06 de junho de 2025

O vocábulo Bushidô é composto por dois ideogramas: Bushi, que significa guerreiro, e Dô, o mesmo do Ju-dô, que significa caminho. Em tradução livre, representa o “código do guerreiro”. Os temidos samurais — elite de combatentes do Japão feudal — serviam com lealdade aos Daimyôs (senhores feudais) que governaram até a Guerra Civil Sengoku (1467–1615), período que culminou com a ascensão do xogunato Tokugawa, responsável por um longo ciclo de paz e isolamento do país.
A arte marcial dos samurais era o ju-jutsu, empregada nas batalhas em que a sobrevivência era ditada pela espada. Mas o que o judô tem a ver com essa história?
Sim, o judô está conectado a esse legado. Primeiro porque o shihan Jigoro Kano estudou diversas escolas de ju-jutsu para criar o ju-dô — um método que se afastava da violência bélica e assumia intencionalidade pedagógica.
Infelizmente, ainda hoje encontramos senseis que defendem o judô como arte marcial. A palavra “marcial” deriva de Marte, o Deus romano da guerra, e se aplica com precisão, por exemplo, ao Krav Maga, sistema utilizado pela Mossad israelense para neutralizar o inimigo.
Retomando a reflexão sobre o judô, é possível analisá-lo sob duas perspectivas complementares:
a) Judô educacional — como idealizado pelo pedagogo Jigoro Kano, reitor da Universidade de Tsukuba, na província de Ibaraki, onde tive a honra de estudar como bolsista do Ministério da Educação do Japão (Mombusho). A escola, como equipamento social, deve incluir em seu currículo de Educação Física, conforme determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, os conteúdos de luta. O judô contribui para a formação integral do educando. No entanto, poucos professores abordam esses conteúdos, muitas vezes por se sentirem despreparados para isso. Imaginem se fosse um judô com ênfase marcial…
b) Judô como esporte olímpico — onde o Brasil tem uma das maiores conquistas em seu modesto quadro de medalhas olímpicas. Também aqui não cabe a noção de “marcialidade”, mas sim de esporte de combate, assim como o boxe, o wrestling, a esgrima e o taekwondo.
É preciso, portanto, repensar a terminologia adotada. Judocas não são samurais e o judô não é uma arte marcial no sentido clássico. Trata-se de uma prática esportiva e educacional, recomendada justamente para a formação de uma juventude saudável, ética e disciplinada. O respeito ao senpai e ao kohai promove equilíbrio hierárquico e relações humanas mais conscientes dentro e fora dos dojôs.
Afinal, de guerras o mundo já está farto — elas irrompem a paz em todos os continentes por interesses mesquinhos. No ambiente dos esportes de combate, o que há é o confronto simbólico, pautado por regras, valores e pelos conceitos do Jogo Limpo e do fair play.
Apesar de associado aos campos de batalha e à figura idealizada do samurai, o Bushidô não deve ser visto apenas como um código de guerra. Mais do que técnica ou violência canalizada, ele propunha uma forma de estar no mundo — uma conduta ética, forjada no respeito, no dever e na busca constante pelo aperfeiçoamento interior.
Influenciado pelo xintoísmo, pelo confucionismo e pelo zen-budismo, o Bushidô sintetiza sete virtudes centrais: retidão, coragem, compaixão, cortesia, sinceridade, honra e lealdade. Mas talvez sua maior virtude seja a de transcender o tempo e os campos de batalha para inspirar práticas voltadas à paz, à dignidade e à formação do ser.
“É nesse esforço diário, silencioso e generoso que o Bushidô deixa de ser mito para se tornar caminho — ou melhor, dô.”
É nesse ponto que a crítica ao “mito do Bushidô” se torna oportuna. Pois se, por um lado, o código do guerreiro foi romanticamente apropriado pela cultura pop, por outro, seu verdadeiro legado reside nas práticas que educam, humanizam, acolhem e transformam.
Dessa forma, o judô não é uma arte marcial no sentido convencional. Trata-se de uma prática socioeducativa, ancorada nos pilares do Bushidô, voltada à construção do caráter, ao domínio de si mesmo e à formação de cidadãos éticos e resilientes. No tatami, o combate é simbólico. A verdadeira luta é interna — contra a indisciplina, a arrogância, a injustiça e o ego.
O judoca que compreende esse espírito não luta para vencer o outro — luta para vencer a si mesmo, como propôs Jigoro Kano.
E é exatamente nesse esforço diário, silencioso e generoso que o Bushidô deixa de ser mito para se tornar caminho — ou melhor, dô.
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