleito há oito meses, César Viera explica que cumpriu todos os procedimentos estatutários e normativos, requisitados em documento gerado pelo STJD da CBJ e assinado por Júlio César Magalhães, representante jurídico da CBJ. “De forma acintosa e absurda, até hoje o TJD da CBJ insiste em manter o ex-dirigente Alcindo e seu colega Adaelson à frente da entidade, mesmo sem embasamento jurídico”, diz o presidente eleito.

Professores Adaelson Santos e Alcindo Rabelo Campos © Arquivo Fpaju

Ele considera imperioso destacar que a FPAJU está sendo gerida no Zempo por pessoas que não foram sequer eleitas e, sim, meteram o pé na porta. “Fui até eles levando a ata devidamente registrada e validada em cartório, mas o professor Adaelson afirmou que somente a acataria por decisão judicial. E mais, que não reconhecia a ata e muito menos a AGE. Infere-se que ele não reconhece a vontade de 80% das associações que estão aptas ao voto e desejam mudança”, prossegue Vieira. A secretaria da federação permanece fechada e agora só atende com hora marcada, além de demorar para responder a qualquer questionamento.

O presidente eleito assegura que havia enviado a ata para o TJD da CBJ. “Posteriormente fomos informados que emitiriam parecer, o que não ocorreu até o momento. Da mesma forma, procurei o presidente Sílvio Acácio Borges, que confirmou que seria emitido um parecer, mas similarmente até hoje não deu resposta. Do nosso lado, interpretamos que o silêncio e a inércia já manifestaram o parecer por nós tanto esperado.”

A providência natural para exigir o cumprimento da decisão da AGE de 26 de setembro de 2022 foi entrar na Justiça comum com o processo № 0810798-87.2023.8.14.0301, que aguarda decisão. É muito importante destacar que todos os fatos alegados nesta matéria estão demonstrados e anexados ao referido processo.

Ata da AGE registrada e homologada em cartório © Arquivo

Ainda segundo Vieira, a Secretaria de Esporte e Lazer do Estado do Pará já reconheceu a ata da assembleia de 26 de setembro, pois no dia 12 de abril de 2023 esteve no gabinete do secretário levando documento e se apresentado. “Portanto, somente minha assinatura é válida para pedidos de apoio e patrocínio. Ocorre que no dia 19 de maio o professor Adaelson protocolou documento se autodeclarando presidente e noticiou nas redes sociais que era aquele documento o parecer final.”

“Na sexta-feira, 19 de maio de 2023”, conta Vieira, “estive novamente com o secretário que e pedi a ele para encaminhar os dois documentos ao setor jurídico para análise e que as conclusões fossem enviadas à Procuradoria Geral do Estado. Também estive na Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude de Belém, que acolhe o mesmo entendimento da SEEL.”

Decisão judicial

No dia 23 de fevereiro de 2023 a juíza Valdeíse Maria Reis Bastos, titular da 3ª Vara Cível e Empresarial da Capital, proferiu a seguinte decisão:

Considerando a reiterada animosidade entre as partes, discutida em mais um processo judicial, determino a remessa dos autos ao CEJUSC/NUPEMEC do TJPA, a fim de que seja designada audiência de conciliação, visando a resguardar os interesses das partes.

Mas César Vieira adianta que não existe interesse em conciliação, pois o objeto da ação é o reconhecimento da ata e consequente tomada de posse da gestão do Zempo e demais ações ligadas a FPAJU. “Já entramos com pedido de liminar objetivando salvaguardar nossos interesses, mas caso a audiência de conciliação aconteça, usaremos a regra de apresentar testemunhas que têm envolvimento e objetivo direto com os gestores que se mantêm à frente da entidade literalmente chutando a porta.”

http://www.shihan.com.br

E explica: são decisões punitivas de fatos que aconteceram na gestão deles, que trouxeram prejuízos efetivos nas esferas material, financeira e moral. Professores vão irão expor os reais motivos que nos levaram a realizar uma assembleia eletiva. O objeto da ação, hoje, repousa somente sobre a ata que manifesta a vontade da maioria legal e expressiva das associações legítimas com direito a voto. “Foi por esses motivos que todos nós fomos a uma assembleia visando a substituir os responsáveis por uma péssima gestão e uma aventura que inseriu a federação numa crise institucional sem precedentes.”

