Sem competir em 2020, Nathalie Moellhausen se diz mais motivada para Olimpíadas: “Leão na jaula”

Nathalie Moellhausen © Click Guarulhos

A esgrimista ítalo-brasileira afirma que o peso de ser a atual campeã mundial não existe mais e que o ano sem competições na esgrima deixa os Jogos Olímpicos de Tóquio sem referências

Esgrima
8 de janeiro de 2021
Por André Gallindo e Marcel Merguizo / Globo Esporte
Curitiba – PR

Um ano inteiro no sem competir. Justamente o ano dos Jogos Olímpicos em que ela chegaria como a atual campeã mundial. E qual a resposta de Nathalie Moellhausen para 2021, o ano novo que chega com a promessa de realização das Olimpíadas adiadas?

“Estou mais motivada agora do que antes. A Nathalie de 2021 é uma Nathalie que recomeça de zero, esqueceu o Mundial e já está se sentindo como uma criança, muito excitada com essa coisa dos Jogos Olímpicos não terem mais ponto de referência. De chegar na competição e não contar mais que sou número 2, que ganhei o Mundial, vamos chegar todas no mesmo nível, e acho isso muito intrigante, muito interessante, isso me dá muita motivação”, disse a esgrimista em entrevista ao Globo Esporte.

Nathalie faz história no Mundial de Esgrima da Hungria: primeiro ouro do Brasil © AFP

Atual número 2 do ranking mundial de espada, a ítalo-brasileira deve voltar a competir em fevereiro. Em 2020, concentrou-se em treinar, treinar e treinar. No tempo livre durante a quarentena em Paris, com uma pequena passagem pelo sul da França e outra em Portugal, transformou a arte de lutar esgrima em dança. Ensaiou coreografias, fez aulas online com crianças e jovens brasileiros. Se conectou como podia com o mundo que esperava vê-la em Tóquio. E, segundo ela própria, será uma Nathalie diferente. Uma Nathalie versão 2021.

O que mudou neste último ano?

Mudou a data dos Jogos Olímpicos, para começar. Isso já foi uma mudança muito importante, como sabemos. Cada ação tem uma consequência. Mudaram muitas coisas. Eu mudei. Assim somos. Os eventos exteriores sempre causam uma mudança na nossa vida, no nosso jeito de pensar, no nosso jeito de sentir, de viver, de se relacionar. Então tem algumas mudanças que são possíveis para mim de descrever e outras que, seguramente, são mais escondidas de uma certa forma e que eu nem sei que estão acontecendo. Mudou primeiramente meu planejamento de preparação, tive que alongar um ano a mais minha preparação para os Jogos Olímpicos. Mudou a minha preparação, meio jeito de treinar, mudou a minha vida, minha rotina, meu dia a dia. Mudaram muitas coisas. Seguramente acredito que foi uma mudança muito grande também no meu jeito de ser.

Você ou alguma pessoa próxima foi atingida pela Covid?

Sim, bem no começo, minha irmã e o marido dela. Logo quando aconteceu a pandemia, em março, minha irmã foi atingida pela Covid. E depois eu tenho uma assistente aqui em Paris, uma senhora de 68 anos, que trabalha comigo na 5 Touches, estávamos trabalhando juntas e em setembro ela foi atingida também. Eu estava trabalhando com ela, fui um contato, e tive que fazer o teste para ter certeza e ir para os treinos. Ela ficou um pouco mais doente e conseguiu recuperar rápido. E, depois, indiretamente vários casos de família ou de amigos, que infelizmente perderam a vida com isso.

Nathalie Moellhausen no pódio e com o ouro de campeã mundial © FIE

Como reflete sobre esse caos, parou para pensar sobre 2020?

Parei muito para pensar e tivemos tempo sobrando para pensar neste ano. Sinceramente foram várias reflexões. Esse evento universal foi afetando as pessoas, a vida que cada um tem. E cada um foi enfrentando as consequências dessa pandemia de acordo com a sua situação. Em geral, seguramente todos tivemos que enfrentar a sensação de instabilidade, de não saber o que vai ser e o que vai acontecer. Tivemos várias fases. Uma fase de choque, a primeira quarentena, que foi tranquila mas depois dessa primeira quarentena eu tive a sensação de que já estava a salvo e ia poder voltar a uma normalidade. De fato, aqui na Europa, teve uma fase nesse verão que foi de voltar para a normalidade. A máscara não era obrigatória, pudemos voltar para os treinos, em setembro parecia estar tudo OK. E quando chegou a segunda onda foi muito mais forte. Fomos realizando que o mundo parou uma segunda vez e quem sabe vai para uma terceira. Esse subir e descer, subir e descer, cria muita instabilidade emocional. Para mim, inclusive. E em tudo isso temos que aceitar perder. Acho que cada um perdeu várias coisas. Perdemos competições, perdemos uma rotina, foi uma perda total, perdemos dinheiro, perdemos tudo o que era certo para nós. E é uma situação inconfortável. Eu, que sou uma pessoa que me considero forte, às vezes tive que fazer um trabalho enorme na minha cabeça para continuar mantendo o foco nos meus sonhos. Porque essa situação foi afetando muito.

“Minha conexão com o Brasil com essa pandemia ficou muito mais forte, sendo que eu não moro lá. Todos esses aspectos estão me dando uma motivação enorme para esses Jogos.”