Professor kodansha Shuhei Okano é condecorado por Naruhito, o novo imperador do Japão

Puglia, Dell´Aquila, Takagi, Sekine, Ogawa, Sasaki e Chico prestigiaram sensei Okano, uma das maiores referências técnicas do judô brasileiro

Grupo de japoneses radicados no Brasil faz parte da primeira leva de imigrantes e descendentes laureados pelo monarca do Japão, que assumiu o trono no dia 1º de maio

Kotei no Omaju
29 de julho de 2019
Por PAULO PINTO I Fotos ARQUIVO/FPJUDÔ
São Paulo

Em cerimônia realizada nesta quinta-feira (25) na residência do cônsul do Japão em São Paulo (SP), um pequeno grupo formado por imigrantes japoneses foi condecorado com a Ordem do Sol Nascente Raios de Prata, segunda maior honraria outorgada pelo governo japonês, e descendentes nascidos no Brasil receberam a Ordem do Sol Nascente Raios de Bronze.

A condecoração outorgada pelo monarca Naruhito e entregue por Yasushi Noguchi, cônsul-geral do Japão, foi instituída em 1875 pelo imperador Meiji e tradicionalmente é entregue àqueles que prestaram longos e meritórios serviços ao país, sendo destinada a civis, militares japoneses e estrangeiros.

Yasushi Noguchi, cônsul-geral do Japão em São Paulo, entrega a condecoração a Shuhei Okano

Entre os homenageados estavam empresários, profissionais liberais e o professor kodansha kyuu-dan (9º dan) Shuhei Okano, que dedicou sua vida à difusão do legado filosófico e técnico deixado pelo shihan Jigoro Kano

O grupo homenageado nesta quinta-feira foi o primeiro constituído por imigrantes laureado por Naruhito, que no dia 1º de maio substituiu seu pai Akihito – imperador emérito do Japão, nascido em 23 de dezembro de 1933, em Tóquio – que abdicou do trono em cerimônia realizada em 30 de abril.

Akihito foi o 125º imperador do Japão e ocupou o trono de 7 de janeiro de 1989 a 30 de abril de 2019, sendo o primeiro imperador a abdicar do trono em quase 200 anos. Ele ascendeu ao trono após a morte do pai, Hirohito, ocupando a 17ª posição na lista de monarcas e líderes mais longevos no cargo. Akihito foi o único monarca reinante da atualidade a ter o título de imperador.

Participaram da cerimônia de outorga autoridades políticas e esportivas, além de familiares dos homenageados, entre os quais o casal Shuhei e Reiko Okano com os filhos Maurício Shunske Okano e Juliano Yasuhito Okano e a nora Mary Mishina Okano; Yasushi Noguchi, cônsul-geral do Japão em São Paulo; Alessandro Panitiz Puglia, presidente da FPJudô; Tatsuya Sasaki, presidente da Ajinomoto do Brasil; Francisco de Carvalho Filho, presidente de honra da FPJudô; Takanori Sekine, presidente do Instituto Kodokan do Brasil; Oswaldo Hatiro Ogawa, ex-presidente da FPJudô; Daniel Dell´Aquila, ex-judoca da seleção brasileira; e Seiji Takagi, diretor de AminoScience da Ajinomoto do Brasil.

Ao lado do cônsul-geral do Japão, Reiko e Shuhei Okano exibem a homenagem imperial

Uma vida dedicada ao judô

Nascido em 20 de janeiro de 1938, em Hokkaido, graduado em direito pela Universidade de Thu, em Tóquio, Shuhei Okano é um judoca educado e formado sob os preceitos, tradições e costumes da Ásia Oriental. Aos 28 anos migrou para o Brasil e mergulhou na vida e nos costumes de um País tropical, eminentemente cristão e com sua cultura marcada pela miscigenação.

Ex-técnico da seleção brasileira e fervoroso colaborador da Federação Paulista de Judô, sensei Okano dedicou sua vida integralmente à modalidade. Apesar dos graves problemas de saúde, até os dias de hoje contribui incansavelmente para a difusão e o desenvolvimento da arte do caminho suave.

Atualmente o professor Okano é presidente de honra do Instituto Kodokan do Brasil, auxiliando na área da pesquisa de dados para a história do judô no Brasil. É responsável também por numerosas publicações de cunho didático e cultural envolvendo o caminho suave. Dedica-se ainda ao aprimoramento do kosen judô (técnicas utilizadas em lutas de solo) e à defesa pessoal específica para mulheres.

