Leonardo Sodré: “Aikidô forma o ser humano pela união e pelo fortalecimento do corpo, da mente e do espírito”

Sensei Sodré projeta sua aluna Érika Baldo (sho-dan) utilizando a técnica kaiten nage © Global Sports

Com 26 anos de prática e estudo do aikidô, o professor go-dan só fundou sua escola, o Seimeikan Dojô, após a morte de seu mestre

Por Paulo Pinto / Global Sports
10 de julho de 2022 / Curitiba (PR)

Nascido em 15 de setembro de 1982, o paulista Leonardo Marques Câmara Sodré edificou sua vida sobre os princípios do Budô. Com 6 anos já praticava judô com o sensei Renato Dagnino. Aos 13 saiu em busca de algo com que realmente se identificasse, e um ano depois começou a praticar aikidô com o shihan Keizen Ono, uma das maiores referências da modalidade no Brasil, na Associação de Pesquisa do Aikidô (APA) no bairro da Aclimação.

O Seimeikan Dojô utiliza tatamis olímpicos da Original Tatamis © Global Sports

“Quando comecei, Ono sensei tinha 70 anos e eu estava com 14, uma diferença gigantesca, mas muito interessante. Na época ele era roku-dan (6º dan) e em 2020, quando tinha 97 anos, foi promovido a shichi-dan (7º dan) pelo Aikikai Hombu Dojo, de Tóquio. Durante cerca de 20 anos dei aula na Associação Pesquisa de Aikidô e quando meu mestre faleceu esperei cerca de um ano para iniciar o processo de fundação da minha própria escola, o Seimeikan Dojô”, conta Sodré.

Experiência fascinante e inspiradora

Sensei Sodré lembra que no início não viu muitos atrativos na modalidade criada pelo Ô-sensei Morihei Ueshiba (1883–1969) no início do século passado. “Em 1996 eu buscava algo mais expressivo do que aquilo que já conhecia, mas não me encantei muito. Com quatro ou cinco meses de treinamento, porém, percebi que estava pronto para aprender um pouco mais. Foi quando sensei Ono se dirigiu a mim pela primeira vez e me projetou – e eu fui literalmente fisgado pela prática do aikidô, encantado com a eficácia técnica e a contundência da modalidade.”

Sensei Leonardo Sodré utilizando a técnica dai nikyo © Ricardo Busto

Como se fosse hoje, Sodré descreve aquela experiência inesquecível. “Era julho de 1996 e ele me projetou com a técnica suwari waza kokyu ho. Estávamos no fim do treino e foi a primeira vez que senti aquela sensação indescritível. Depois disso, pratiquei com afinco, e durante 15 anos jamais faltei a um treino. Fui projetado, mas na verdade não senti e nem compreendi o que havia acontecido. Quando abri os olhos, estava do outro lado dos tatamis olhando para o teto. Ele encerrou o treino, fizemos o rei (saudação) final e um colega disse: Pô, você voou! Eu só queria entender o que havia acontecido e de que forma ele havia feito aquilo com tamanha destreza aos 70 anos.”

Em seizá, sensei Leonardo Sodré em seu dojô © Global Sports

Atônito e ao mesmo tempo fascinado com a experiência, o jovem Leonardo enfim experimentara a eficácia e a potência do aikidô, arte marcial japonesa cujo conceito fundamental consiste na harmonia, seja entre seus praticantes, seja entre estes e o universo que os rodeia.

Shihan Keizen Ono e Leonardo Sodré no dojô da Associação Pesquisa de Aikidô © Daniel Carvalho

“A partir dessa experiência fascinante e inspiradora avancei cada vez mais a fundo em meu estudo, e em quase todo treino o sensei me fazia experimentar uma nova técnica. Hoje compreendo a sinergia entre o mestre e o aprendiz, ou seja, o processo que deu origem ao meu aprendizado. A cada dia era um universo novo de possibilidades que se abria, era impressionante e, pouco a pouco, fui ficando literalmente apaixonado pelo aikidô. Além do dojô, eu só frequentava a escola, mas acordava cedinho já pensando no aikidô, e mesmo após os treinos exaustivos eu ia dormir pensando no aikidô. Treinava de domingo a domingo, não queria saber de outra coisa.”

Sensei Leonardo Sodré faz projeção utilizando a técnica shiho nage © Global Sports

Chegado o momento de definir o que ia ser na vida, sensei Leonardo não titubeou: queria fazer aikidô. Mas tinha vergonha de dizer para os seus pais que iria viver de uma modalidade que não tem competição e não é popular e comercial como tantas outras.