Tragédia continua

Segundo o presidente da FPAJU legalmente nomeado, um “circo de horrores” vem ocorrendo no judô paraense e afrontando o bom direito e as relações interpessoais de forma visceral desde fevereiro deste ano.

“O Banco Bradesco reconheceu a nossa ata e a nossa gestão tanto que sou o titular da conta”, relata Vieira. “Para driblar as ilegalidades, foram criadas contas em nome de Adelson para que sejam seja feitas as movimentações financeiras da FPAJU, ou seja, a conta particular consta na CBJ e demais organismos que se relacionam com a FPAJU como oficial da entidade, algo inimaginável e inadmissível.”

“Como sou titular da conta do Banco Bradesco”, revela Vieira, “puxei os extratos bancários desde 2017 e constatei que a esposa do ex-presidente recebeu R$ 45.000,00 sem nenhuma explicação. Outros repasses com valores expressivos e sem justificativa, inclusive para os filhos dele, foram feitos no dia a dia. Os extratos serão objeto de ação judicial de regresso, pois não houve prestação de contas por eles.”

Ofício da CBJ de 18 de agosto de 2022, referente à vacância no comando da Fpaju © Arquivo

Outro fato estarrecedor narrado por César Vieira diz respeito ao atleta e professor Pedro Garcia, punido com um ano de afastamento das atividades esportivas sem ser ouvido. “Não houve processo legal. Solicitamos a anulação da decisão esdrúxula exatamente pela falta dos princípios basilares do processo (ampla defesa e contraditório) e a resposta assinada pelo setor juridico e pelo Adaelson é que a decisão seria mantida. Como se não bastasse, um dos professores citados como testemunha afirma que desconhecia o fato e não assinou o documento no qual consta seu nome.”

Raio X do caos

As irregularidades na eleição da diretoria da Federação Paraense de Judô, então presidida por Alcindo Rabelo Campos, começaram no dia 11 de março de 2021, quando a comissão eleitoral da FPAJU publicou edital com o regimento da assembleia eletiva marcada para o dia 17 de abril de 2021. Ou seja o processo já se iniciou de forma errada, pois o prazo máximo estatutário estipulado pela Confederação Brasileira de Judô (CBJ) para realização de assembleias eletivas é 31 de março.

No dia 23 de março a comissão eleitoral da FPAJU publicou edital transferindo a data da eleição, sem justificativa plausível, para dia 1º de maio de 2021, ou seja, ampliaram o erro ainda mais. Depois de examinados os documentos de registro de chapa, detectou-se que na data regimental Adaelson Souza dos Santos e Alcindo Rabelo Campos, candidatos a presidente e vice, ainda não tinham a chapa formada.

Fraude processual

No dia 28 de abril de 2021, por meio dos advogados Renata Hachem Franco Muniz Cordeiro (OAB/PA 11.655) e Alan Camilo Cararetti Garcia (OAB/SC 43.116), a Associação Pinheiros de Judô requereu a impugnação da chapa encabeçada por Adaelson pelo fato de comprovadamente detectar que o registro fora realizado de forma extemporânea e fora do prazo legal. O conselho de ética da FPAJU acatou a denúncia e acertadamente indeferiu a chapa Disciplina e Uniformidade encabeçada pelos professores Adaelson e Alcindo.

Resposta da CBJ à César Vieira, um mês após o mesmo ter enviado a a ata da AGE homologada em cartório © Arquivo

Na decisão, Bruno Graziane de Jesus Santos, presidente do conselho de ética da FPAJU, afirma que indeferiu a inscrição da chapa Disciplina e Uniformidade a fim de manter a lisura e a credibilidade do processo eletivo, bem como a isonomia da federação. Dessa forma, corrigiu a falha administrativa gravíssima, visto que a chapa não poderia ter sido recebida fora do prazo de inscrição, ocasionando possível favorecimento desleal, o que caracteriza fraude processual.