Em foto histórica, Yasushi Noguchi com os agraciados pelo governo do Japão

Cerimônia marcada pela emoção

Bastante emocionada, após a cerimônia de outorga Reiko Okano falou sobre a trajetória do marido no Brasil e de sua colaboração ao judô verde e amarelo.

“Estamos casados há mais de meio século e sempre acompanhei o trabalho que o professor Okano desenvolveu no judô brasileiro. Mesmo jamais estando à frente de nada, na medida do possível o ajudei atuando nos bastidores, e mais do que ninguém sei de sua dedicação e comprometimento com os destinos do judô paulista e brasileiro. Ele sempre fez tudo com extrema retidão, e felizmente sempre houve pessoas que acreditaram em seu trabalho e o apoiaram. Isso fez com que muitos resultados positivos fossem alcançados no desenvolvimento do judô como modalidade olímpica. Muitas pessoas que o apoiaram já faleceram, mas dividimos esta importante homenagem com todos aqueles que apoiaram e participaram da longa jornada do sensei Okano”, disse Reiko Okano.

Repetindo o mesmo feito de seu pai que no passado recebeu a mesma condecoração de Akihito, ex-imperador do Japão, Shuhei Okano externou a felicidade por receber tamanha honraria.

“Sinceramente, tudo que fiz pelo judô do Brasil foi feito de coração e pensando apenas no desenvolvimento da modalidade. Eu não esperava receber tamanha honraria do governo japonês. Fiquei realmente surpreso com a homenagem feita pelo imperador do Japão e sinto-me honrado por tamanha deferência. Não posso deixar de agradecer às pessoas que me auxiliaram neste processo, e faço um agradecimento especial aos irmãos Hitoshi e Hatiro Ogawa, que em momentos distintos prestaram enorme colaboração, assim como os professores Takanori Sekine, Alessandro Puglia e Francisco de Carvalho, o kaichô que sempre reverenciou o oportunizou os principais mestres da nossa modalidade”, detalhou professor Okano.

Grupo de homenageados com autoridades

Com enorme destreza e exatidão, o ex-atleta da seleção brasileira Daniel Dell´Aquila destacou a importância do sensei Okano em diversos planos do cenário judoísta.

“A homenagem concedida ao sensei Okano coroa uma história de vida dedicada a um ideal: difundir a filosofia e os princípios criados por Jigoro Kano, idealizador do judô, como instrumento de educação e desenvolvimento social. Com sua sabedoria, conhecimento e empenho, sensei Okano consegui influenciar, por meio do judô, diversas histórias de vida, sempre marcadas pela superação pessoal e sem perder de vista o respeito ao próximo.”

“Hoje, inúmeras crianças, jovens, educadores e senseis levam essa bandeira à frente, como alicerce de suas vidas, e, de quebra, o judô transformou-se na modalidade olímpica mais vitoriosa de nosso País. Quantas pessoas chegam à fase madura de suas vidas podendo olhar para trás e constatar que cada minuto, hora, dia, mês, ano e década dedicada ao judô resultaram em um importante legado para a sociedade? Nós, discípulos do sensei Okano podemos dizer que ele pode fazer isso com tranquilidade, tamanho é o seu legado”, lembrou Dell´Aquila, que enfatizou a credibilidade do professor Shuhei no Japão.

“Por mais de 50 anos abrindo portas no Japão e fora dele, para estágios, treinos ou trabalho, usando sempre seu prestígio pessoal e muitas vezes auxiliando com seus próprios recursos, sensei Okano, ao lado dos senseis Sekine, Ishii e o saudoso Onodera, dentre outros, criou o IKB, Instituto Kodokan do Brasil, único país a possuir instituição com esse nome fora do Japão”, disse.

“É necessário que os mais novos urgentemente abram espaço para que as histórias de nossos senseis kodanshas sejam imortalizadas e repassadas com admiração e respeito às novas gerações de judocas. É importante a transmissão de seus legados, como parte da história viva do judô. Retornei há poucos dias do Japão e me impressionei como ainda hoje muitos professores japoneses perguntam, saudosos, sobre sensei Okano, sempre muito orgulhosos ao relatarem que compartilham de sua amizade”, explicou Dell´Aquila, que concluiu mostrando gratidão a um dos principais mestres do judô verde e amarelo.