Sensei Leonardo Sodré com o doshu Moriteru Ueshiba, neto do Ô-sensei Morihei Ueshiba no Aikikai Hombu Dojo em Tóquio © Arquivo

Optou por fazer faculdade de Relações Públicas, à tarde, entre os treinos de aikidô da manhã e da noite. Nesse processo, no meio do curso, percebeu que não queria aquilo. Quando falou ao sensei que queria seguir o dô (caminho) e praticar aikidô, a resposta foi enfática: “Se você quer mesmo fazer aikidô, terá de treinar ainda mais”. Nessa altura Sodré já portava o sho-dan (1º dan).

Logo que terminou a faculdade sensei Leonardo assumiu a turma da tarde na academia de segunda a sábado. Assim, podia treinar tranquilamente de manhã e à noite e isso se manteve até 2002, quando decidiu fazer a primeira viagem ao Japão em busca de mais experiência e conhecimento no Aikikai Hombu Dojo de Tóquio, sede central do aikidô, correspondente ao Instituto Kodokan do judô e à Japan Karate Association do karatê.

Sensei Leonardo Sodré aplica a técnica tenchi nage © Global Sports

Formado em relações públicas e acupuntura, hoje sensei Leonardo Sodré possui graduação go-dan (5º dan). Passou a viajar ao Japão todos os anos até 2020, quando veio a pandemia. “Eu ficava lá sempre de dois a três meses e voltava. Houve anos em que fiquei mais tempo. Eu juntava dinheiro aqui e em Tóquio eu só treinava. Mesmo porque, na época, só podia trabalhar quem possuísse ascendência japonesa ou fosse casado com alguém que tivesse. Além disso, se eu trabalhasse não conseguiria treinar muito, e não era o meu objetivo.”

Detalhe que mostra a leveza Seimeikan Dojô © Ricardo Busto

“Hoje o Aikikai Hombu Dojo é administrado pelo doshu Moriteru Ueshiba, neto do Ô-sensei Morihei Ueshiba. É ele que rege o aikidô mundial na atualidade. Aliás, ele é o principal professor, uma espécie de instrutor chefe, e foi o meu mentor em Tóquio”, explica sensei Leonardo.

Inovações no pós-pandemia

Após a parada geral causada pela pandemia Leonardo Sodré achou que havia chegado o momento de retomar a fundação do seu próprio dojô, inaugurado em 5 de janeiro de 2022. Situado na Rua Vergueiro, 7.428, no bairro do Ipiranga, o Seimeikan Dojô desenvolve uma proposta inovadora, em ambiente acolhedor, visando ao autoconhecimento e ao bem-estar dos praticantes.

Shihan Keizen Ono projeta Leonardo Sodré © Daniel Carvalho

“Felizmente estamos indo muito bem, pois desde o passamento do Ono sensei eu já dava aula em várias escolas. Agora muitos alunos migraram para cá e, portanto, não começamos do zero. Todo o esforço empreendido valeu a pena e para mim é a realização de um sonho, tanto que a tradução do nome da nossa escola, Seimeikan, é sonho local, ou seja, local do sonho.”

Aikidocas e faixas-pretas em seminário realizado no Seimeikan Dojô © Ricardo Busto

Apesar de graduado pelo Aikikai Hombu Dojo de Tóquio, Leonardo Sodré esclarece que foi ao Japão atrás de maior conhecimento e não de graduação.

Escada que leva aos ambientes de estudo do Seimeikan Dojô © Global Sports

“Hoje, não há mais a necessidade de ninguém se graduar diretamente no Japão. Os exames de graduação são feitos por uma entidade credenciada daqui, como a APA, por exemplo, e são reconhecidos e validados pelo Hombu Dojô. Eles enviam os certificados solicitados pelas entidades do Brasil, que são devidamente registradas. Há muita gente graduada no Brasil que sequer pisou no Japão. Além de vários requisitos, até o yon-dan (4º dan) há exames de faixa, depois disso são levados em conta outros critérios e pré-requisitos, como tempo, seminário, docência etc.”

Sensei Sodré projeta seu aluno Frederico Bacelar (ni-dan) utilizando a técnica kotegaeshi © Global Sports

“Um exemplo: até hoje o sensei Leonardo pertence à Associação Pesquisa de Aikidô, do mestre Ono sensei. “Infelizmente, meu Mestre não está mais aqui para me graduar, porém, a APA, poderá num futuro me graduar como roku-dan, por ela ser uma das poucas entidades reconhecidas pela Aikikai do Japão.”