“Mas é óbvio que a dupla Adaelson e Alcindo não acatou a decisão do presidente do conselho de ética e não apenas participou do pleito marcado para 1º de maio de 2021, como ainda buscou de todas as formas invalidar as duas outras chapas que concorreriam ao pleito”, lembra César Vieira.

A AGE que nunca acabou

Vieira entende que a incompetência de Alcindo Campos – que até 31 de março ocupava a presidência da entidade – foi tão grande que, além de ter realizado a eleição com mais de dois meses de atraso, cometeu vários erros na formatação do processo eletivo e na composição da sua chapa, procedimento que se arrastou até o pleito, a despeito dos alertas feitos por uma das chapas opositoras.

Por fim, o ex-dirigente paraense tentou realizar a eleição com chapa única, ou seja, impugnou as chapas concorrentes e buscou eleger seu candidato por aclamação.

Documento apresentado a SEEL, sobre a realização da assembleia eletiva © Arquivo

Mas, para surpresa do então dirigente, os eleitores se rebelaram contra tal arbitrariedade. Confira AQUI o vídeo que mostra as ilegalidade e os absurdos ocorridos durante a assembleia. Na realidade, não houve eleição, pois no momento solene em que os dirigentes das agremiações emanam o voto e elegem César Vieira, e quando a dupla percebeu a derrota, o link da assembleia virtual caiu. “Simplesmente derrubaram o sinal e puseram fim àquilo que deveria ter sido uma assembleia eletiva”, conclui Vieira.

Denúncia gravíssima da comissão de atletas

Não bastasse toda a incompetência exibida pelos gestores que até 31 de março de 2021 estavam à frente da Federação Paraense de Judô, naquela mesma assembleia eletiva o judoca Rafael Ribeiro, presidente da comissão de atletas, repetiu a gravíssima denúncia que havia feito durante a semana contra os membros da chapa Disciplina e Uniformidade, que tentaram aliciá-lo. Citou nomes e apontou os fatos.

O agravante neste caso é que os membros da comissão eleitoral se negaram a examinar a denúncia feita por Rafael Ribeiro, apesar da farta documentação comprobatória. A comissão eleitoral ignorou também a impugnação da chapa da situação pela comissão de ética. Importante destacar que os nomes denunciados estavam na composição da comissão eleitoral que conduzia os trabalhos.

CBJ elege Adaelson Souza

É necessário lembrar que o ex-presidente Alcindo Campos impugnou duas chapas em abril de 2021, quando seu mandato já havia terminado em 31 de março. Ainda assim, sem mandato, ele e toda a sua diretoria mandaram e desmandaram no processo eleitoral.

Cópia do documento enviado a SEEL, no qual Adaelson Santos se auto-intitula presidente da Fpaju sem nenhum documento comprobatório © Arquivo

Contudo, o fato mais grave na ocasião foi o TJD da CBJ ter apoiado as ilegalidades cometidas no Pará. Basta uma rápida conferida no site da CBJ, no qual até hoje, mesmo após as decisões judiciais, Adaelson Souza dos Santos figura como presidente da FPAJU e Alcindo Rabelo Campos, como vice-presidente. Por mais que houvesse – importante destacar que não existe – algum documento legitimando a permanência deles à frente do judô paraense, após a assembléia geral extraordinária que elegeu e nomeou novo presidente, aquele documento perderia a validade.

E a pergunta que Vieira volta a fazer dois anos depois é: como a entidade máxima do judô do Brasil faz uma afirmação dessa importância, sem uma ata devidamente registrada em cartório que comprove o resultado do pleito? “Somente podemos acreditar que à gestão maior do judô nacional chegaram informações não verdadeiras e fatos fora da realidade, de forma a ludibriar os gestores da CBJ sobre o que de fato ocorre no judô paraense.”

A preocupação agora é saber quem irá responder criminalmente pelos prejuízos que todos os professores, associações, atletas, praticantes e toda a comunidade judoista do Pará vêm sofrendo, em função de tantas arbitrariedades. “Por que para esta pergunta se afirma que muitos crimes administrativos ocorreram, muitas transgressões disciplinares e patrocínios a impunidade são atos rotineiros sem falar do descaso aos pedidos das associações que são solenemente procrastinados?”, questiona Vieira.