Yasushi Noguchi, Shuhei e Reiko Okano com os convidados para a cerimônia

“A justa homenagem feita pelo cônsul do Japão em São Paulo, em sua residência, com a outorga do diploma concedido pelo imperador japonês, na presença de líderes de grandes empresas japonesas e autoridades máximas do judô paulista, materializa o enorme empenho da família Okano em prol do judô nacional. Como ex-atleta da seleção, e em nome das várias gerações de atletas formados e treinados por ele, faço um agradecimento sincero, reiterando minha eterna gratidão ao professor Shuhei Okano por tudo que nos proporcionou.”

Além de lembrar alguns feitos importantes, Alessandro Puglia falou sobre a atuação decisiva do professor Okano em várias gerações de medalhistas olímpicos.

“A partir da década de 1970, grandes ações do judô brasileiro contaram com a participação do professor Okano. Ele aglutinou um grupo de judocas que impulsionaram a modalidade tecnicamente. No shiai-jô ele se destacou e teve atuação decisiva nas conquistas de medalhistas olímpicos como Chiaki Ishii, Aurélio Miguel e Rogério Sampaio, criando um modelo de treinamento vencedor. Sua atuação neste segmento foi decisiva”, disse o dirigente.

“Eu mesmo fui beneficiado com o conhecimento que ele possuía no Japão e no ano de 1995 fui para Tóquio e outras cidades, por meio do intercâmbio organizado e proporcionado por ele. Assim como eu, inúmeros judocas foram ao Japão graças ao importante conhecimento e credibilidade que ele possui em seu país até os dias de hoje. Fiz estágio em Tsukuba e este período foi muito importante para minha careira e a de muitos outros atletas”, lembrou o presidente da FPJudô. Puglia também enalteceu a iniciativa do governo japonês.

Alessandro Puglia, Daniel Dell´Aquila, Maurício Okano, Seiji Takagi, Francisco de Carvalho, Hatiro Ogawa, Takanori Sekine, Tatsuya Sasaki, Shuhei Okano e Yasushi Noguchi

“Desde a fundação, o Instituto Kodokan do Brasil mantém a mesma preocupação com o desenvolvimento do judô brasileiro, principalmente no tocante à essência filosófica e aos fundamentos da modalidade. Avalio que o recebimento da Ordem do Sol Nascente Raios de Prata, segunda maior honraria outorgada pelo governo japonês, coroa de êxito toda a obra e o legado deixado a nós brasileiros pelo sensei Okano”, concluiu Alessandro Puglia.

Missão cumprida

Profundo conhecedor da trajetória do professor Okano, Oswaldo Hatiro Ogawa, ex-presidente da FPJudô, descreveu a trajetória do homenageado.

“Em 1964 o sensei Okano fez parte da seleção de judô japonesa que disputou os Jogos Olímpicos de Tóquio, mas não como titular. Assim que o torneio acabou ele iniciou o processo de migração para o Brasil. Antes, porém, assumiu compromisso junto à diretoria do Instituto Kodokan de propagar ainda mais o judô no Brasil. Esta foi a sua principal missão. Chegando aqui, assumiu na Usiminas (MG) um cargo na área do direito civil, na qual é formado. Naquela mesma época um grupo de japoneses migrou para vários países com a mesma missão e tenho certeza absoluta de que ele a cumpriu à risca”, lembrou Ogawa.

Os judocas mais antigos sabem que o judô competitivo do Brasil viveu uma era antes da vinda do sensei Okano e outra que se iniciou com a sua chegada. Ogawa também ressaltou esse aspecto.

“Por toda a vivência olímpica que adquiriu no Japão, aqui ele teve uma enorme participação na formação de atletas e equipes cada vez mais expressivas. Apenas para dar um exemplo, ele foi o técnico de Chiai Ishii e Lhofei Shiozawa, únicos judocas do Brasil nos Jogos de Munique 1972, quando aconteceu a conquista da primeira medalha olímpica do judô brasileiro.”

Nessa época Okano decidiu reunir os melhores atletas de São Paulo para treinar no Esporte Clube Pinheiros aos sábados e domingos, e com isso conseguiu formar uma equipe muito forte e coesa. “Os Estados do Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro começaram a ficar para trás, e resolveram desenvolver o mesmo tipo de treinamento, o que lhes permitiu crescer e se desenvolver tecnicamente”, explicou Ogawa. “Assim o judô do Brasil ficou fortíssimo e distanciou-se dos demais países das Américas, já que nenhum deles apresentava tamanha competitividade interna. Dessa forma o sensei Okano obteve projeção nacional e conquistou a confiança dos judocas dos demais Estados. Com ele estavam sempre Ikuo Onodera e Chiaki Ishii.”