Ambiente intimista

O Seimeikan Dojô dispõe de dois ambientes intimistas, com revestimento de madeira e tatamis de palha de arroz, como os que existem no Japão. Essas dependências funcionam como salas de estudo ou de trabalho.

Uma das salas de estudos do Seimeikan Dojô com forração de tatames de palha de arroz fabricados pela Yamamura Tatamis © Global Sports

“Na verdade, buscamos oferecer um espaço despojado e reservado para os alunos que chegam antes do horário das aulas e precisam estudar ou trabalhar”, descreve Sodré. “Na forração dessas salas utilizamos tatamis de palha para oferecer mais conforto aos aikidocas de outras cidades ou Estados que vêm participar de cursos e seminários em nosso dojô. Todos acham que os tatamis são importados do Japão, mas são fabricados em Registro (SP) pela Yamamura, indústria pioneira na fabricação de tatamis para decoração e para a prática esportiva. Os tatamis olímpicos do dojô são da linha Original, também da Yamamura. Somos parceiros há muitos anos devido à tradição da família neste segmento e à qualidade insuperável dos seus produtos.”

“Buscamos prioritariamente criar pontes, e não destruir pontes com nossos parceiros de treino.

Segundo Sodré, o diferencial imediato do aikidô em relação a outras modalidades de origem japonesa – karatê, judô, sumô, kendô, jiu-jitsu, ninjutsu e kendô, entre outras – é não ter competição. O aikidoca não treina “contra”, mas sim “com” outro praticante.

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“Antes de mais nada temos de lembrar que o significado literal de aikidô é caminho da harmonia da energia. Uma arte de origem japonesa que consiste em técnicas impressionantes de autodefesa e dá ênfase ao desenvolvimento espiritual e filosófico de seus praticantes”, explica Sodré.

O ambiente decorado basicamente com madeira e palha de arroz remete os alunos do Seimeikan aos dojôs japoneses © Global Sports

Para ele, a prática do aikidô visa à formação do ser humano pela união e pelo fortalecimento do corpo, da mente e do espírito “Não treinamos contra e sim com um colega. Ambos têm de se ajudar na busca e no aprendizado para obter conhecimento sobre a arte e sobre si mesmos. Buscamos prioritariamente criar pontes, e não destruir pontes com nossos parceiros de treino. Não vemos o outro como adversário ou inimigo. Ele é alguém ao qual devemos nos juntar, alguém que temos de trazer para o nosso universo. O aikidô é uma arte marcial que, talvez por não ter enveredado para os caminhos competitivos – adotados por todas as outras –, manteve o espírito do caminho (dô). Com isso se mantêm os aspectos filosóficos e éticos de toda a arte marcial na prática do aikidô. Isso é bem evidente.”

Vista área do dojô © Global Sports

Sensei Leonardo enfatiza o aikidô é uma atividade nitidamente agregadora, permitindo que todos se concentrem na prática propriamente dita. Não existem níveis de elite no aikidô. “Os mais experientes têm de treinar com os iniciantes, da mesma forma que os iniciantes têm de aprender a treinar com os mais avançados.”

Sensei Leonardo Sodré aplica a técnica dainikyo © Global Sports

“Dessa forma todos vão interagindo e crescendo juntos, mas sempre todo mundo com e não contra”, prossegue Sodré. “Isso acaba tendo um significado profundo porque muitas vezes as pessoas praticam uma arte marcial competitiva em busca de glória, de ser o melhor ou o primeiro. O aikidô, não. É como se fosse faxina: tem de fazer todo dia. É a prática pela prática, e essa prática pela prática é que justamente vai acender a chama dentro de cada um pela busca do caminho.”

Vista área do dojô © Global Sports

É por isso que o aikidô é chamado de Arte da Paz, cujo objetivo é promover valores como amor e compaixão e redirecionar o ataque de um inimigo de forma que ambos saiam ilesos. Não é à toa que até hoje Morihei Ueshiba é reverenciado por estudantes e praticantes de aikidô como Ô-Sensei, ou seja, Grande Mestre.

Em seizá, sensei Leonardo Sodré com os alunos Frederico Bacelar e Érika Baldo © Global Sports

Ideograma do Seimeikan Dojô © Global Sports