Oswaldo Hatiro Ogawa, Francisco de Carvalho Filho e Shuhei Okano

Passada a fase de seleção brasileira, o professor Okano passou a dedicar-se mais às questões técnica, estrutural e histórica do judô de São Paulo e do Brasil. Posteriormente fez parte do grupo de professores que criou uma padronização na graduação. “As escolas do Hombu Budokan seguiam as normas estipuladas por meu avô e meu pai”, descreveu Ogawa, “mas cada uma das outras tinha suas regras, e aquele grupo de professores conseguiu criar um novo padrão para graduação do judô. Posteriormente a FPJudô criou todo um sistema de graduação que passou a ser adotado por outros Estados, e paulatinamente o judô foi-se estruturando, graças à atuação e dedicação de muitos judocas que nos precederam e transformaram a nossa modalidade nesta potência.”

Alguns anos depois, em 1982, o professor Okano fundou o Instituto Kodokan do Brasil, visando a aproximar e oficializar a relação com o Instituto Kodokan de Tóquio, até hoje a meca do judô mundial. Por meio dessa iniciativa ele passou a organizar grupos de atletas e a desenvolver uma série de intercâmbios e até mesmo parcerias com o instituto e o governo do Japão. Ogawa enfatizou que há mais de dez anos ele foca a introdução do judô nas escolas do ensino fundamental e que há exatos 54 anos no Brasil ele trabalha incansavelmente pelo desenvolvimento de nossa modalidade.

“A homenagem feita a ele pelo imperador do Japão é totalmente pertinente”, concluiu Ogawa. “E ele até recebeu convite para ser homenageado no Japão, mas declinou em função da saúde. Aliás, ele nem queria receber esta homenagem, porque sua locomoção hoje em dia é um pouco difícil e ele não quer incomodar as pessoas. Mas graças à iniciativa do professor Francisco de Carvalho, que foi até a residência dele e conseguiu demovê-lo, tudo deu certo e a festa foi completa.”

Alessandro Panitiz Puglia e Shuhei Okano

Justa homenagem

Francisco de Carvalho iniciou sua avaliação mostrando a relevância do trabalho desenvolvido por Shuhei Okano no judô do Brasil

“A outorga da comenda da Ordem do Sol Nascente Raios de Prata pelo imperador do Japão ao professor Shuhei Okano é uma justa homenagem pelos serviços prestados por ele na difusão da cultura japonesa no Brasil e pelo desenvolvimento técnico que ele proporcionou ao judô brasileiro. Esta é uma deferência feita a poucas pessoas no mundo, mas curiosamente o pai do sensei Okano também recebeu esta mesma comenda do governo japonês, porém isto aconteceu após a sua morte”, disse.

“Desde jovem acompanho sua jornada e afirmo que esta premiação é revestida de grande importância e significado. Está coroando o trabalho e a dedicação de toda uma vida do sensei Okano e de sua esposa Reiko Okano, que além de cuidar dos filhos, do marido e da casa, sempre esteve nos bastidores dando o suporte necessário ao professor. Além de difundir a modalidade, o sensei impôs no Brasil, a cultura do desenvolvimento técnico alicerçado no treinamento sistemático dos fundamentos da modalidade”, detalhou o dirigente, que concluiu mostrando que a premiação feita ao professor Okano premia também todos os judocas do Brasil.

“O histórico de vitórias e conquistas obtidas pelo sensei Okano foi coroado com esta premiação que premia igualmente o judô brasileiro e todos que estão envolvidos neste cenário – federações, CBJ, associações, professores e atletas do Brasil. Todos nós fomos reverenciados pelo governo japonês. Mais uma vez o sensei Okano nos premia com seu protagonismo e com seu trabalho. Todos nós devemos orgulhar-nos desse reconhecimento que o novo imperador está concedendo a um pequeno grupo de japoneses e descendentes, já que o resultado prático daquilo que começou em 1965 foi reconhecido e premiado num ambiente em que habitualmente vemos apenas empresários e executivos de grandes conglomerados”, lembrou o professor Francisco.

Alessandro Puglia, Daniel Dell´Aquila, Maurício Okano, Seiji Takagi, Takanori Sekine, Francisco de Carvalho, Hatiro Ogawa, Mary Okano, Juliano Okano, Tatsuya Sasaki, Shuhei Okano e Reiko Okano